As postagens desse blog são em caráter informal, de apego ao saber popular, com seu entusiasmo, exageros, ingenuidade, acertos e erros.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

O Amapá d'Outrora (Elfredo Távora Gonsalves, 2015)

"A história dos primeiros anos de Amapá Território ainda não foi contada ou escrita completamente. Obviamente não poderia fazê-lo a contento, porque não sou historiador. Todavia, propus-me a citar os fatos vividos por mim nestes longos anos de vida no Território (maio de 1943 a 2012). A maioria são impressões que mais ficaram na memória; os demais, alguns problemas ligados às imensas riquezas do Amapá, ainda não explorados devidamente e, além disso, um esclarecimento sobre a verdade do contrato do manganês. Procuro alinhar algumas das muitas riquezas que o Amapá possui e que o público sabe que existem, mas não tem consciência de seu valor intrínseco. O cidadão comum precisa inteirar-se das suas potencialidades, para que se possa pressionar os seus representantes a lutar por medidas necessárias à exploração racional desse patrimônio que, a meu ver, continua esquecido ou ignorado." ELFREDO TÁVORA GONSALVES
Informações gerais:
Título: O Amapá d'Outrora
Autor: Elfredo Távora Gonsalves
Editora: Tarso
Ano: 2015
Páginas: 176
Tema: Memórias, História do Amapá, ICOMI

Registro no Skoob: 
Excepcional livro de Elfredo Távora, jornalista e pioneiro no Território Federal do Amapá, publicado em 2015, ano de seu falecimento. Um relato de amor a terra, valorizando a história (interessante em sua percepção como pioneiro), riquezas e, principalmente, reflexões em conceitos que se estabeleceram sobre o desenvolvimento amapaense.
O primeiro momento é de ênfase às riquezas, se estendendo em diferentes recursos naturais. Potencialidades correlacionadas à ocupação e exploração da terra, em história revisitada desde os tempos coloniais.
A descrição é didática e prática, abordando a importância científica e o contexto de exploração no Amapá.
O autor tem visão muito interessante. Bauxita, cassiterita, ouro, ferro, caulim (você sabe onde é explorado e quem lucra com isso?), produtos madeireiros, entre outros aspectos, são apresentados com direcionamento ao Amapá. Dessa forma, a leitura gera conclusões que desmistificam muitos conceitos (como a visão recorrente sobre a ICOMI), reveladoras também sobre figuras históricas (como Janary Nunes e sua disposição facilitadora à ações contratuais que acabaram sendo prejudiciais ao Amapá).
O paralelo entre o desenvolvimento do Amapá e ação da ICOMI é o aspecto mais interessante do livro. Elfredo Távora chama atenção para importante discussão, onde quem ganha é o povo amapaense, desmistificando visão de que a empresa foi extremamente benevolente e responsável pelo desenvolvimento do estado.
Existe a visão emotiva, nostálgica de quem fez parte, vivenciou e assim de alguma maneira foi beneficiado pelo empreendimento (rotineiramente prestigio algo nesse sentido). Mas tem também a visão de análise da representatividade da empresa para o estado, para o povo amapaense, analisando-se de forma prática essa relação. É a esse segundo aspecto que Elfredo chama a atenção no livro.
Além da percepção como pioneiro desde 1943, ter trabalhado no Território, desenvolvido história jornalística, vivenciando ou conhecendo muitas personagens e fatos, o autor privilegiou também duas fontes de consultas: Quem explorou quem no contrato de manganês (Álvaro da Cunha, 1962) e O Amapá nos tempos do manganês (Drummond e Mariângela, 2007).
Em linhas gerais, o autor reacende a discussão fomentada por Álvaro da Cunha já nos primórdios da ICOMI no Amapá, sobre o acordo que beneficiava mais a empresa do que o Território. Entre outras coisas, esse contrato foi feito em sigilo e pressa, com ditames que na prática geraram isenção de muitos impostos, permitiram ação fechada da empresa sem intervenções governamentais, onde se beneficiou do governo para seus interesses, não apresentando relatórios de balanços financeiros. O autor chama as vilas de guetos sociais, onde a realidade fora desse contexto gerou bolsões de pobreza na periferia, devido a idealização de um Eldorado. A estrutura das vilas, super destacadas da realidade amapaense, foram sobretudo uma iniciativa privada para atender os interesses de produtividade, não uma benevolência. Na prática, além de gueto social, como se referiu o autor, também pareciam sociedade distópica por conta do monitoramento e controle acirrados em vários sentidos.
Essas considerações, não enfatizadas no livro de Drummond e Mariângela, são as principais questões do autor em contraposição. O desenvolvimento amapaense está relacionado à suas potencialidades, onde a ICOMI teve facilitações para explorar, gerando muita injustiça no que se estabeleceu comercialmente para o Amapá e, no imaginário, se tornou uma empresa benevolente que teria sido responsável pelo desenvolvimento. Elfredo enfatiza esses aspectos, que não podem se ausentar ou dissociar no estudo sobre a ICOMI.
As questões são trabalhadas com muita propriedade e a leitura é imprescindível para estudiosos da história amapaense.
No final, tece algumas considerações sobre a Amazônia, destacando outras manobras externas que também espoliaram riquezas (como o roubo das sementes da seringueira no século XIX por inglês, que acabou com o áureo ciclo da borracha).
O único aspecto que não achei interessante, foi a breve consideração sobre o coronelismo. Espoliaram e usufruíram da terra também, com ditames arbitrários em interesses individualistas, como José Júlio de Andrade na Jari. 
Leitura envolvente e instigante.

Em Macapá, o livro pode ser consultado na Biblioteca Pública Elcy Lacerda (Sala da Literatura Amapaense) e Biblioteca SEMA-AP. 

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

BRUMASA, Avanço Industrial da Amazônia (ICOMI)

"Em 1968, foi instalada em Santana a empresa Bruynzeel Madeira S.A. - BRUMASA. Tal empreendimento, originado de um acordo entre a ICOMI e um grupo de empresários holandeses, teve como atividade principal a fabricação de compensados a partir dos recursos florestais locais, como também a exploração da virola (Virola surinamensis). Com esses investimentos, em 1970 o setor extrativismo vegetal correspondeu a 32,4% do valor de produção da economia amapaense.
A BRUMASA foi a segunda empresa, depois da ICOMI, a ter uma participação fundamental no comércio exterior do Amapá no período de 1973 a 1982, chegando a posicionar-se como a 11ª empresa de laminados no ranking nacional, em 1977. Foi desativada em 1988 devido ao esgotamento da virola no Amapá e suas instalações foram integradas às da fábrica de cavacos da Amapá Celulose S.A. (AMCEL)."
Texto de Jadson Luís Rebelo Porto, extraído do livro Amapá: Principais Transformações Econômicas e Institucionais (1943-2000).

A obra a seguir foi publicada pela ICOMI. A data não foi identificada, mas remete à época de instalação da BRUMASA, constituindo-se, em termos gerais, em breve apresentação.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Coleção Sítio do Picapau Amarelo - Monteiro Lobato 6

Fábulas (1922)
O livro é de 1922, entre os primeiros sobre o Sítio. Vemos histórias que seriam retocadas e republicadas em obras como "Reinações de Narizinho" e "Viagem ao Céu".
Em linhas gerais, o jeito lobatiano de adaptar um contexto (como história, literatura ou ciência) valorizando aspectos da cultura local e, o que é interessante, de forma provocativa aos jovens leitores.
A atenção foi para as fábulas, contadas por Dona Benta em gostosas narrativas de vó para a turminha. São cerca de setenta, sendo a maioria de La Fontaine e Esopo, mas tem também do folclore e da cachola de Dona Benta. A turminha se expressa no que entendeu, concordou (ou não), manifestando seu agrado ou desagrado e estendendo a aprendizagens em exemplos observados no convívio de sua realidade. 

Claro que tem também a torneirinha de asneiras da Emília e, aqui e acolá, pitacos científicos do Visconde, percepções ingênuas da Tia Nastácia, o romantismo aventureiro e sonhador de Pedrinho e Narizinho e, através da Dona Benta, paralelos entre antiguidade e modernidade, que o autor estende para a percepção da linguagem e cultura.
Ah, mas sem dúvidas um dos aspectos mais legais fica mesmo por conta dos pitacos da Emília, às vezes, refinada esperteza. Principalmente quando propõe finais diferentes, como o desenlace que deu para "O Lobo e o Cordeiro". Falando nessa, Lobato afirmou que entre todas é a fábula mais conhecida. Para mim, seriam a da "Cigarra e a formiga", "A raposa e as uvas" e "A assembleia dos ratos". 

Talvez essas fábulas não fossem tão conhecidas pela garotada, ainda mais por algumas apresentarem contexto originalmente violento (apesar da época não fazer distinções como hoje). Redobra-se o valor do autor, que reconta para a garotada e a turminha não se limita a dizer se gostou ou não. Dá também os porquês.
As fábulas em boa parte retratam cenário de opressão do forte sobre o fraco, onde a esperteza (ou sabedoria ou informação) é a maneira de se livrar disso.
A que mais gosto é a do "Velho, o menino e a mulinha". Uma graça, cheia de ironia com o relativismo e indefinições de posicionamento na vida. "A morte e o lenhador" também é paidégua ! Gosto também de "O cão e o lobo" e de... Ah, de várias!

