As postagens desse blog são em caráter informal, de apego ao saber popular, com seu entusiasmo, exageros, ingenuidade, acertos e erros.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Nossa Água, Nossa Vida (Vídeo Educativo, 2002)

Apesar da água ser fundamental na nossa vida, não estamos dando o valor merecido. É um recurso natural limitado e escasso e, se hoje for desperdiçada, amanhã não teremos mais.


Neste vídeo educativo da SEMA-AP são tratados pontos importantes sobre os recursos hídricos no Estado do Amapá, enfatizando também medidas básicas de saneamento. Uma preciosa ferramenta para a Educação Ambiental, buscando a consciência coletiva para a conservação e boa utilização desse tesouro natural. Tem duração de 10 minutos e é ideal para divulgação entre estudantes e educadores.
A produção é do ano de 2002, com apresentação de Ana Daniela Pinto e reportagem de Soraia Carvalho

Gentilmente cedido pela Videoteca da 
Biblioteca Ambiental da SEMA em Macapá.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Memórias de um Boto (Alcyr Meira)

MEMÓRIAS DE UM BOTO recorre às peripécias - especialmente amorosas - do mítico sedutor dos rios da região para traçar um painel criticamente bem-humorado da sociedade de Belém e do interior paraense nos anos 1950-1960.
Ilustrado pelo próprio autor, o texto passeia pelo Marajó e revive um Mosqueiro que não existe mais, lembrando de lugares como o Praia Bar e de personagens da ilha como a tacacazeira Raimunda, Zacarias Mártires e Manoel Tavares, o Russo, proprietários dos hotéis do Farol e do Chapéu Virado.
Castigado com a condição humana, José Marajó ou Zé da Ilha (os nomes adotados pelo boto) também conduz o leitor para marcos de Belém, como o Palácios dos Bares, ou Bar da Condor, onde João de Barros recebe a fina flor da boêmia da cidade. Quem conheceu a Belém daqueles tempos identificará muitos personagens, deste e de outros cenários. A um deles, o colunista Edwaldo Martins, grande amigo do autor, cabe noticiar o miraculoso desfecho do anti-herói Zé da Ilha. Um anti-herói que, agora finalmente editado, parte para novas travessias literárias. CARLOS MANESCHY (Magnífico Reitor da UFPA)

Título: Memórias de um Boto: um romance amazônico
Autor: Alcyr Meira
Editora: Cultural Brasil
Ano: 2013
Páginas: 512

O imaginário amazônico é rico em histórias fantásticas, muito presentes onde a floresta, o rio, a fauna e o isolamento de comunidades colocam o homem diariamente em um contexto de encontros, descobertas, mistérios e interpretações.
As narrativas sobre o boto estão entre as de maior identidade regional, principalmente entre ribeirinhos, aparecendo em transmissões orais ou, quando em registros literários, geralmente em contos e poesias. Me divirto com tudo isso e aí que entra o entusiasmo inicial com essa obra, pois em prosa romântica ainda não tinha lido nada sobre o boto.
As histórias que conhecia são curtas e parecidas, sem grandes aprofundamentos na trama, e agora me deparo com este romance com mais de 500 páginas, onde o tema em questão é abordado com riqueza de detalhes, passeando por percepções diversas entre o imaginário pueril, humor e dramas em lutas de realização e sobrevivência.
Contextualizando, foi escrito por Alcyr Meira (membro da Academia Paraense de Letras), a descrição é linear (desde o nascimento do boto) com ambientação em Belém e arquipélago do Marajó, entre as décadas de 1950 e 1960. Uma particularidade em especial é que o autor enriqueceu a obra com fatos e personagens reais desse fragmento temporário, seja em referências a pessoas ou locais reconhecíveis na cultura popular. Destaque também para as belas ilustrações idealizadas por Alcyr.
Em linhas gerais, acompanhamos a vida de José Marajó, também conhecido como Zé da Ilha, que é o boto, nascido para os lados de Soure. A primeira parte mostra sua infância e adolescência como tucuxi e a descrição é um tanto pueril. Lembra aqueles romances de aventuras protagonizados por animais, com coisas surrealmente atrativas e curiosas. Destaque para a lenda da origem do boto, na percepção do autor.
A partir da metamorfose humana, que o autor abordou em uma mitologia relacionada a Iara, o boto tem as primeiras aventuras em um povoado fictício no Marajó, chamado de Curuparu. Vemos as primeiras conquistas, paixonites, boemia e confusões. Gostei do cenário, de uma Amazônia folclórica como o romantismo a idealiza.
Soure dá continuidade como cenário e o desenrolar é em um drama familiar que envolve ambição e hipocrisia. O boto entra em cena como um malandro conquistador e registre-se que a obra desse ponto em diante procura enfatizar mais essa característica que a mitologia inicial.
Chegada de Zé da Ilha em Curuparu 
(Ilustração de Alcyr Meira - a obra tem cerca de 50 delas)
Nova confusão e vem a passagem por Mosqueiro, em envolvimentos com descrições centradas na sexualidade. O boto tem digressões em aprendizagens de suas experiências.
A narrativa em Icoaraci é a mais tensa, centrada em uma dupla vingança com desdobramentos futuros, pela morte dos pais do boto e pelo abalo em uma família devido a traições.
Finalmente chegamos a Belém e o desenrolar tem surpresas surreais, como a "humanização definitiva", relacionada ao maior símbolo folclórico da fé paraense. As surpresas tem um lado dramático, que misturam a história de Zé da Ilha com os eventos desencadeados pelo militarismo em 1964. Somam-se a esses dramas também, reencontros com personagens do passado.
Enfim, uma obra ideal para quem curte folclore da Amazônia, explorando o mito do boto de maneira curiosa, deixando também em paralelo um pouco da identidade paraense e amazônica. 

