Texto do Jornal "O Liberal" (assinado por Izael Marinho em 13/03/1997) sobre o Bairro São Lázaro. Conta um pouco de suas origens como invasão e os problemas enfrentados na época. Reportagem que dá para fazer um paralelo com a atual situação e constatar o que mudou ou ainda precisa melhorar. Todas as informações referem-se a data descrita.
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Foto: Gilmar Nascimento |
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São Lázaro dribla o passado e cresce
COM ORIGENS NAS INVASÕES PRÓXIMAS À ANTIGA LIXEIRA,
O BAIRRO TEM O PRIVILÉGIO DE SER PERTO DE TUDO.
A exemplo da maioria dos bairros da cidade, o São Lázaro - encravado entre o Pacoval e o Jardim Felicidade - surgiu de um aglomerado de barracos de invasão, em meados de 1977, às proximidades da Lixeira Pública instalada no Km 0 da BR-156, no lugar onde hoje se localiza a Escola Ruth Bezerra.
Os primeiros moradores chegaram ali oriundos da região do Pacuí e foram construíndo suas casas ao redor do "lixão". Época de inflação mais amena, o lixo doméstico era "rico", lembram os ex-carapirás. "Dava pra gente juntar umas coisinhas. Hoje, só vem porcaria nesse lixo", lembra, orgulhosa, a ex-catadora de lixo Rosimar Ferreira (67 anos), a "Dona Rosinha".
Com a vista lhe pregando peças, Dona Rosinha admite que a uns 15 anos não junta mais lixo e nem sabe para onde mudaram a lixeira que servia de cartão de visita para seu bairro. Mas confessa que tudo o que tem hoje - exagero à parte - é fruto do trabalho árduo, de sol a sol, no lixão.
"Daqui eu tirei dinheiro para educar os filhos, melhorar minha casinha...", recorda, apontando para a área em frente a um posto de gasolina do bairro, bem na chamada "curva da Codeasa", onde outrora ficava o centro da lixeira.
O nome "São Lázaro" foi uma deferência especial da Igreja Católica, que implantou ali uma capela - aliás, chegou antes da maioria dos moradores - para cuidar da vida espiritual daquela gente. Os religiosos, preocupados com a falta de condições de vida dos habitantes, buscaram um "santo" padroeiro que tivesse algo a ver com a situação desumana em que viviam aquelas pessoas - pobres, na mais absoluta miséria.
O escolhido foi São Lázaro, aquele que é conhecido por aparecer cheio de chagas (feridas) sendo lambido por cães, num quadro de comover o coração de qualquer mortal comum. "É o santo que muitos acreditam ser o padroeiro dos mendigos, dos pobres", arrisca a doméstica Nara de Jesus Picanço (19 anos). "Dizem que São Lázaro é o protetor dos cachorros", arremata.
Ninguém confirma o porquê do nome. Coincidências à parte, o bairro - que antes se chamava "Lixeira" ou Vila Nova do Pacoval, possuía uma das maiores populações de cães - talvez por causa da lixeira a céu aberto - e de pessoas carentes.
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Foto: Gilmar Nascimento
As palafitas, na área de invasão dentro do São Lázaro, estão erguidas sobre lama e lixo: convivência perigosa para a saúde do morador.
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OS PICHADORES AINDA RESISTEM
O que no início não passava de um amontoado de barracos mereceu a atenção do poder público, já que era a porta de entrada da cidade, e ganhou urbanização: ruas asfaltadas, terrenos loteados e documentados, aterramento das áreas baixas, água, luz e rede telefônica.
Por causa de suas fronteiras naturais o São Lázaro não pode expandir horizontalmente. os cinco mil moradores (1997) habitam na faixa de terra que acompanha a BR-156 e que vai desde o ex-Bueiro do Pacoval (hoje, Canal do Jandiá) até o prédio da Polícia Técnica, na margem esquerda da rodovia. O bairro é cercado, ainda, pela própria estrada e pela ressaca do Pacoval.
A violência urbana é o maior problema que os moradoresdo do São Lázaro enfrentam. Apesar da presença ostensiva da Polícia - há um quartel da PM, uma Delegacia de Polícia e um quartel dos Bombeiros, no bairro -, os grupos organizados de rua (gangues, na linguagem popular) não se intimidam. Os atos de vandalismo continuam. Prédios públicos e particulares, casas comerciais e residenciais, nada nem ninguém escapa à ação dos pichadores.
Pelos menos quatro grupos importantes de pichadores já foram identificados pelas autoridades. Órgãos como a Coordenadoria da Juventude, do Governo do Estado (GEA), tentam dialogar com esses rapazes através de projetos de ressocialização.
"Ainda é cedo para chegarmos a um diagnóstico preciso sobre o assunto, mas temos esperança de que esses jovens reencontrem o caminho certo e fujam da criminalidade", comenta o empresário Álvaro Albuquerque, 42 anos, que diz ter perdido a conta de quantas vezes teve de mandar pintar as paredes de seusestabelecimento comercial que, vez por outra, aparecia pichado com palavrões e desenhos que ninguém entendia.
"Alguns grupos desses são meio pacíficos. Se limitam a sujar as paredes das lojas. Outros, não. Partem para a violência aberta. Brigam na rua, espancam as pessoas, assaltam e até matam", denuncia o comerciante.