É, mas as de maior impacto no livro são as que exacerbam a injustiça, tipo "O Lobo e o Cordeiro", "O julgamento da ovelha" e "Liga das nações". Essa e outras vão em um contexto de retrato político, que Lobato faz a turminha se deparar, refletir e se manifestar.

Curiosidades banais a parte: faltou aquela fábula do gato que ensinou a onça a saltar menos "o pulo do gato" (que foi lembrada pela Emília), O Elias turco é mencionado como pai de uma menina (não recordo se isso foi explorado em outros livros ou seriado) e "Os animais e a peste" (a fábula de onde veio o Burro Falante - o Conselheiro).
Belo livro! No final podemos comprovar mais um ponto: algo já feito não esgota a possibilidade de explorações diferentes e legais.

Valeu, Lobato!


História do mundo para crianças (1933)
Belíssima obra! Extraordinária pelas informações e detalhamentos em um passeio curioso  pela história da humanidade, contada em serões de Dona Benta com a turminha. O autor fala de civilizações, personagens significativas na história, arte, ciência, política, modernidade, filosofia, religião e outros aspectos. Aquela dinâmica conhecida se repete, da turminha interagir com as informações em opinião, reflexão e paralelos na visão da atualidade.
Foi publicada em 1933, mas certamente foi retocada pelo autor, que descreve fatos ocorridos na década seguinte, como a Segunda Guerra Mundial e a explosão da bomba atômica em Hiroshima.
Tem tanta coisa interessante, no sentido de fomentar discussões, que teria despertado incômodo ao Estado Novo e igreja. Dona Benta fala contra opressão do povo, Lobato em certo momento dá a entender ser simpatizante do antigo regime monárquico e a turminha discute sobre pontos relacionados à religiosidade, como as Cruzadas, a Inquisição, a ruptura no Cristianismo, massacres entre católicos e protestantes, além da valorização das teorias evolucionistas de Darwin.
A valorização é para a História como é contada nos livros didáticos e afins. Importante ressaltar, pois a história muitas vezes é mutável com novas aprendizagens, e algumas coisas se estabeleceram estrategicamente por induções e manobras interesseiras. O princípio valorizado parte da total aceitação dos fatos outrora registrados, desdobrando-os para reflexões.
Outra coisa importante é que o autor novamente trouxe para a perspectiva dos picapaus algo já estabelecido no contexto de época. É o caso do livro Child's History of the World (História do mundo para crianças), publicado em 1924 pelo professor americano V. M. Hillyer, que rapidamente se tornou importante obra da literatura infantil. Lobato não omite e cita o livro no início - quando Dona Benta o recebeu pelo correio, ficou instigada e resolveu dividir esse saber com a garotada. Ah, mas garanto que tem muito marmanjo que vai se surpreender também com essa valorosa publicação.
Claro que tem o toque pessoal no olhar abrasileirado e, partindo ou não do autor, gostei dos sutis momentos de valorização a saberes em sua etimologia ou correlação com momento histórico. Como a origem de palavras como estoicismo, quando falou da Grécia antiga, ou protestante, no contexto que gerou essa denominação para os reformadores na igreja.
A parte do Darwinismo (que não creio) é o pontapé inicial das histórias de Dona Benta e daí vamos avançando em diversos momentos da história da humanidade. Egito, Grécia, Israel, Mesopotâmia, Roma, Idade Média, Navegações, e só estou citando alguns.
Outra coisa que despertou atenção. Em resenhas anteriores lamentei a ausência e viajei em como seriam incursões de Lobato pela literatura bíblica. E não é que esse livro tem! Específicas em pelo menos dois capítulos (sobre a história dos Judeus conforme o Antigo Testamento e sobre Jesus nos Evangelhos). Provavelmente Lobato apenas reproduziu a obra de Hillyer, mas são suas as impressões na turminha, principalmente na reflexão sobre a história da cristandade. Senti o autor desiludido por conta do comportamento humano, sendo esse aspecto o que o direcionou em sua visão sobre Deus. Oh! Olhemos para Jesus, se quisermos realmente encontrar Deus. Olhemos para Jesus e sua mensagem, porque o testemunho dos homens muitas vezes só tende a incentivar cegueira e desânimos por conta de ações contrárias a fé professada.
Os relatos bíblicos estão um tanto borocoxôs. O autor descreve contentando-se e dando atenção só para o elemento humano. A presença de Deus em suas ações não é valorizada. Só uma vez aparece a palavra Senhor. Bem se vê percepções e conclusões marcantes a partir da centralização do homem como norteador de vida. Olhemos para Jesus Cristo!
Falando em reações, os picapaus demonstram revoltas com as injustiças e empolgam-se com descobertas e aprendizagens, mas passei a ter outra imagem sobre Narizinho. Emília, Pedrinho e Visconde parecem ver as coisas no que gostariam de vivenciar (pelo prazer da aventura, vontade de corrigir algo devido visão incômoda, desejo de testemunhar algo, tudo num plano com egocentrismo, sem ser ruim). Mas com Narizinho a coisa é diferente. A menina parece demonstrar percepção mais humanista, de ver as coisas num plano onde se insere e sofre com a injustiça por ter um olhar mais abrangente, de valorização do outro e não essencialmente de sua vontade. O livro sugestiona isso. Será que estou conseguindo explicar o que sinto... Vale a tentativa. Em vários momentos a menina tem quase um desmaio de revolta, passa mal e Dona Benta tem que interromper a história para seu restabelecimento diante do impacto que sofrera. Aconteceu com as narrativas sobre o Nero em suas perversidades, na descoberta da mitologia dos Fenícios (sobre o deus Moloque e Asterate, que recebiam sacrifícios de crianças, citados também na Bíblia), a escravidão, Joana D'Arc e outros momentos. É dela que partem sempre as observações mais interessantes ao lado de Dona Benta.
Na parte da escravidão Lobato manifesta seu repúdio, referenciando como um cancro na história humana.
Vou deixar em registro também o capítulo "A era dos milagres", apenas por ter a primeira parte rotineiramente reproduzida em livros escolares, pelo menos no meu tempo de estudante.
O Lobato era adepto do comunismo? Não sei, mas tem capítulo em que parece criar uma expectativa com a Revolução Russa. O texto fala de dar tempo para ver resultados, se positivos ou não (Ora! Comunismo só oprimiu, roubou, torturou e matou, em todas as experiências mundo afora).
Enfim, uma viagem sensacional.  

sábado, 6 de janeiro de 2018

Incoerência Humana - Naufrágio do Novo Amapá (Francisco Hermes Colares, 2002)

"Desculpe-me, leitor amigo
o que agora vou relatar
é um fato muito chocante
que eu preferia não lembrar
mas decidi descrever
para melhor registrar.

O ano de oitenta passou
e dele ficamos a reclamar
oitenta e um entrou alegre
somente para nos enganar
e em apenas seis dias
nos fazer a todos chorar."
(Versos iniciais do cordel)


Título: Incoerência Humana - Naufrágio do Novo Amapá
Autor: Francisco Hermes Colares
Editora: Gráfica Amapaense
Páginas: 36
Ano: 2002
Gênero: Literatura de Cordel

Histórico cordel publicado em 2002, para leitura e reflexão do valor da vida acima de qualquer interesse. Cada verso exprime tristeza dilacerante, escritos por Francisco Hermes Colares, que acompanhou de perto o desenrolar dos fatos, apresentando exatidão e emotividade na narrativa.
Vemos as expectativas dos viajantes, a superlotação com descaso das autoridades competentes, o drama daquela fatídica noite em 06 de janeiro de 1981, o sofrimento e morte das infelizes almas, as expectativas de notícias no porto de Santana, a mobilização de resgate, o funesto enterro na cova coletiva no cemitério santanense, as homenagens e a dor de todos pela maior tragédia ocorrida nos rios amapaenses.
Para quem não conhece a história, o Novo Amapá naufragou por conta de excesso de passageiros e cargas, quando viajava de Santana (AP) para a Vila de Monte Dourado (PA) através do rio Jari. Mais de 300 pessoas morreram na embarcação preparada para receber cerca de 150 passageiros. Estima-se que estavam a bordo mais de 600 pessoas...
Era uma tragédia anunciada. Viajei nesse barco pouco antes do desastre. Na ocasião, estava superlotado, com o casco quase todo afundado, tendo pavimento de passageiros rente ao nível da água (e ainda lembro de carros na parte de cima da embarcação). Prenúncios de uma tragédia! Que se confirmou pouco depois, marcando para sempre a história da navegação da Amazônia e deixando famílias enlutadas e com uma dor sem medidas em várias cidades. Testemunhei choro e comoção em Monte Dourado, onde me encontrava na ocasião. Muitos, em um mecanismo de defesa, até negavam, diante de informações imprecisas.
O fato foi também decisivo para o fim do Projeto Jari na direção do magnata americano Daniel Ludwig (que passava por insucessos em projetos e enfrentando propagandas negativas encabeçadas pelo governo militar). A maioria dos passageiros era de trabalhadores da Jari.
Uma curiosidade funesta para o ano de 1981 é que em 19/08 naufragou também o Sobral Santos, que fazia linha entre Santarém e Manaus, com um número de vítimas semelhante a tragédia do Novo Amapá.