Em Macapá, pode ser lida na Biblioteca Ambiental da SEMA.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Os Cabras de Lampião (Manoel D’Almeida Filho)

Os Cabras de Lampião é o clássico cordel de Manoel D’Almeida Filho. Foi um trabalho preparado pelo mestre poeta (nascido em Alagoa Grande-PB, em 1914) com muita pesquisa, muita delicadeza poética, muita lucidez. 

Título: Os cabras de Lampião
Autor: Manoel D’Almeida Filho
Editora: Prelúdio / Luzeiro
Ano: 1966
Páginas: 48

Fui surpreendido pelo cordel. Não o conhecia e, em primeiro momento de buscas referenciais, encontrei informações que o classificavam como a epopeia dos sertões. Mais que isso, como uma obra-prima de reconhecimento internacional. Para alguns literatos, entre as principais narrativas do século XX. 
Conhecia o Pavão Misterioso como o mais famoso cordel do país, mas este aqui, embora não seja tão conhecido quanto o outro, em representatividade supera além da conta. O diferencial é que narra a história de Lampião com riqueza de detalhes. A descrição, no geral, é histórica, com versos elegantes e simples, de leitura muito instigante. Há também a parte mítica, expressa principalmente na morte de Lampião. A descrição parece ter sido a inspiração para uma famosa minissérie na TV na década de 1980.
Outro diferencial é que os cordéis não costumam ser longos e este tem mais de 500 estrofes, organizadas na edição que li em 48 páginas divididas em duas colunas. Em todas, um passeio sensacional pela realidade do cangaço, vendo-se a violência e rusticidade do cenário cotidiano, a motivação ao banditismo, o espírito aguerrido dos homens e descrição de fatos históricos (como o encontro com a Coluna Prestes e a derrocada em Mossoró), além de particularidades de alguns cangaceiros do bando (Zé Baiano, Corisco, Jararaca e Zabelê) e outras curiosidades que de fato dão uma conotação muito preciosa à obra.
Foi publicado na década de 1960, com o vigor dos relatos ainda vivos em muitas testemunhas dos fatos contados.
Só não gostei do título, que não passa a ideia imediata de ser uma biografia diferenciada de Lampião. 
Obra para ser redescoberta no meio literário. Sem dúvidas, o melhor cordel que já li.


Disponível para leituras em

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

A Bicicleta (Júlio Victor dos Santos Moura)

Mais uma das criações literárias de Júlio Victor dos Santos Moura (membro da Academia Paraense de Letras e das Academias de Letras Jurídicas do Pará e do Amapá), desta feita, no gênero novela, levando ao leitor uma história de enredo linear direcionado a um desfecho surpreendente, que a expectativa da leitura não pode imaginar, tendo como cenário a vida encerrada no cotidiano do povo paraense.
Título: A Bicicleta
Autor: Júlio Victor dos Santos Moura
Editora: Estação das Letras
Ano: 2017
Páginas: 96



Registro no SKOOB
Vidas que se entrelaçam na cidade das mangueiras, em narrativa de Natal direcionada a mensagem sobre escolhas e influências. Uma novela paraense, de poucas páginas e com diferencial curioso: a vida é a narradora. Já vi antagonismo disso em badalado romance, mas nesta singela obra, diante de dramas reconhecíveis na realidade, a vida se encarrega de provocar o leitor na percepção de sua transitoriedade e desdobramentos impactantes diante de más escolhas.
Em linhas gerais, conhecemos Dona Cotinha, uma lavadeira sofrida com as desilusões e dificuldades vivenciadas, e seu filho Diquinho, adolescente prestes a completar 15 anos, esperançoso que enfim se realize o tenro sonho de ganhar uma bicicleta no Natal. Entram em cena também Seu Oliveira com a esposa Dona Candinha (casal de aposentados, vizinhos da lavadeira, comovidos em realizar o sonho do garoto no Natal que se aproxima); Orozimbo e Cacimbaba (espertalhões seduzidos por ambições no lucro de vida fácil) e Zé Bedel (adolescente amigo de Diquinho, há muito tempo seduzido também por ambições de ganho desonesto).
Não há preciosismo em detalhamentos e a narrativa é linear, acompanhando crescentes transformações no adolescente, despertadas por visão de mundo ilusória em influências de amigos que, no final das contas, não são tão amigos assim. Essas coisas vão sendo contadas pela vida, em história que parte de melancolia ingênua para um drama trágico, de desapego ao bom senso em caminhos de sedução ilusória.
Está claro uma mensagem de ética cristã em ilustração de histórias que vivem se repetindo, apesar dos avisos que a vida, de diferentes maneiras, vai nos acenando.