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Foto: Gilmar Nascimento / Descontração dos garotos nas ruas de piçarra do São Lázaro.
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Histórias de violência pontuam cotidiano
Não parece, mas o São Lázaro já foi um dos bairros mais violentos da cidade. Foi lá, inclusive, que a Polícia "estourou" uma fábrica de armas caseiras nos fundos de uma oficina de lanternagem.
Morava lá, também, um dos elementos mais temidos pela população da cidade, um certo "Macaxeira", ao qual - à primeira vista - não se imputava grande periculosidade, mas que era capaz de muitas barbaridades, segundo o folclore da região.
Há um ano uma estudante foi morta pelo namorado em frente à Escola Ruth Bezerra, na presença das colegas de aula. O crime chocou a opinião pública e revoltou a população.
Durante muito tempo as gangues do bairro abasteceram as concorrentes, dos outros bairros, com suas armas caseiras: estoque, espingardas de cano serrado, revólveres, etc. Tudo fabricado numa oficina de lanternagem que servia de fachada para ocultar as práticas criminosas dos marginais. As armas iam servir para combater os próprios vendedores.
"Hoje, com a facilidade na aquisição de armas sofisticadas a preço baixo, a fabricação de armas caseiras se tornou desinteressante", observa um morador, para explicar o desaparecimento desse tipo de armamento das mãos dos delinquentes.
As tradicionais espingardas de chumbinho (cano serrado), que amendrotavam até a polícia, agora foram substituídas pelas pistolas automáticas. A "7.65" é a preferida das guangues. O revólver "38" também é bastante comum entre os jovens criminosos.
O temível Macaxeira, que agora está regenerado, fez escola. Dezenas de adolescentes se arvoram de líderes de gangues e em nome do domínio de seus territórios promovem crimes diversos. Até moças - com idade entre 14 e 18 anos - são encontradas nas gangues.
O consumo de drogas, principalmente maconha, e a promoção de vandalismo (quebra-quebra, pichações, badernas) são os dois atos preferidos dos membros de gangues.
Para tentar ressocializar esses grupos de jovens delinquentes, a diretora da Escola Ruth Bezerra, Valda Brasil, está elaborando projetos que envolvam os adolescentes e a comunidade na prática cultural, esportiva e artística.
"Vamos usar o espaço físico da escola e também outros pontos do bairro para promover a sociabilidade dessas pessoas", diz a professora.
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Foto: Gilmar Nascimento
Com a urbanização do bairro, a energia elétrica chegou aos barracos.
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INVASÃO
Mesmo sem ter para onde crescer - já que é cercado de áreas baixas e outros bairros por todos os lados -, o São Lázaro também possui sua própria área de invasão, que agora tomou ares de novo bairro: São Jorge.
O São Jorge é uma espécie de bairro dentro do São Lázaro. A maioria das casas está instalada sobre um enorme lago (ressaca), obrigando os moradores a habitarem barracos do tipo palafita a fim de evitarem as enchentes.
Janeiro a março é o período infernal para quem mora no São Jorge. É que nessa época do ano o lago ganha um enorme volume de água - devido às chuvas - e muitos moradores têm suas casas invadidas. O Governo diz que o caso só se resolverá com as obras de drenagem que estão sendo feitas no Canal do Jandiá.
Enquanto a solução não vem, pessoas como a professora Dolores Gonçalves (30 anos), vão se virando como podem para evitar o pior. "Desde o ano passado nós já reforçamos a estrutura da casa duas vezes", conta, mostrando os esteios da antiga casa que ficaram enterrados na lama, e o quintal tomado de vegetação típica do alagado.
"Eles disseram que iam nos tranferir para uma área firme. Parece que era para o Infraero, mas acabaram não cumprindo a promessa", reclama a professora, com uma ponta de incredulidade no coração, referindo-se aos projetos governamentais de urbanização da área.
Da mesma opinião comunga o biscateiro Manoel Antonio Lima da Silva (29 anos), que reside no São Jorge há três anos. "Eu acho que isso aqui não vai mudar nunca. Esses políticos não têm interesse em melhorar nada. Também, aqui não tem muitos votos", frisa , desolado.
"Seu" Manoel diz que, apesar disso tudo, já se acostumou com a vizinhança, e não concorda com a opinião de quem diz que a região é violenta. "Violência tem em qualquer lugar. Eu conheço bairros mais perigosos do que este e o povo vive bem", defende.
Tal qual o São Lázaro, o bairro São Jorge é um dos mais bem localizados da cidade. Distante 10 minutos de carro do centro da cidade, a região é servida de quase 15 linhas de ônibus.
Boa Parte dos órgãos públicos ligados ao setor primário (agricultura) estão ali instalados. Isso tudo faz dos dois bairros bons locais para fixar residência. Talves por isso algumas famílias de classe média tenham optado pela construção de suas casas por aquelas bandas.
Fonte: Jornal "O Liberal" (por Izael Marinho em 13/03/1997)
O texto foi pesquisado e faz parte parte do acervo da Biblioteca Pública da Prefeitura de Macapá, localizada no centro da cidade. Uma grande fonte de consultas sobre a história deste Estado. Venha conhecer!!!!!