A obra pode ser consultada 
na Biblioteca Ambiental da SEMA em Macapá.

Veja também: 
- Morte nas águas: A Tragédia do Cajari (1981 - Livro) 
- Novo Amapá: A maior tragédia fluvial da Amazônia

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Coleção Sítio do Picapau Amarelo - Monteiro Lobato 5

O Picapau Amarelo (1939)
Sabe aquele filme do Shrek, em que personagens das fábulas invadem o pântano a convite do Burro? É o que acontece neste livro do Lobato, quando o Polegar leva essa turma para morar no Sítio. Ah, pelo menos pediu autorização para Dona Benta. Oba! Aleatoriamente acabei acertando algo! O livro se passa depois do Poço do Visconde, minha última leitura, quando enricaram com o petróleo e aproveitaram para comprar terras nas cercanias do Sítio. Esse foi o primeiro destaque, que teve a sagacidade da Emília para comprar a terra dos vizinhos. Depois vemos uma série de aventuras na interação dos picapaus com personagens das fábulas (curiosas, inusitadas e divertidas). Ah, e tem também personagens da mitologia grega e literatura universal. Gostei e cito: as maluquices do Dom Quixote (que via ações do famigerado mago Fresnom supostamente transfigurado em criaturas como o pobre do Quindim); a narrativa de Belerofonte sobre o embate com a Quimera; a turma do Sítio enfrentando os terríveis piratas liderados pelo Capitão Gancho; e a gulodice do Sancho Pança (pau a pau com a do Rabicó). Lobato novamente valorizou as fábulas e mitologia em apresentação para tenros leitores, naquela dinâmica de conhecer e brincar com as descobertas. Para o autor não basta expor, é interessante também uma brincadeira interativa.   
Tem coisa que não curti e vou registrar. No início da obra há uma abordagem sobre mitos e ficção onde o autor subentende o ateísmo. É só uma observação de minha parte, que me ajuda a pontuar o que conheço sobre o autor. Referenciando algo mais do livro:
- Capitão Gancho perde o famigerado Hiena do Mares para a turminha, que o reforma como o Beija-Flor das Ondas
- Tia Nastácia apaixonada... Ah, não se explicou pelo que ou por quem, evidenciando-se a paixão como um sentimento de êxtase. O fato resultou de artimanha da Emília com flechas do Cupido.
- O casamento de Branca de Neve com o Príncipe Codadade e uma nova visitação de crianças no Sítio, ávidas por conhecer os picapaus.

Termina com um mistério, o desaparecimento de Tia Nastácia, assunto para o próximo livro: O Minotauro.  
Essa é a essência da obra, passando a percepção de descobertas com interação curiosa e divertida no mundo da leitura.

O Minotauro (1939)
Conheci essa obra através do antológico Sítio do Picapau Amarelo versão anos 70. A percepção era de uma história de terror, assustadora para a garotada em cada aparição do monstro que, mesmo com uma figura super tosca, dava medo por conta do suspense potencializado nas perseguições no famoso labirinto, imagens obscuras e trilha sonora cabulosa. Curioso que na versão do segundo milênio, que também acompanhei, a história não teve o mesmo impacto.
Comparativamente ao livro, há algumas diferenças e a principal é o foco. No seriado o Minotauro era o principal personagem no desenrolar da história, e no livro o destaque maior é a Grécia, em uma viagem de descobertas e curiosidades.
Os picapaus (designação que o Lobato dava para a turma do Sítio) embarcam no Beija-Flor das Ondas (o navio confiscado e reformado do Capitão Gancho) para resgatar Tia Nastácia, que fora raptada na festa de casamento do Príncipe Codadade com Branca de Neve, quando houve a invasão de monstros das fábulas em episódio descrito no livro anterior (O Picapau Amarelo).
Quem gosta dessa obra certamente manifesta algum interesse na visão da Grécia antiga, porque a maior parte são aspectos históricos e mitológicos.
A parte específica sobre o Minotauro, para quem tem a imagem construída pelo seriado, desaponta um pouco. Além de rápida, não enfatiza a questão do terror. É bem assim: será que conto? nããããão! leia o livro.
Particularmente, gostei mais da parte histórica expressa no encontro com personagens famosos como Péricles, Fídias, Sócrates e Sófocles (respectivamente, destacados como estadista, escultor, filósofo e dramaturgo). Esse desenrolar tem o protagonismo de Dona Benta, que dá show em curiosidades para o leitor.
Há algumas questões interessantes que também vão aparecendo, evidenciando a cultura grega ter influenciado o desenvolvimento da modernidade. 
Olha que sensacional! Em certo momento de diálogo com Péricles (famoso pela liderança e oratória) o estadista fala de liberdade e esta ser uma das coisas de maior valorização entre os gregos. A sagaz velhinha observa então que o conceito de liberdade expressa na vontade do povo muitas vezes resulta da capacidade de manipulação de seus líderes. O que seria sua vontade, pode ser a consequência daquilo a que está sugestionada, reproduzindo, no final das contas, o interesse dos líderes (dito isso para o convincente orador Péricles e coincidentemente publicado no ano em que certos líderes insuflaram o povo para a famigerada segunda guerra).
A carismática vó embala o conceito de liberdade, chamando também a atenção para o sistema de escravidão que existia entre os gregos, desmistificando o que eles atribuíam como sociedade perfeita. Havia escravidão em paralelo a nobres ideais.
E por aí vão os encontros, com direito a momentos um tanto hilários, na admiração dos antigos pelos milagres de nossa modernidade, como uma simples caixa de fósforos (quando existia uma lenda hiper dramática de como o fogo chegou aos homens).
Há reflexões sobre a profundidade do conhecimento, sobre a valorização das artes, sobre o progresso aflorar em aspectos miraculosos e em paralelo, às vezes, ocorrer a degeneração de certas coisas (o uso).
Enfim, gostei e me diverti bastante com esse momento. Ah, e tem certas curiosidades desconhecidas. Por exemplo, não sabia que Péricles tinha uma anomalia na cabeça, que fazia com que fosse alongada e por isso suas reproduções (pintura e escultura) o mostravam sempre com um elmo. Pesquisa aí no Google Imagens se duvidar.
A parte da mitologia é protagonizada pelo Pedrinho em interação aventureira. O destaque vai para história sobre Hércules, mas Lobato dá só um gostinho, pois as façanhas são abordadas em outra obra. Não gostei muito do momento e preferia que o protagonismo fosse encabeçado pela Emília em suas mirabolantes curiosidades e posicionamentos. Seria mais legal!
Estranhei o Lobato não ter dado destaque para Visconde, que quase não gastou seu conhecimento. Ficou na sombra de Dona Benta. Melhor assim, porque a velhinha é mais sagaz, discutindo situações, e o Visconde manobrável demais. Pergunta para a Emília se não...
Olha o que Lobato trazia em reflexão para as crianças!

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Coleção Sítio do Picapau Amarelo - Monteiro Lobato 4

Peter Pan (1930) 
O desenrolar é subsequente ao Reinações de Narizinho, em um contexto em que o Gato Félix menciona o Peter Pan, instigando Dona Benta a contar suas aventuras para a turminha. Basicamente, é a clássica história com intervenções da turminha, entre um comentário irônico de Emília, admiração de Pedrinho e Narizinho, entendimento de algum aspecto com ajuda do Visconde e um choque cultural nas descobertas de Tia Nastácia.
Ao longo da coleção percebemos que os primeiros livros são os que apresentam mais aspectos criticados pelos comentários considerados racistas. Sendo esse um dos primeiros, há citações nesse sentido, ditas por Emília e até por Dona Benta. 
A modernidade faz com que os tons arcaicos do livro fiquem super explícitos, destoando como algo que não é legal. Tipo assim, vemos uma apresentação super bacana da Emília e de repente um comentário dela pra lá de mau gosto (coisas do contexto de época).
Enfim, passa a mensagem da infância como uma efêmera fase de encantos e descobertas, realçando nostalgia disso ao final.