É uma obra interessante e emocionante, provocativa a reflexão e de leitura fácil e construtiva.

"Sou eu, a vida. Você se esqueceu de mim? Sou eu, a vida,
 cheia de lutas e de desacertos. Às vezes com muita tristeza. E é preciso pagar pedágio para passar pelos meus caminhos repletos de ônus."

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Meninas da Noite (Gilberto Dimenstein, 1992)

"Durante seis meses, Gilberto Dimenstein investigou a rota do tráfico de meninas na Amazônia, viajando pelo submundo da prostituição infantil. O resultado é um livro que dá a sensação de estar diante de um filme de suspense policial. Cada passo da investigação e relatado com detalhes, mostrando como foi possível encontrar traficantes e um cativeiro de meninas-escravas protegidos pela selva amazônica. Uma reportagem investigativa com repercussão dentro e fora do Brasil." Descrição no livro


Título: Meninas da Noite - A Prostituição de Meninas-Escravas no Brasil 
Autor: Gilberto Dimenstein
Editora: Ática
Ano: 2000 (16ª edição)
Páginas: 165
Tema: Sociologia, Prostituição Infantil, Amazônia

A obra é de 1992, mas a realidade apresentada, apesar dos anos que se passaram, é algo que persiste na sociedade.
Contextualizando, o livro traz uma reportagem investigativa sobre a prostituição infantil na Amazônia, passando por várias cidades no Norte, Nordeste e Centro-Oeste em um período de seis meses, com a metodologia de encontrar as adolescentes dando voz ao que vivenciavam. A abordagem não se prende a referenciais teóricos em sociologia, os relatos das meninas são provocativos a essa percepção nas causas e consequências.
Entre as causas, evidenciam-se fatores como a desestruturação familiar (violência, ausência dos pais, conflitos gerados pelo alcoolismo, conivência com a corrupção no lar); o abandono do poder público em garantir direitos essenciais (como a educação e proteção) e a falta de oportunidades em um cenário de carências diversas, suscetível a ação de aliciadores.
Nas consequências, a constatação de uma realidade que escraviza e destrói (física e emocionalmente), predispondo desdobramentos para o tráfico de mulheres, drogas, violência, gravidez precoce, abortos, doenças e mortes.
Os relatos chocam, falando de venda de crianças pelos pais, leilões de virgindade e impunidades diversas, envolvendo também elementos da esfera governamental.
O que me pareceu mais melancólico foi a visão de mundo forçada nas meninas, que muitas vezes resumem nesse meio a única forma de sobrevivência.
Há coisas deprimentes sobre exploração e o objetivo do livro é instigar a transformação do impacto, na sociedade e autoridades, em ações contra essa realidade.
O livro tem acervo fotográfico, com imagens que falam por si mesmas ao contrastar a inocência da infância com a perversidade do mundo da prostituição.
Registro também uma observação que chamou minha atenção, sobre a Amazônia ser conhecida internacionalmente em movimentação contra a sua devastação, mas ser pouco conhecida quanto a vidas devastadas que nela habitam,
Do ponto de vista sociológico, é uma obra importante de ser difundida e conhecida. O conhecimento expresso é ainda realidade presente e não se restringe ao cenário de cá.
O que não me pareceu coerente (aspecto que não concordei) é que o autor, no ponto de vista histórico, baseou algumas conclusões em considerações pejorativas, irreais com a verdadeira identidade dos fatos. Não por ser amapaense, pois reconheço a realidade descrita, mas fazer redução do antigo Beiradão (hoje Laranjal do Jari) como cidade criada para fornecer mulheres para o Projeto Jari é desconhecer e ignorar a história e chega a ser até mesmo um tanto irresponsável. É como dizer que as favelas foram criadas para o tráfico e que todo brasileiro é malandro (em face da visão pejorativa no exterior). Não se trata de bairrismo, pois a mesma observação em relação a realidade dos fatos também aplico a Rondônia, que teve sua economia e desenvolvimento associados, em sua maior parte, ao tráfico de drogas no registro do autor. Não é o aspecto principal do livro, mas achei importante expressar no que quero guardar em percepções sobre a obra.
Leitura importante, principalmente pelo tema ainda ser presente, seja na Amazônia, seja no país como um todo: a prostituição infantil.