Dom Quixote das Crianças (1936)
O livro é muito legal em uma bela apresentação do Quixote para a turminha. Dona Benta conta em resumo, apresentando o Cavaleiro da Triste Figura em suas mirabolantes aventuras. Foram citadas passagens como: a recuperação do famoso Elmo de Mambrino (a bacia do barbeiro), a intervenção do herói contra os exércitos que se enfrentavam no campo de batalha (rebanhos de ovelha), o governo de Sancho Pança (inusitadamente carismático e aclamado por sábias decisões) e o duelo com o Cavaleiro da Lua (artimanha dos parentes e amigos do Quixote para provocar o regresso ao lar). Textos que tem drama e humor peculiar entre razão e emoção.
Minha maior atenção foi para a percepção da turminha. Pedrinho e Narizinho acompanham a história com dó do herói, enquanto Emília vê algo inspirador que a mobiliza na valorização de seus sonhos, ainda que malucos. E ela fica maluca mesmo, mais que o normal, tendo que ser contida até recuperar o juízo (que aconteceu no choque de realidade expresso em um pequeno acidente, onde viu sua fragilidade ante os arroubos emotivos da empolgação em paralelo ao descuido). No final das contas, rendeu uma aprendizagem legal: a inspiração para viver sonhos, mas de maneira prudente.
Olha que interessante! A valorização dos sonhos fez com que Emília fosse a única a não querer saber do final da história, a morte do Quixote, pois dizia ser imortal. Isso é o que marcou o livro em minha leitura e que guardo em lembrança.
Outras curiosidades para o universo que tento entender do Sítio, é que o Visconde tem mais uma morte, logo no início, ao ser esmagado pelo livro que caiu da estante em cima dele. Justamente o Quixote, a quem a Emília queria conhecer e acidentalmente deixou cair no sabugo. Seria uma mensagem do Lobato? No mínimo, ainda que não planejada, é como se fosse a emoção suplantando a razão - pela representativade do livro e Visconde, desejo e descuido. Uma quixotada!
Ah, vou atrás desse Monteiro Lobato em quadrinhos... Sei que tem e acredito que continuará trazendo mais curtição na leitura. 

O poço do Visconde (1937)
Acredito que seja o livro mais politizado de Lobato na coleção do Sítio. O autor expressa seu projeto de desenvolvimento do país propondo a extração do petróleo.
A história desperta a consciência para esse patrimônio natural e tem cunho didático, onde se explica a origem e peculiaridades do produto, a forma de extração, os benefícios econômicos associados à exploração, a importância da industrialização e necessidade de melhorias na infraestrutura (portos, rodovias, ferrovias). Lobato não é um simples entusiasta ou sonhador e procurou racionalizar sua visão com informações científicas e do contexto da economia mundial, destacando o projeto como uma possibilidade viável e transformadora.
Percebemos a dimensão do livro quando vemos o momento em que foi publicado. As palavras e disposições entusiastas na história eram reais na luta pioneira de Lobato na extração de petróleo no Brasil. Porém, enquanto que no livro havia a adesão e investimento, na mobilização de Lobato surgiam muitos empecilhos para que levasse avante o projeto, sendo até preso no governo de Getúlio Vargas.
A visão de modernidade e industrialização proposta era algo que enfrentava resistência por parte do governo sujeito à influência submissa à outras nações. Prevaleciam velhos conceitos, ligados a um modo de produção secular, onde se destacava a política café com leite, pouco interessada na abertura de concorrências ou que descentralizasse o capital em múltiplos empreendimentos de desenvolvimento na infraestrutura.
Interessante que em paralelo ao nosso conservadorismo econômico, outras nações fortaleciam suas economias investindo nas indústrias e infraestrutura associada, não incentivando essas coisas em nosso governo.
A parte que mais gostei foi o capítulo IV (Petróleo! Petróleo!), o ápice da visão de Lobato sobre o projeto, em um texto empolgante de incentivo e adesão ao progresso proposto.
Em linhas gerais, é assim:  o Sítio idealiza o país, Pedrinho e Narizinho representam pequenos empresários lidando com velhos e calejados homens de negócio (se destacando em suas ações), Visconde é a ciência que apoia o progresso (apontando novos caminhos), Emília representa a sociedade que adere ao ideal proposto e Tia Nastácia prefigura o povo simples que é impactado e beneficiado pela economia forte.
Lobato ilustrou também o conservadorismo na disposição turrona de um fazendeiro chamado Chico Pirambóia (resistente à importância dos bancos, no que acabou se dando mal, devido velhos conceitos) e no compadre Teodorico (foi à falência aplicando o capital em projetos por conta própria, sem um aval científico, em outras palavras, caiu em conto do vigário).
Há locais em que se instalaram indústrias petrolíferas que fracassaram (a fazenda do Chico Pirambóia) e isso é tratado como uma possibilidade, mas que não é um quadro comum diante do potencial existente.
Outra coisa que achei interessante, na ideia do Sítio representar o país, é que a história dá um salto para a década de 1950, onde as projeções de Lobato se confirmavam. Vemos o antigo arraial de Tucano como uma cidade grande e desenvolvida, com os picapaus bem sucedidos como empresários.
A história encerra com discursos efusivos de algumas personagens, diante do sucesso. Visconde exalta a Ciência, Pedrinho e Narizinho a avó (uma empreendedora), Tia Nastácia o amor por Dona Benta e pelo Sítio (o apoio ao empreendedorismo), Quindim a liberdade que recebera e Emília propõe um desfile de Triunfo de Dona Benta, referente a um costume na antiga Roma. Certamente, naquela visão ilustrativa de um país, o nosso país, é a perspectiva de progresso e melhoria de vida ao povo.
É um livro utópico, mas que tem algo importante para o progresso isso tem: a visão de economia fortalecida na indústria e no desenvolvimento da infraestrutura.
Grande Lobato! Grande livro! Grande leitura!

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Coleção Sítio do Picapau Amarelo - Monteiro Lobato 3

Emília no País da Gramática (1934) - Registro no Skoob em 11/07/2017
Entre a diversão do texto e meu entrave com a retórica gramatical, acabou prevalecendo o segundo aspecto na minha leitura. Não curti. Por mais que o autor tente transformar a Gramática numa brincadeira de descobertas e entusiasmo didático, a obra deixa o carisma das personagens do Sítio em segundo plano (até a Emília está muito passiva) e o que prevalece é uma avalanche de considerações formais e chatas.
Não quero ser imprudente passando a imagem de um livro desinteressante. Nada disso, falo de meus gostos pessoais.
Inicia de maneira empolgante, com o Quindim parecendo que vai dar show em coisas bacanas, mas depois ele some na narrativa, passando despercebido em boa parte. E toma-te retórica!
Gosto da questão da etimologia, significado das palavras e neologismos, mas não me diverti com a forma apresentada. Cá com meus botões, tem parte da Gramática que, embora seja importante, remete a um formalismo maçante, expresso em estudos, por exemplo, da conjugação dos verbos. Uma tabuada retórica de indicativo, subjuntivo, próclise, ênclise e por aí, que nunca gostei.
Algo que desapontou também foi a questão da linguagem coloquial, chamada na obra de provincianismo. Essa temática é sedutora, mas foi pouco explorada e com muito formalismo.
Enfim, Lobato é um de meus autores prediletos por isso não quero me estender em uma resenha negativa. O livro tem sua beleza e é uma obra-prima para leitores muito especiais. Tentei ser feliz na leitura, mas não foi o caso dessa vez.
Uma observação final que talvez despertasse atenção do escritor... De maneira curiosa, ele apresentou a maior palavra da língua portuguesa na época: anticonstitucionalisticamente. Mas agora esta perdeu para pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico (cruz credo! boca suja!).

Histórias de Tia Nastácia (1937) - Registro no Skoob em 25/07/2017
Histórias folclóricas em que Lobato procura mostrar, ou entender, as origens e caracterizações comuns. A percepção se dá de maneira informal, como uma aula brincando.
Tia Nastácia é instigada pela curiosidade das crianças em relação ao folclore e desfila seu repertório de histórias, seguindo-se observações da turminha sobre pontos inusitados, fatores que teriam influenciado ou a simples referência se gostaram ou não. Tudo em um clima de descobertas e zoação. Destaques para Dona Benta, em uma participação tipo orientadora pedagógica, e para a Emília em sua habitual espontaneidade, ora inusitadamente coerente, ora maluca, mas sempre carismática. Senti falta do Visconde. Estranho que ele não apareça e justamente em momentos ideais para se destacar...
Sobre as histórias, há aquelas que são surreais, parecendo uma mistureba de informações malucas, oníricas e aparentemente sem lógica, encontradas entre as primeiras no livro. E outras que são curtas e mais atrativas, encerrando gracejos da sabedoria popular ou uma lição.
Nas observações da turminha vemos referências à ingenuidade interpretativa do saber popular, percepção de interferências na narrativa original através da transmissão oral ao longo do tempo, reprodução de um saber que se impõe em ciclo desencadeante de várias histórias para mesmo tema, observação de fator inconsciente inspirado na realidade, adaptação de saberes externos ou apenas brincadeira. Esse fatores se intercalam nas discussões em justificativa para as histórias. Destes, o que chamou mais minha atenção foi a reprodução do inconsciente. Lobato pegou histórias que parecem muito antigas (talvez desaparecidas da oralidade e conhecidas apenas em livros) e as apresenta causando percepção que descamba para a extravagância sem sentido na atualidade, mas que reproduziam algo importante em sua época. Aquilo do inconsciente se vê, por exemplo, na opressão representada por gigantes ou madrastas, e o desejo de libertação difícil muitas vezes toma a forma de algo mágico, como um sonho fácil de resolver...
Ainda sobre as histórias, tem algumas que remontam à minha infância, quando conheci O pulo do gato, O cágado na festa do céu e João e Maria (embora com alterações sutis ou drásticas). Curti estas e outras que para mim foram inéditas, como O macaco e o coelho, O macaco, a onça e o veado e A formiga e a neve. Esta última foi a que mais gostei, tendo desenrolar parecido àquela história cantada de A velha debaixo da cama (para finos conhecedores). Entre as surreais e escalafobéticas do início me chamou atenção O homem pequeno, por ter coisas metafóricas ao D. João, que dá também as caras como personagem.
Achei interessante a dinâmica do livro, mas por outro lado, em que espero ser preciso na colocação, são narrativas que não expressam a verdadeira identidade nacional enquanto histórias folclóricas. O que vem na mente quando falamos de cultura popular? Aí o Lobato me vem com histórias oriundas de livros estrangeiros ou no mínimo adaptadas. Não é a genuína mitologia do pais... Obviamente, tem um contexto aí, pois Lobato foi um dos pioneiros em valorizá-las e possivelmente pautou seu posicionamento no que havia de circulante em termos literários. Ele cita um pesquisador popular e seu livro, subtendendo que talvez tenha buscado inspirações nessa fonte. Em outras palavras, cadê o Boto, os mitos indígenas, cadê o Boitatá, a Cobra Grande (ei! me respeita o cabra que pensar bobagem), cadê a Matinta, o Curupira, o Negrinho do Pastoreio? Bem verdade que dão as caras em outro livro, mas é super estranho não se fazerem presentes nas narrativas da Tia Nastácia, representante maior da cultura popular no Sítio. Fiquei ainda mais convicto que buscava-se um entendimento no contexto de época sobre a caracterização de certas histórias.
Não curti algumas coisas. Na real, o livro aparentemente sugestiona, mas Lobato não deu o destaque merecido à Tia Nastácia. Vemos poucos diálogos em interação dela com a turminha e no final o protagonismo é repassado para Dona Benta, que conta histórias declaradamente estrangeiras, desaparecendo sumariamente a Tia Nastácia de qualquer referência. Ô Lobato! Pisou na bola e não gostei dessa valorização ou falta dela.
Outra coisa, tenho a coleção em edições antigas da Brasiliense e que raios de capa mais infeliz essa! Cadê a Tia Nastácia? Não acredito que preferiram a imagem de um dos contos de menos destaque (Manuel da Bengala). Na coleção antiga da Brasiliense que estou lendo, representada pelas ilustrações das capas, a Tia só aparece de relance na capa de um dos 24 títulos. Pisada na bola esse desprestígio onde ela deveria ser o centro das atenções. Tem uma ilustração muito bonita no meio do livro, deveria ser a capa.
O que não gostei mesmo, principalmente, foi a história do tal bom diabo. Aqui Lobato transparece seu ateísmo e as personagens do Sítio menosprezam, ainda que não seja a intenção, o conhecimento sobre Deus. Em meio a essa situação, achei tocante e singelo o capítulo encerrando com a solitária e desprezada fé em Tia Nastácia. Tem algo ali de sensível que se destaca.
E finalizando, tinha a impressão que era o livro que mais questionavam naquela questão em torno do racismo. Não é, ainda que exista uma ou outra colocação da Emília na conta de sua ignorância.
Ah, é o que vi. Certamente tem outras revelações, mas de minha parte, fui! 


Serões de Dona Benta (1937) - Registro no Skoob em 17/08/2017
A obra foi moderna e inovadora no contexto de publicação, equiparando o saber científico a uma brincadeira de descobertas e admiração para as crianças na exposição informal de Dona Benta. A abordagem passa pelas áreas de física, química, astronomia e geologia. Lobato certamente estudou bastante para conceber.
Particularmente, gostei da parte de considerações sobre a água (onde a vozinha faz uma experiência de condensação, produzindo espanto e entusiasmo infantil de que a problemática da seca seria resolvida com esse processo) e sobre os planetas em um esquema ilustrativo, para ter ideia do Sistema Solar.
Por outro lado, somos da geração de imagens e interações na percepção do saber (trazendo a obra para um contexto atual). Convenhamos, uma aula de ciências naturais só na lábia é um bocado chata. Falo por mim, pois a leitura refletiu isso. Gostei de outras obras com a mesma caracterização, mas eram na área de história e mitologia. Essa não curti. Ademais, a turminha tem uma postura muito passiva. Vemos textos e mais textos de exposição científica e pouca interação da turminha. Visconde não dá as caras e Emília, no geral, tem uma mudez que não é legal, ainda que em bobagens. Em outros livros ocorriam discussões, interferências, opiniões, bobagens, impulsividade. Ah, qual é! Quase só a Dona Benta falando... Enfim, não foi uma aventura como imaginava.
Finalizando, observações banais. Mais uma vez Lobato dá pistas de que Emília tinha virado gente, pois é chamada de ex-boneca e há expressão como do tempo que era de pano. Só não sei onde e como aconteceu essa transformação. É um aspecto banal, mas que me interessa como ardoroso fã do Sítio.
Outra observação, conheci a coleção da Brasiliense na infância A capa dessa edição (na coletânea que tenho) é a única onde aparece a Tia Nastácia, que não foi mostrada nem no livro que leva seu nome, onde deveria haver uma ilustração parecida a esta. Não estou querendo dizer que há alguma mensagem, só uma observação, talvez do fato da maioria dos ilustradores não conhecerem intimamente o conteúdo dos livros, às vezes, nem de forma mínima (falo da capa do livro da Tia Nastácia). Desse jeito são como placas de ruas com erros (tem muito livro por aí nessa também). Af! Tô é escrevendo muita besteira. Fim.  

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Não é tarde demais (Voz da Verdade)

Um louvor que emociona e inspira na busca de superações e renovação em Jesus Cristo, lançado em 1993 pelo Grupo Voz da Verdade.
Feliz Ano Novo! Que a bênção do Senhor esteja sobre todos nós na graça e paz.  Obrigado por sua companhia. Gratidão a Deus por tudo. 


Quando tudo parece perdido
E o mal é solidão
Quando há crise no caminho
Sem se ter a solução
 Quando te faltarem forças, pra viver e pra lutar
Quando você diz pra si mesmo, que é tarde demais
Não é tarde demais, pra quem crê em Jesus
No momento difícil, sentirás suas mãos
Não é tarde demais, você pode ser feliz
Há um caminho seguro, que Bíblia nos diz
Um caminho de paz, um caminho de luz
Um caminho aberto, que é Cristo Jesus
Com Jesus não há crise, pois a vida nele está
Não é tarde demais, você pode ser feliz.

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Coleção Sítio do Picapau Amarelo - Monteiro Lobato 2

Histórias Diversas (1947) - Registro no Skoob em 06/05/2017
Bela obra! Infelizmente a derradeira na coleção do Sítio do Picapau Amarelo (falo como fã) com coletânea de histórias curtas que exemplificam bem a proposta do Lobato, da seguinte maneira: o livro tem 14 narrativas, evidenciando momentos em que o autor traz personagens famosos do imaginário infantil para interação com as crianças, inserindo estas no mundo de diversão e aprendizagens na literatura, ciência, história, folclore, aspectos em evidência na época, natureza, mitologia grega, modernidade, entre outras coisas para serem descobertas na empolgante leitura. Tem um pouco disso tudo, destacando-se, em minha visão, uma narrativa cabal no paralelo que fazem entre Lobato e o racismo. Sobre isso acredito apenas em equívocos de contexto que poderia ser melhor trabalhado.
Me diverti bastante e vão aí alguns registros:
- As botas de setes léguas - Pequeno Polegar percebe que o problema que tinha não era tão grande assim. Vou até escrever a última frase: "Incrível que haja no mundo quem se aperte por tão pouco..." (frase de Emília, a Marquesa de Rabicó).
- A Rainha Mabe - Aquele momento de instigar a criançada na literatura e mitologia clássica. Dona Benta fala um tiquinho de A Tempestade (Shakespeare, meu filho) e pega um gancho em Romeu e Julieta para falar sobre a Rainha Mabe (uma fada relacionada à realização de sonhos - não sei mais que isso e toma-te Shakespeare de novo na inspiração da narrativa).
- A violeta orgulhosa - O texto mais curioso. Essa história, teoricamente relacionada ao orgulho vão, nas entrelinhas é um manifesto contra o racismo. Avalie aí... Uma flor branca nasceu em um canteiro de roxas, é chamada de Ariana e passa a menosprezar as outras julgando-se superior e melhor. No desdobramento leva uma senhora lição do Visconde e Emília, que tem argumentos que levantam a autoestima das flores menosprezadas e acabam com as pretensões de visão superior da Ariana.
Pensei em fazer ratificação à uma colocação científica do Visconde nesse conto (rapaz, do Visconde!), mas não vale a pena diante da mensagem maior do texto.
- A segunda jaca - Valoriza o folclore, trazendo a sacizada de volta para as aventuras. E ainda tem uma presepada que ocorre com a Emília (a mesma que ocorrera em outro momento com o Visconde). Acho que o Lobato quis quebrar um pouco a pose de boçalidade dela.
- A reinação atômica - É também curiosa e reflete ecos da bomba atômica, a essa altura conhecida pelo mundo em suas famigeradas detonações. Emília faz uma rápida visita a um local de testes, em segredo, e começa a ficar careca, o que fez o Visconde direcionar para radiação. Acho que era o contexto de medos e especulações no mundo, e o Lobato não deixou de mostrar isso para as crianças, que de um jeito ou outro tomavam conhecimento. O que se explicitou foi o terror que causavam, a ponto de coisas apavorantes (como árvores retorcidas). A história também tem uma cena muito bonita entre a Tia Nastácia e a Emília (não esqueçamos que foi o último livro sobre o Sítio).
Essas são algumas histórias e as outras tem também aspectos curiosos: Pedrinho cogita da Emília ser uma Fada; Lobato deixa uma história incompleta (O Centaurinho) que parece introdução para futuras aventuras; um paralelo entre sagacidade e ingenuidade diante de histórias espetaculosas (ocorrida entre Dona Benta e Tia Nastácia); personagens da cultura americana em projeção (Pato Donald e Mickey); fantasia; teatro, etc e tal.
Ah, tem uma coisa que preciso entender. A Emília é citada como ex-boneca. Eita! Em algum momento ela humanizou, tipo o Pinóquio. Será que dá para descobrir onde, na coleção...
O último Sítio do Pica Pau Amarelo... Ô dó! Não sabia (ou lembrava) quando escolhi para leitura.
Cada vez que leio só aumenta meu gosto por essa coleção. Lobato marcou muito e fico invocado quando, naquela pergunta de citar autor nacional, o povão muitas vezes (não estou generalizando e nem desmerecendo) vai no modismo de rasgar a seda para Machado, Alencar, Jorge Amado, Graciliano, mas às vezes não conhece seus livros intimamente, enquanto sabe muita coisa do Sítio e foram impactadas na infância por ele, sendo instigadas em interessantes histórias ou impulsionadas para a leitura. Aí o Lobato, que não é muito citado por polêmicas da atualidade, quando é, vem alguém e o resume ao racismo. Ah, vai se lascar! O que vemos em sua obra? O que revela?