Se você quiser consultar e ter seu parecer, concordando ou não com o que referenciei, o livro está disponível para consultas (para a galera em Macapá) na Biblioteca Ambiental da SEMA-AP.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

O Amapá d'Outrora (Elfredo Távora Gonsalves, 2015)

"A história dos primeiros anos de Amapá Território ainda não foi contada ou escrita completamente. Obviamente não poderia fazê-lo a contento, porque não sou historiador. Todavia, propus-me a citar os fatos vividos por mim nestes longos anos de vida no Território (maio de 1943 a 2012). A maioria são impressões que mais ficaram na memória; os demais, alguns problemas ligados às imensas riquezas do Amapá, ainda não explorados devidamente e, além disso, um esclarecimento sobre a verdade do contrato do manganês. Procuro alinhar algumas das muitas riquezas que o Amapá possui e que o público sabe que existem, mas não tem consciência de seu valor intrínseco. O cidadão comum precisa inteirar-se das suas potencialidades, para que se possa pressionar os seus representantes a lutar por medidas necessárias à exploração racional desse patrimônio que, a meu ver, continua esquecido ou ignorado." ELFREDO TÁVORA GONSALVES
Informações gerais:
Título: O Amapá d'Outrora
Autor: Elfredo Távora Gonsalves
Editora: Tarso
Ano: 2015
Páginas: 176
Tema: Memórias, História do Amapá, ICOMI

Registro no Skoob: 
Excepcional livro de Elfredo Távora, jornalista e pioneiro no Território Federal do Amapá, publicado em 2015, ano de seu falecimento. Um relato de amor a terra, valorizando a história (interessante em sua percepção como pioneiro), riquezas e, principalmente, reflexões em conceitos que se estabeleceram sobre o desenvolvimento amapaense.
O primeiro momento é de ênfase às riquezas, se estendendo em diferentes recursos naturais. Potencialidades correlacionadas à ocupação e exploração da terra, em história revisitada desde os tempos coloniais.
A descrição é didática e prática, abordando a importância científica e o contexto de exploração no Amapá.
O autor tem visão muito interessante. Bauxita, cassiterita, ouro, ferro, caulim (você sabe onde é explorado e quem lucra com isso?), produtos madeireiros, entre outros aspectos, são apresentados com direcionamento ao Amapá. Dessa forma, a leitura gera conclusões que desmistificam muitos conceitos (como a visão recorrente sobre a ICOMI), reveladoras também sobre figuras históricas (como Janary Nunes e sua disposição facilitadora à ações contratuais que acabaram sendo prejudiciais ao Amapá).
O paralelo entre o desenvolvimento do Amapá e ação da ICOMI é o aspecto mais interessante do livro. Elfredo Távora chama atenção para importante discussão, onde quem ganha é o povo amapaense, desmistificando visão de que a empresa foi extremamente benevolente e responsável pelo desenvolvimento do estado.
Existe a visão emotiva, nostálgica de quem fez parte, vivenciou e assim de alguma maneira foi beneficiado pelo empreendimento (rotineiramente prestigio algo nesse sentido). Mas tem também a visão de análise da representatividade da empresa para o estado, para o povo amapaense, analisando-se de forma prática essa relação. É a esse segundo aspecto que Elfredo chama a atenção no livro.
Além da percepção como pioneiro desde 1943, ter trabalhado no Território, desenvolvido história jornalística, vivenciando ou conhecendo muitas personagens e fatos, o autor privilegiou também duas fontes de consultas: Quem explorou quem no contrato de manganês (Álvaro da Cunha, 1962) e O Amapá nos tempos do manganês (Drummond e Mariângela, 2007).
Em linhas gerais, o autor reacende a discussão fomentada por Álvaro da Cunha já nos primórdios da ICOMI no Amapá, sobre o acordo que beneficiava mais a empresa do que o Território. Entre outras coisas, esse contrato foi feito em sigilo e pressa, com ditames que na prática geraram isenção de muitos impostos, permitiram ação fechada da empresa sem intervenções governamentais, onde se beneficiou do governo para seus interesses, não apresentando relatórios de balanços financeiros. O autor chama as vilas de guetos sociais, onde a realidade fora desse contexto gerou bolsões de pobreza na periferia, devido a idealização de um Eldorado. A estrutura das vilas, super destacadas da realidade amapaense, foram sobretudo uma iniciativa privada para atender os interesses de produtividade, não uma benevolência. Na prática, além de gueto social, como se referiu o autor, também pareciam sociedade distópica por conta do monitoramento e controle acirrados em vários sentidos.
Essas considerações, não enfatizadas no livro de Drummond e Mariângela, são as principais questões do autor em contraposição. O desenvolvimento amapaense está relacionado à suas potencialidades, onde a ICOMI teve facilitações para explorar, gerando muita injustiça no que se estabeleceu comercialmente para o Amapá e, no imaginário, se tornou uma empresa benevolente que teria sido responsável pelo desenvolvimento. Elfredo enfatiza esses aspectos, que não podem se ausentar ou dissociar no estudo sobre a ICOMI.
As questões são trabalhadas com muita propriedade e a leitura é imprescindível para estudiosos da história amapaense.
No final, tece algumas considerações sobre a Amazônia, destacando outras manobras externas que também espoliaram riquezas (como o roubo das sementes da seringueira no século XIX por inglês, que acabou com o áureo ciclo da borracha).
O único aspecto que não achei interessante, foi a breve consideração sobre o coronelismo. Espoliaram e usufruíram da terra também, com ditames arbitrários em interesses individualistas, como José Júlio de Andrade na Jari. 
Leitura envolvente e instigante.