A Chave do Tamanho (1942) - Registro no Skoob em 26/05/2017

Grandiosa obra de Lobato, publicada em período recente após bombardeio em Londres na Segunda Guerra Mundial. O fato foi citado no início, impactando e inspirando a Emília na busca de uma solução para a guerra, gerando essa aventura que metaforicamente tenta mostrar a origem dos conflitos. Porquês que certamente são primeiros e essenciais passos para se buscar o apaziguamento.
Há aprendizagens que se fazem notar (ou se dá importância) apenas pela experimentação. Por isso Lobato sujeitou a humanidade, indistintamente, à percepção de sua pequenez e fragilidade, de maneira literal e conclusiva para a necessidade de união e acordos para sobrevivência. Essa é a mensagem principal de A chave do tamanho e na falta dessa sensibilidade encaminham-se as guerras.
O livro é espetacularmente surreal, com várias possibilidades de interpretação. Emília é como Alice em um País de Maravilhas (ou terror - ambas possibilidades por conta do inusitado), é Robson Crusoé em um mundo de adaptações para garantir a sobrevivência, é Gulliver na terra dos gigantes, é a humanidade consciente de sua fragilidade, atenta para a busca de união e acordos para a manutenção da vida.
A história tem aventura, suspense, terror, filosofia, política e humor em diferentes momentos (à critério de avaliação do leitor). As partes que mais chamaram a atenção foram o entusiasmo e encanto com a natureza no início (ilustrado pelo idílico pôr-do-sol de trombetas - ô Lobato, que escolha sua na vida, pois manifestou-se aqui o Salmo 19); a visão turrona e cega do major e família na aproximação do "Manchinha" (episódio assustador, crítico à percepções de  conservadorismo); a revolta contra o Homo sapiens, quem mais atrapalhava a existência dos bichos (leia-se a natureza ou a vida); a visitação à Alemanha e Japão, onde Emília encontra o Grande Ditador e o Imperador, apesar de não revelar nomes (nos dois momentos há divagações sobre a pequenez e mesquinhez da ambição humana); o encontro com o coronel Teodorico (momento hilário); o repúdio ao fogo, mostrado como grande destruidor (parece uma alusão às bombas, pois Emília fala de explosões e chamas destrutivas em Londres), Essa última referência é muito interessante, com um diálogo onde a boneca vê o fogo em uso pessimista e certo cientista mostra benefícios para a humanidade (nas entrelinhas, questionamento sobre direcionamentos em impactantes invenções). E o livro tem também uma discussão sobre a nova ordem mundial gerada pela aventura, onde tudo se decidiria democraticamente (todos precisam de ajuda mútua para a sobrevivência).
Legal! Uma leitura instigante, curiosa e genial para diferentes leitores. Se fizessem um filme seria sensacional.
Nos registros para a cronologia do Sítio, relata a morte do Tio Barnabé e, brincando com a fantasia criada por Lobato, por quê Emília foi afetada pela chave do tamanho, já que era boneca e só a humanidade seria afetada? A-há! É uma das últimas obras do Sítio e na última o autor diz que ela havia se tornado gente.
Leitura altamente prazerosa, ilustrando também o porquê da Marquesa de Rabicó ser uma das mais carismáticas personagens da Literatura Brasileira.

História das invenções (1935) - Registro no Skoob em 29/06/2017
Uma das obras no ápice da proposta educativa de Lobato na idealização do Sítio, publicada em 1935. Em linhas gerais, é um livro de história esmiuçando informações curiosas, reveladoras e instigantes para jovens leitores.
Mentes tacanhas podem dizer que Lobato foi oportunista, mas os fatos apontam um educador atualizado com as novidades de momento ao adaptar um livro recém lançado e de destaque no cenário mundial para o universo do Sítio do Picapau Amarelo. O livro em questão é "História das Invenções - O homem, o fazedor de milagres", do historiador Hendrik Van Loon, até hoje valorizado para estudos. Curiosidade à parte, vasculhando um pouco a net, percebi que esse autor explorou temas sobre as artes, história, educação e também investigação bíblica (aspecto que Lobato praticamente descartou).
Encontramos elementos reconhecíveis em outras obras da série, com valores do presente em paralelo com aprendizagens no passado, além de perspectivas futuristas. Tudo com criticidade em sacadas sutis. Repetitivo dizer, mas o autor era muito antenado com seu presente e procurava difundir as informações.
O conhecimento desenrola-se na prosa encabeçada por Dona Benta, que traduz o livro de Hendrik. O predisponente foi os chuvosos dias no mês de fevereiro, que levaram a garotada a buscar novas aventuras, descobertas nas narrativas da Vó, em suas elucubrações (estou estreando essa palavra em meu vocabulário, que aprendi outro dia ouvindo um orador que admiro, e se não sabes vai aprender também).
Espaço para nostalgia... Vivi a época de visitações de vendedores de livros nas casas, quando traziam malas recheadas de obras que impactavam. Eram como Marco Polo contando novidades para seus ouvintes, se preferirem pode ser também uma Sherazarde, e acho que o embevecimento provocado, que também sentia, devia ser o que Pedrinho e companhia experimentava com as histórias da Dona Benta (opa! mais uma palavra que aprendi com o mesmo orador, percebestes qual?).
Ponto em comum nas histórias sobre as invenções é que a simpática velhinha destaca a necessidade em paralelo com a criatividade. Norteadores do progresso.
O que achei legal mesmo, foram as inferências (ca-ham!) de Lobato no desenrolar de alguns fatos. Olha! Mais uma vez ele mostra seu lado visionário e projeta nova guerra, quando fala do desenvolvimento das armas para fins bélicos e a crise de momento. Era o uso da lógica. Outro momento de criticidade é quando mostra o medo como desencadeante de mecanismos de proteção em aparatos inventivos.
O texto mais interessante foi o capítulo VII (Últimas mãozadas) que tem criticidade fantástica. Entre outras coisas, Dona Benta fala de eras glaciais como motivação ao progresso humano na busca de sobrevivência (algo positivo nascido da catástrofe em mecanismos de desenvolvimento), o que não se observa com a catástrofe da guerra (motivacional ao desenvolvimento de coisas terríveis na história humana). O capítulo é muito interessante. Só lendo...
Enfim, gostei, me diverti e embalei pensamentos. Chamo a atenção que requer leitura pausada. Foi assim comigo, acostumado a ler o Sítio, às vezes, em um dia. Agora tive que ir em marcha lenta ou o encanto que poderíamos encontrar se transformaria em algo chato. Não sei se expressei bem a ideia nesse ponto, mas é um livro de alimento mais sólido, para degustação tranquila. Pode crer!
 

E tem mais...

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Coleção Sítio do Picapau Amarelo - Monteiro Lobato 1

Monteiro Lobato tem livros conhecidos em todo o território nacional, especialmente sobre o Sítio do Picapau Amarelo, como literatura curiosa e informativa. Creio que os alunos do ensino fundamental em algum momento descobrem essa turma, extremamente instigante aos estudos e aventuras.
Em 2017 reli a série, registrei em um site sobre leituras e resolvi estender as conclusões a este cantinho também (equivocadas, bobas ou não). Afinal, seja no Amapá ou em outro canto qualquer de nosso país, é uma leitura interessante e importante para ser conhecida, mesmo com algumas polêmicas, que no final das contas são provocativas à discussões e aprendizagens.
Vamos aos livros...

Reinações de Narizinho (1931) - Registro no skoob em 13/02/2017
Esse ano quero reler a coleção, preferencialmente em ordem cronológica. Tenho todos os volumes e li há muito tempo. Exceto um, que guardei para reencontro e deleite futuro. Na minha cabeça é como se fosse um doce para mais tarde. Pois bem, desse ano não passa. Para quem tem o Sítio marcado na infância, essa maratona é uma de minhas melhores metas em 2017.
Reinações de Narizinho reúne as primeiras histórias e mostra um caminho em construção. A obra tem momentos surreais que inicialmente eram tratados como um sonho (é o que acontece em relação à primeira viagem ao Reino das Águas Claras e ao das Abelhas, que me parecem os primeiros textos da série), mas o autor vai trazendo as histórias para o mundo real da menina a partir daí, não apenas seu sonho. Ainda bem que começou a ter outra percepção, pois isso engessava as possibilidades.
As histórias tem essa caracterização, de trazer a fantasia para o mundo da criança, buscando inspirações na literatura, cinema e contexto de época em uma cativante mistureba. Lobato construía um universo infantil genuinamente brasileiro quando percebeu a falta.
Vou registrar algumas coisas nesse processo, ainda que bobas:
- Narizinho era chamada por seu nome nos primeiros textos (Lúcia), tem 7 anos e o nome que a consagrou tem relação com a personalidade forte em não aturar desaforo, principalmente quando direcionados a quem gosta.
- Pedrinho tem 10 anos, é filho de Antonica e tem no Sítio a vivência de uma liberdade que não encontrava na cidade.
- Dona Benta é desde o início celebrada por sua sabedoria, principalmente como contadora de histórias, coisa que o Lobato procura incentivar para as crianças.
- Tia Nastácia tem referências que soam de maneira preconceituosa. A maior parte é chamada de a preta e com adjetivos pejorativos como beiçuda. Havia um contexto de época fortemente arraigado à velhas percepções e não necessariamente uma valorização racista, como muitos dizem hoje. Mas convenhamos que a postura, mesmo achando que não, naquela forma arcaica de ver as coisas, era.
 - Visconde foi criado para ser o pai de Rabicó no casamento com a Emília.
- Lobato cita também personagens do cinema e literatura infantil nas aventuras da turma.
- O livro é datado de 1931 (posterior à outras publicações), mas é o precursor do Sítio por ter as primeiras aventuras, escritas a partir de 1920.
- Aí tem maroscas! Registrei a expressão apenas por não conhece-la e achar engraçada. Pedrinho a usava e tem sentido de que existe alguma maldade.
- O livro mostra o quanto Lobato tinha conhecimento vasto na literatura infantil. Eu, que achava que conhecia, não soube identificar as personagens Rosa Branca e Rosa Vermelha. Quem são, hein?
- Gostei especialmente do capítulo que fala da visita dessas personagens ao Sítio. Ah, algumas notas bestas... Chapeuzinho Vermelho parece que não era ainda o nome mais popular da personagem (falavam Capinha ou Capuzinho) e o visual da Branca de Neve era de uma loira (a imagem mudou, creio, a partir do filme da Disney). Quanta besteira... Só escrevo por gostar de registro, ainda que com mico.
- Chama a atenção o fato dos mitos do folclore nacional ainda não aparecerem. Acho que o autor buscava inspirações e colocava suas personagens de maneira dominante sobre as conhecidas na literatura e contexto. Por exemplo: as tiradas da Emília são irônicas e impagáveis no trato com algumas delas; o Pedrinho tem uma rusga com o Aladim (chamado de Aladino) sobre quem era mais audaz; aparece um Gato Félix falso (qual será o tamanho do personagem na época?) que é desmascarado pela esperteza da turma; e o Tom Mix (personagem do cinema) surge como um bandoleiro também engambelado.
- Olhos de retrós. Que característica mais inusitada da Emília citada nesse livro. Toda vez que ficava espantada, os olhos arregalavam e estouravam. Acho que o Lobato não levou isso adiante. Não lembro disso em outros livros. convenhamos que é no mínimo angustiante. Era o processo de construção...
- História, Geografia, Matemática, Mitologia Grega, Literatura Infantil, Cinema... Percebemos um universo vasto tratado na obra do Lobato, mas acho que ele deixou uma lacuna que poderia ser explorada e me leva a investigar a linha de pensamento que ele tinha nisso. Não seria legal brincar também com personagens bíblicos? Por que será que não fez, sendo o país de cultura tão arraigada na religiosidade? Algumas coisas isoladas são citadas, mas rapidamente (como o Pedrinho tentando dar vida a um boneco com o sopro de vida). Qual terá sido sua linha de pensamento? Vou investigar... Será que ele era ateu ou agnóstico como se diz hoje?
- Uma olhadela na internet confirmou o que imaginava do autor...
- Quando descobri, fiquei sugestionado a algumas coisas. Como ia começar a ler o capítulo Pena de papagaio tive a seguinte percepção (mas não estou dizendo que era a intenção do autor): a história parece uma sátira à fé, pois o Pedrinho encontra um personagem invisível que identifica como o Peter Pan (é o juízo de valor dele) e este lhe mostra um mundo de fábulas. Hum... Aí tem Maroscas! Principalmente quando vemos que o Visconde, símbolo da razão e saber, não participa dessa aventura por estar embolorado (esquecido em um canto... história sem razão...). É só uma observação sem fundamentação. 
Voluntário ou não, a boca fala do que está cheio o coração.
- Ah, esse capítulo tem também o texto Os animais e a peste que para mim, agora, é o mais instigante do livro. É uma fábula curiosa e dela veio o Burro Falante para o Sítio (ai, ai... espero não estar sendo um burro falante também).
- Fiquei meio cabreiro na leitura final do livro. Mas também, olha só, fala do pó de pirlimpimpim, que era aspirado e transportava para o mundo da fantasia. Será que o Lobato? Acho que talvez nunca tenha essa resposta... Voltando ao que se quer expressar, é uma valorização da imaginação infantil. Ah, concluí depois que o tal pó de pirlimpim tem correlação com o costume de aspirar rapé.
- O livro termina com o Pedrinho voltando para a cidade.
Imaginação, fantasia, valorização da brincadeira infantil, despertar para a aprendizagem, são os aspectos que se notam no livro. 

Caçadas de Pedrinho (1933) - Registro no Skoob em 25/02/2017
Estou aproveitando o feriadão de carnaval para reencontrar a turminha do sítio. Caçadas de Pedrinho é de 1933, mas os primeiros textos foram escritos cerca de dez anos antes. Acho interessante essa questão de datas, pois acabamos percebendo um processo construtivo na obra de Lobato.
O primeiro capítulo (escrito em 1924) conta uma história horrível e bizarramente violenta, que coloca em choque a turminha com uma onça. É um exemplo de que as percepções podem envelhecer, caducar e os autores tem que ter traquejo nisso. Lobato, nesse texto, é adepto da visão imperativa, arbitrária e destrutiva do homem sobre a natureza. Nesse momento não há noção alguma sobre educação ambiental, tratando-se tudo como um brinquedo. A turminha vai à mata e trucida o bicho, com requintes de crueldade exaltados como grande façanha, reproduzindo a mesma visão que movia muitos na interação com a natureza (e hoje?).
Para entender melhor, pensa em Narizinho esfaqueando como se quisesse tirar uma fatia de pão, Pedrinho esmagando o crânio da onça a peso de coronhadas, Emília atacando com um espeto de assar frango, Visconde enterrando a espada no peito e Rabicó dando um tiro de canhão à queima roupa... Quadro terrível? Era a diversão infantil naquela época no que o autor imaginava para as crianças... Felizmente, parece ter percebido e trouxe visão nova nos textos seguintes, escritos na década de 30 para o mesmo livro, na interação das crianças com a natureza. O Maurício de Sousa, por exemplo, teve e tem muito traquejo na construção de sua turminha.
Segue uma história em que os animais, especialmente as onças, tentam se vingar e atacam o sítio, mas são vencidas por esperteza. Nada de mortes dessa vez, apesar do Pedrinho ter fascínio por armas e querer ser um caçador infalível e implacável, desejando morar na África para seus intentos. Algo continua equivocado, né?
Na parte final, outra evolução no pensamento de Lobato, trazendo uma percepção mais acertada, ainda que no contexto de época houvesse outra visão de prioridades. Seu texto deixou a caduquice do primeiro e introduziu um rinoceronte, uma daquelas feras que o Pedrinho desejava caçar, como um animal de interação curiosa e afável para as crianças. Aqui há desapego à imagem vilanizada da natureza e as crianças aprendem a amar o bicho e lutar por sua permanência em seu convívio. Os personagens do folclore ainda não deram o ar da graça e acho que sobrou para alguns deles o papel de vilão nas aventuras. Melhor assim. Não lembram? Lá vem a Cuca, te pega daqui, te pega de lá...
E aí? Não houve uma progressão no pensamento do Lobato? Espero não encontrar as referidas caduquices nos livros seguintes... Mas também sei de algo que Lobato preferiu congelar e morrer na caduquice: a percepção e imagem construída sobre a Tia Nastácia. Guardo para outros livros da série esse parecer, mas digo que em uma obra que mostrou desenvolvimento, o final foi decepcionante: involução total na caduquice que não se quis largar. Olha lá a última frase...
Registrando amenidades da cronologia da série:
- O Quindim foi introduzido nesse livro como mais uma personagem do sítio;
- Surgem também os besouros espiões da Emília: o Numero 1 e Número 2;
- Os animais já aparecem falantes, sem explicação alguma, como ocorreu em relação ao Burro Falante no primeiro livro. Assim é com Rabicó, os besouros e Quindim (sem que se mencione as pílulas falantes da obra anterior). Acho que o Lobato esqueceu dessa pequena explicação como até então fazia em relação a tudo;
- Cléo foi outra menina introduzida, mas parece que não teve carisma. A justificativa para o surgimento foi mal elaborada e ficou marcada como uma namoradinha do Pedrinho. Na real, Lobato quis dar um jeito de colocar a novidade da rádio em seus livros, já que a menina era representante de uma emissora;
- Lobato era antenado e também deu um jeito de registrar e introduzir o telefone no sítio, na história do Quindim;
- KKKK! Gostei da passada de perna que a Emília deu nos advogados do circo de onde veio o Quindim. Ah, que legal seria se o Lobato tivesse tido o insight de torná-la defensora de certas coisas... Mas ele preferiu uma caduquice nelas.
- É um livro para ser lido, em relação às crianças, com orientações.
Contudo, contudo, gosto muito do Sítio do Picapau Amarelo e tive a grata satisfação de ser alfabetizado em livros com suas personagens, lá no meu Jardim da Infância e Pré-escolar em Serra do Navio... 