Em Macapá, o livro pode ser consultado na Biblioteca Pública Elcy Lacerda (Sala da Literatura Amapaense) e Biblioteca SEMA-AP. 

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

BRUMASA, Avanço Industrial da Amazônia (ICOMI)

"Em 1968, foi instalada em Santana a empresa Bruynzeel Madeira S.A. - BRUMASA. Tal empreendimento, originado de um acordo entre a ICOMI e um grupo de empresários holandeses, teve como atividade principal a fabricação de compensados a partir dos recursos florestais locais, como também a exploração da virola (Virola surinamensis). Com esses investimentos, em 1970 o setor extrativismo vegetal correspondeu a 32,4% do valor de produção da economia amapaense.
A BRUMASA foi a segunda empresa, depois da ICOMI, a ter uma participação fundamental no comércio exterior do Amapá no período de 1973 a 1982, chegando a posicionar-se como a 11ª empresa de laminados no ranking nacional, em 1977. Foi desativada em 1988 devido ao esgotamento da virola no Amapá e suas instalações foram integradas às da fábrica de cavacos da Amapá Celulose S.A. (AMCEL)."
Texto de Jadson Luís Rebelo Porto, extraído do livro Amapá: Principais Transformações Econômicas e Institucionais (1943-2000).

A obra a seguir foi publicada pela ICOMI. A data não foi identificada, mas remete à época de instalação da BRUMASA, constituindo-se, em termos gerais, em breve apresentação.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Coleção Sítio do Picapau Amarelo - Monteiro Lobato 6

Fábulas (1922)
O livro é de 1922, entre os primeiros sobre o Sítio. Vemos histórias que seriam retocadas e republicadas em obras como "Reinações de Narizinho" e "Viagem ao Céu".
Em linhas gerais, o jeito lobatiano de adaptar um contexto (como história, literatura ou ciência) valorizando aspectos da cultura local e, o que é interessante, de forma provocativa aos jovens leitores.
A atenção foi para as fábulas, contadas por Dona Benta em gostosas narrativas de vó para a turminha. São cerca de setenta, sendo a maioria de La Fontaine e Esopo, mas tem também do folclore e da cachola de Dona Benta. A turminha se expressa no que entendeu, concordou (ou não), manifestando seu agrado ou desagrado e estendendo a aprendizagens em exemplos observados no convívio de sua realidade. 

Claro que tem também a torneirinha de asneiras da Emília e, aqui e acolá, pitacos científicos do Visconde, percepções ingênuas da Tia Nastácia, o romantismo aventureiro e sonhador de Pedrinho e Narizinho e, através da Dona Benta, paralelos entre antiguidade e modernidade, que o autor estende para a percepção da linguagem e cultura.
Ah, mas sem dúvidas um dos aspectos mais legais fica mesmo por conta dos pitacos da Emília, às vezes, refinada esperteza. Principalmente quando propõe finais diferentes, como o desenlace que deu para "O Lobo e o Cordeiro". Falando nessa, Lobato afirmou que entre todas é a fábula mais conhecida. Para mim, seriam a da "Cigarra e a formiga", "A raposa e as uvas" e "A assembleia dos ratos". 

Talvez essas fábulas não fossem tão conhecidas pela garotada, ainda mais por algumas apresentarem contexto originalmente violento (apesar da época não fazer distinções como hoje). Redobra-se o valor do autor, que reconta para a garotada e a turminha não se limita a dizer se gostou ou não. Dá também os porquês.
As fábulas em boa parte retratam cenário de opressão do forte sobre o fraco, onde a esperteza (ou sabedoria ou informação) é a maneira de se livrar disso.
A que mais gosto é a do "Velho, o menino e a mulinha". Uma graça, cheia de ironia com o relativismo e indefinições de posicionamento na vida. "A morte e o lenhador" também é paidégua ! Gosto também de "O cão e o lobo" e de... Ah, de várias!

É, mas as de maior impacto no livro são as que exacerbam a injustiça, tipo "O Lobo e o Cordeiro", "O julgamento da ovelha" e "Liga das nações". Essa e outras vão em um contexto de retrato político, que Lobato faz a turminha se deparar, refletir e se manifestar.

Curiosidades banais a parte: faltou aquela fábula do gato que ensinou a onça a saltar menos "o pulo do gato" (que foi lembrada pela Emília), O Elias turco é mencionado como pai de uma menina (não recordo se isso foi explorado em outros livros ou seriado) e "Os animais e a peste" (a fábula de onde veio o Burro Falante - o Conselheiro).
Belo livro! No final podemos comprovar mais um ponto: algo já feito não esgota a possibilidade de explorações diferentes e legais.

Valeu, Lobato!


História do mundo para crianças (1933)
Belíssima obra! Extraordinária pelas informações e detalhamentos em um passeio curioso  pela história da humanidade, contada em serões de Dona Benta com a turminha. O autor fala de civilizações, personagens significativas na história, arte, ciência, política, modernidade, filosofia, religião e outros aspectos. Aquela dinâmica conhecida se repete, da turminha interagir com as informações em opinião, reflexão e paralelos na visão da atualidade.
Foi publicada em 1933, mas certamente foi retocada pelo autor, que descreve fatos ocorridos na década seguinte, como a Segunda Guerra Mundial e a explosão da bomba atômica em Hiroshima.
Tem tanta coisa interessante, no sentido de fomentar discussões, que teria despertado incômodo ao Estado Novo e igreja. Dona Benta fala contra opressão do povo, Lobato em certo momento dá a entender ser simpatizante do antigo regime monárquico e a turminha discute sobre pontos relacionados à religiosidade, como as Cruzadas, a Inquisição, a ruptura no Cristianismo, massacres entre católicos e protestantes, além da valorização das teorias evolucionistas de Darwin.
A valorização é para a História como é contada nos livros didáticos e afins. Importante ressaltar, pois a história muitas vezes é mutável com novas aprendizagens, e algumas coisas se estabeleceram estrategicamente por induções e manobras interesseiras. O princípio valorizado parte da total aceitação dos fatos outrora registrados, desdobrando-os para reflexões.
Outra coisa importante é que o autor novamente trouxe para a perspectiva dos picapaus algo já estabelecido no contexto de época. É o caso do livro Child's History of the World (História do mundo para crianças), publicado em 1924 pelo professor americano V. M. Hillyer, que rapidamente se tornou importante obra da literatura infantil. Lobato não omite e cita o livro no início - quando Dona Benta o recebeu pelo correio, ficou instigada e resolveu dividir esse saber com a garotada. Ah, mas garanto que tem muito marmanjo que vai se surpreender também com essa valorosa publicação.
Claro que tem o toque pessoal no olhar abrasileirado e, partindo ou não do autor, gostei dos sutis momentos de valorização a saberes em sua etimologia ou correlação com momento histórico. Como a origem de palavras como estoicismo, quando falou da Grécia antiga, ou protestante, no contexto que gerou essa denominação para os reformadores na igreja.
A parte do Darwinismo (que não creio) é o pontapé inicial das histórias de Dona Benta e daí vamos avançando em diversos momentos da história da humanidade. Egito, Grécia, Israel, Mesopotâmia, Roma, Idade Média, Navegações, e só estou citando alguns.
Outra coisa que despertou atenção. Em resenhas anteriores lamentei a ausência e viajei em como seriam incursões de Lobato pela literatura bíblica. E não é que esse livro tem! Específicas em pelo menos dois capítulos (sobre a história dos Judeus conforme o Antigo Testamento e sobre Jesus nos Evangelhos). Provavelmente Lobato apenas reproduziu a obra de Hillyer, mas são suas as impressões na turminha, principalmente na reflexão sobre a história da cristandade. Senti o autor desiludido por conta do comportamento humano, sendo esse aspecto o que o direcionou em sua visão sobre Deus. Oh! Olhemos para Jesus, se quisermos realmente encontrar Deus. Olhemos para Jesus e sua mensagem, porque o testemunho dos homens muitas vezes só tende a incentivar cegueira e desânimos por conta de ações contrárias a fé professada.
Os relatos bíblicos estão um tanto borocoxôs. O autor descreve contentando-se e dando atenção só para o elemento humano. A presença de Deus em suas ações não é valorizada. Só uma vez aparece a palavra Senhor. Bem se vê percepções e conclusões marcantes a partir da centralização do homem como norteador de vida. Olhemos para Jesus Cristo!
Falando em reações, os picapaus demonstram revoltas com as injustiças e empolgam-se com descobertas e aprendizagens, mas passei a ter outra imagem sobre Narizinho. Emília, Pedrinho e Visconde parecem ver as coisas no que gostariam de vivenciar (pelo prazer da aventura, vontade de corrigir algo devido visão incômoda, desejo de testemunhar algo, tudo num plano com egocentrismo, sem ser ruim). Mas com Narizinho a coisa é diferente. A menina parece demonstrar percepção mais humanista, de ver as coisas num plano onde se insere e sofre com a injustiça por ter um olhar mais abrangente, de valorização do outro e não essencialmente de sua vontade. O livro sugestiona isso. Será que estou conseguindo explicar o que sinto... Vale a tentativa. Em vários momentos a menina tem quase um desmaio de revolta, passa mal e Dona Benta tem que interromper a história para seu restabelecimento diante do impacto que sofrera. Aconteceu com as narrativas sobre o Nero em suas perversidades, na descoberta da mitologia dos Fenícios (sobre o deus Moloque e Asterate, que recebiam sacrifícios de crianças, citados também na Bíblia), a escravidão, Joana D'Arc e outros momentos. É dela que partem sempre as observações mais interessantes ao lado de Dona Benta.
Na parte da escravidão Lobato manifesta seu repúdio, referenciando como um cancro na história humana.
Vou deixar em registro também o capítulo "A era dos milagres", apenas por ter a primeira parte rotineiramente reproduzida em livros escolares, pelo menos no meu tempo de estudante.
O Lobato era adepto do comunismo? Não sei, mas tem capítulo em que parece criar uma expectativa com a Revolução Russa. O texto fala de dar tempo para ver resultados, se positivos ou não (Ora! Comunismo só oprimiu, roubou, torturou e matou, em todas as experiências mundo afora).
Enfim, uma viagem sensacional.  

sábado, 6 de janeiro de 2018

Incoerência Humana - Naufrágio do Novo Amapá (Francisco Hermes Colares, 2002)

"Desculpe-me, leitor amigo
o que agora vou relatar
é um fato muito chocante
que eu preferia não lembrar
mas decidi descrever
para melhor registrar.

O ano de oitenta passou
e dele ficamos a reclamar
oitenta e um entrou alegre
somente para nos enganar
e em apenas seis dias
nos fazer a todos chorar."
(Versos iniciais do cordel)


Título: Incoerência Humana - Naufrágio do Novo Amapá
Autor: Francisco Hermes Colares
Editora: Gráfica Amapaense
Páginas: 36
Ano: 2002
Gênero: Literatura de Cordel

Histórico cordel publicado em 2002, para leitura e reflexão do valor da vida acima de qualquer interesse. Cada verso exprime tristeza dilacerante, escritos por Francisco Hermes Colares, que acompanhou de perto o desenrolar dos fatos, apresentando exatidão e emotividade na narrativa.
Vemos as expectativas dos viajantes, a superlotação com descaso das autoridades competentes, o drama daquela fatídica noite em 06 de janeiro de 1981, o sofrimento e morte das infelizes almas, as expectativas de notícias no porto de Santana, a mobilização de resgate, o funesto enterro na cova coletiva no cemitério santanense, as homenagens e a dor de todos pela maior tragédia ocorrida nos rios amapaenses.
Para quem não conhece a história, o Novo Amapá naufragou por conta de excesso de passageiros e cargas, quando viajava de Santana (AP) para a Vila de Monte Dourado (PA) através do rio Jari. Mais de 300 pessoas morreram na embarcação preparada para receber cerca de 150 passageiros. Estima-se que estavam a bordo mais de 600 pessoas...
Era uma tragédia anunciada. Viajei nesse barco pouco antes do desastre. Na ocasião, estava superlotado, com o casco quase todo afundado, tendo pavimento de passageiros rente ao nível da água (e ainda lembro de carros na parte de cima da embarcação). Prenúncios de uma tragédia! Que se confirmou pouco depois, marcando para sempre a história da navegação da Amazônia e deixando famílias enlutadas e com uma dor sem medidas em várias cidades. Testemunhei choro e comoção em Monte Dourado, onde me encontrava na ocasião. Muitos, em um mecanismo de defesa, até negavam, diante de informações imprecisas.
O fato foi também decisivo para o fim do Projeto Jari na direção do magnata americano Daniel Ludwig (que passava por insucessos em projetos e enfrentando propagandas negativas encabeçadas pelo governo militar). A maioria dos passageiros era de trabalhadores da Jari.
Uma curiosidade funesta para o ano de 1981 é que em 19/08 naufragou também o Sobral Santos, que fazia linha entre Santarém e Manaus, com um número de vítimas semelhante a tragédia do Novo Amapá.

A obra pode ser consultada 
na Biblioteca Ambiental da SEMA em Macapá.

Veja também: 
- Morte nas águas: A Tragédia do Cajari (1981 - Livro) 
- Novo Amapá: A maior tragédia fluvial da Amazônia

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Coleção Sítio do Picapau Amarelo - Monteiro Lobato 5

O Picapau Amarelo (1939)
Sabe aquele filme do Shrek, em que personagens das fábulas invadem o pântano a convite do Burro? É o que acontece neste livro do Lobato, quando o Polegar leva essa turma para morar no Sítio. Ah, pelo menos pediu autorização para Dona Benta. Oba! Aleatoriamente acabei acertando algo! O livro se passa depois do Poço do Visconde, minha última leitura, quando enricaram com o petróleo e aproveitaram para comprar terras nas cercanias do Sítio. Esse foi o primeiro destaque, que teve a sagacidade da Emília para comprar a terra dos vizinhos. Depois vemos uma série de aventuras na interação dos picapaus com personagens das fábulas (curiosas, inusitadas e divertidas). Ah, e tem também personagens da mitologia grega e literatura universal. Gostei e cito: as maluquices do Dom Quixote (que via ações do famigerado mago Fresnom supostamente transfigurado em criaturas como o pobre do Quindim); a narrativa de Belerofonte sobre o embate com a Quimera; a turma do Sítio enfrentando os terríveis piratas liderados pelo Capitão Gancho; e a gulodice do Sancho Pança (pau a pau com a do Rabicó). Lobato novamente valorizou as fábulas e mitologia em apresentação para tenros leitores, naquela dinâmica de conhecer e brincar com as descobertas. Para o autor não basta expor, é interessante também uma brincadeira interativa.   
Tem coisa que não curti e vou registrar. No início da obra há uma abordagem sobre mitos e ficção onde o autor subentende o ateísmo. É só uma observação de minha parte, que me ajuda a pontuar o que conheço sobre o autor. Referenciando algo mais do livro:
- Capitão Gancho perde o famigerado Hiena do Mares para a turminha, que o reforma como o Beija-Flor das Ondas
- Tia Nastácia apaixonada... Ah, não se explicou pelo que ou por quem, evidenciando-se a paixão como um sentimento de êxtase. O fato resultou de artimanha da Emília com flechas do Cupido.
- O casamento de Branca de Neve com o Príncipe Codadade e uma nova visitação de crianças no Sítio, ávidas por conhecer os picapaus.

Termina com um mistério, o desaparecimento de Tia Nastácia, assunto para o próximo livro: O Minotauro.  
Essa é a essência da obra, passando a percepção de descobertas com interação curiosa e divertida no mundo da leitura.

O Minotauro (1939)
Conheci essa obra através do antológico Sítio do Picapau Amarelo versão anos 70. A percepção era de uma história de terror, assustadora para a garotada em cada aparição do monstro que, mesmo com uma figura super tosca, dava medo por conta do suspense potencializado nas perseguições no famoso labirinto, imagens obscuras e trilha sonora cabulosa. Curioso que na versão do segundo milênio, que também acompanhei, a história não teve o mesmo impacto.
Comparativamente ao livro, há algumas diferenças e a principal é o foco. No seriado o Minotauro era o principal personagem no desenrolar da história, e no livro o destaque maior é a Grécia, em uma viagem de descobertas e curiosidades.
Os picapaus (designação que o Lobato dava para a turma do Sítio) embarcam no Beija-Flor das Ondas (o navio confiscado e reformado do Capitão Gancho) para resgatar Tia Nastácia, que fora raptada na festa de casamento do Príncipe Codadade com Branca de Neve, quando houve a invasão de monstros das fábulas em episódio descrito no livro anterior (O Picapau Amarelo).
Quem gosta dessa obra certamente manifesta algum interesse na visão da Grécia antiga, porque a maior parte são aspectos históricos e mitológicos.
A parte específica sobre o Minotauro, para quem tem a imagem construída pelo seriado, desaponta um pouco. Além de rápida, não enfatiza a questão do terror. É bem assim: será que conto? nããããão! leia o livro.
Particularmente, gostei mais da parte histórica expressa no encontro com personagens famosos como Péricles, Fídias, Sócrates e Sófocles (respectivamente, destacados como estadista, escultor, filósofo e dramaturgo). Esse desenrolar tem o protagonismo de Dona Benta, que dá show em curiosidades para o leitor.
Há algumas questões interessantes que também vão aparecendo, evidenciando a cultura grega ter influenciado o desenvolvimento da modernidade. 
Olha que sensacional! Em certo momento de diálogo com Péricles (famoso pela liderança e oratória) o estadista fala de liberdade e esta ser uma das coisas de maior valorização entre os gregos. A sagaz velhinha observa então que o conceito de liberdade expressa na vontade do povo muitas vezes resulta da capacidade de manipulação de seus líderes. O que seria sua vontade, pode ser a consequência daquilo a que está sugestionada, reproduzindo, no final das contas, o interesse dos líderes (dito isso para o convincente orador Péricles e coincidentemente publicado no ano em que certos líderes insuflaram o povo para a famigerada segunda guerra).
A carismática vó embala o conceito de liberdade, chamando também a atenção para o sistema de escravidão que existia entre os gregos, desmistificando o que eles atribuíam como sociedade perfeita. Havia escravidão em paralelo a nobres ideais.
E por aí vão os encontros, com direito a momentos um tanto hilários, na admiração dos antigos pelos milagres de nossa modernidade, como uma simples caixa de fósforos (quando existia uma lenda hiper dramática de como o fogo chegou aos homens).
Há reflexões sobre a profundidade do conhecimento, sobre a valorização das artes, sobre o progresso aflorar em aspectos miraculosos e em paralelo, às vezes, ocorrer a degeneração de certas coisas (o uso).
Enfim, gostei e me diverti bastante com esse momento. Ah, e tem certas curiosidades desconhecidas. Por exemplo, não sabia que Péricles tinha uma anomalia na cabeça, que fazia com que fosse alongada e por isso suas reproduções (pintura e escultura) o mostravam sempre com um elmo. Pesquisa aí no Google Imagens se duvidar.
A parte da mitologia é protagonizada pelo Pedrinho em interação aventureira. O destaque vai para história sobre Hércules, mas Lobato dá só um gostinho, pois as façanhas são abordadas em outra obra. Não gostei muito do momento e preferia que o protagonismo fosse encabeçado pela Emília em suas mirabolantes curiosidades e posicionamentos. Seria mais legal!
Estranhei o Lobato não ter dado destaque para Visconde, que quase não gastou seu conhecimento. Ficou na sombra de Dona Benta. Melhor assim, porque a velhinha é mais sagaz, discutindo situações, e o Visconde manobrável demais. Pergunta para a Emília se não...
Olha o que Lobato trazia em reflexão para as crianças!