O Saci (1927) - Registro no Skoob em 27/02/2017
Perdi o fio da meada na ordem cronológica dos livros, por isso vou desapegar dessa questão. Sei que o Lobato escreveu algumas histórias na década de 20, desenvolvendo-as na seguinte.
O Saci é um dos melhores livros da série, introduzindo personagens do folclore nacional e idealizando a imagem do sítio. Tem um clima bucólico que conquista o leitor, com informações em concepção didática.
Olha como as coisas estão bem arranjadas...
No início vemos Pedrinho saindo de férias na cidade, manifestando muita vontade de ir para o sítio. O que o seduz? Resposta no capítulo seguinte - extenso e bonito - onde Lobato faz um tour minucioso pelo sítio, descrevendo detalhes da casa, dos arredores, do pomar e da mata. Uma construção bucólica que instiga vontade, em face da natureza convidativa e poética, de aventuras e descobertas. Essa valorização ambiental fortalece a origem dos mitos, objetividade também do livro, por ressaltar a natureza de maneira muito presente e grandiosa na interação com o homem, crescendo assim a predisposição aos crédulos folclóricos (decorrentes de mistérios e segredos que se insinuam), principalmente quando ganham vitalidade em outro aspecto também valorizado por Lobato. Mas isso foi assunto para o capítulo seguinte.
O saber popular, desapegado de informações científicas e tendencioso à conclusões ingênuas e imediatistas, é representado em Tia Nastácia e em mais um personagem introduzido nessa obra: o Tio Barnabé. Vem deles as histórias do Saci e de um universo cultural desconhecido ainda pela turminha.
Caracterizando Tio Barnabé, mora nas proximidades do sítio, tem mais de oitenta anos e suas histórias são calejadas no saber popular. É ele quem ensina Pedrinho a capturar o Saci, ao estar completamente envolvido e instigado pelas narrativas orais.
Gosto de histórias folclóricas, mas entendendo as origens e razões, não simplesmente relegando-as à ignorância. Há uma razão existencial e Lobato nas entrelinhas revela as inspirações.
O que acho legal é que o Saci retratado não é apenas o mito pelo mito. Ele tem ares de educador ambiental e interage com o Pedrinho nessas descobertas, levando-o a ter uma percepção diferenciada da natureza em simples coisas (como o casulo das borboletas, o canto dos pássaros e outras similaridades a que, às vezes, não damos muita atenção - talvez fôssemos mais felizes ou menos estressados se déssemos). O diálogo passa por pontos interessantes, como a grandiosidade ao menino estar relacionada à grandes realizações humanas (descrições em livros), enquanto o Saci vê as melhores coisas na natureza. O menino é de certa forma impactado quando percebe que algumas das realizações humanas são motivadas por egoísmo ou se estabelecem através de guerras... Nesse momento ele deseja não se tornar um adulto... Não esqueçamos que estávamos em um recente pós primeira guerra mundial.
Ao falar de outros personagens folclóricos (lobisomem, Iara e etc), voltamos àquela questão de não se valorizar o mito pelo mito. A introdução à eles passa por mais um fator de justificação: o medo. Saci e Pedrinhos ressaltam essa questão e é assim que Cuca e companhia começam a ser conhecidos na obra, pelo menos nesse livro pioneiro. 
Algumas das principais personagens tem descrição didática, onde e como se originaram, mas agora valorizando apenas a crendice popular.
As coisas não foram bem arranjadas? Evidentemente.
Não há destaque para outros personagens do sítio, mas não esqueçamos que o Pedrinho aparentava ser o mais equivocado na interação com a natureza. Narizinho tinha história de casamento com um peixinho, Emília cuidava dos besouros, Visconde era a voz da sapiência (apesar de ter alguns equívocos em narrativas anteriores no trato ambiental) e o Pedrinho desejava ser um grande caçador (como talvez suspirasse a geração de meninos da época).
Mais alguns registros, ainda que bobos:
- Lobato estabeleceu as idades, mudando descrições do primeiro livro. Pedrinho tem 9 anos, Narizinho (8), Dona Benta (64), Tia Nastácia (66) e Rabicó, Emília e Visconde (1 ano cada). Não esqueçamos que Tio Barnabé era octogenário.
- Entre o Saci e Pedrinho se repete a primeira história do livro Caçadas de Pedrinho, mas com final diferente, pois naquele o relato é bizarramente violento. Só para dar uma dica, a Narizinho esfaqueava a onça como se quisesse tirar uma fatia de pão. Quando li lembrei de um filme de 1986 chamado A fortaleza, em que crianças trucidam um criminoso. Mas um detalhe importante: no filme era uma cena de suspense e terror impactante, enquanto que no livro a barbárie infantil era pura diversão e grande feito da garotada.
- Só não gostei de uma coisa. O fato de Lobato explicitamente mostrar sua percepção de ateu. Oras! Se foi cuidadoso em mostrar o porquê de mitos, relativizando a questão, por que foi tão incisivo e imperativo em dizer que a vida se resumia a esse mundo, e que um ser passa de um para outro (valorizando à percepção de Lavoisier em um plano materialista). Não gostei desse papo de Fada da Vida direcionado a quem é o Criador. Parece que era mais fácil a negação de Deus, que sustentar certas coisas. 
Foi o que senti e tive necessidade de deixar em registro.

Memórias da Emília (1936) - Registro no Skoob em (01/03/2017)
Parece um sonho maluco, onde realidade e ficção se misturam. Pudera, a construção é onírica, enfatizando o imaginário infantil com aspectos do contexto de época. Lobato era antenado nessas questões, por isso é um livro moderno em sua proposta. Acredito que muita gente achava estranho, por serem apegadas a uma estética tradicionalista, mas as crianças deviam curtir, reconhecendo coisas que as instigavam.
A proposta tem suas virtudes, mas também teve pontos negativos, não por reproduzir o contexto de época (em coisas impactantes hoje), mas por Lobato posicionar-se de forma ultraconservadora em umas, enquanto que em outras era progressista e inovador. Se estritamente valorizasse um apelo educacional, como se propunha, o Sítio teria importância muito maior, com ares revolucionários
na literatura nacional (se é que isso caiba aqui). Ele, porém, deixou certos aspectos sem um contraponto.
Falando no surreal, maluco mesmo é a voz de Reny de Oliveira soar na minha mente em cada fala da Emília. Sério! Se há uma Dona Benta eternizada no vídeo, a Emília da Reny é a que ficou gravada em minhas memórias como a mais representativa e preferida. Ah, deixa esse negócio de memórias para a Emília, que no livro fala mais ou menos assim...
Lobato valorizava os livros e isso é notório (tem até aquela famosa frase que os sabidos de plantão lembram, a do país e livros, coia e tal), então não é surpresa que isso se reproduzisse em suas personagens. Dona Benta, Visconde, Dona Carochinha... Agora é a vez desse apego se reproduzir na Emília, sua mais representativa personagem e ícone infantil. A pequena inventou de escrever suas memórias, instigando uma gostosa brincadeira, onde a invenção literalmente se faz presente. Com ajuda do Visconde, mãos à obra...
A história tem três momentos, que trazem a percepção de mundo da boneca. Evidentemente, com pontos legais na percepção infantil, mas também bizarros em outros, principalmente por Lobato calar sua objetividade educadora em alguns deles. Estou falando da caracterização relacionada à Tia Nastácia, que é o que mais pega na série. Qual é?! Ele deixou em suspenso o mesmo conceito do Negrinha. Mas ali a situação, embora impactante, é direcionada a uma reflexão, provocativa ao leitor. Aqui, porém, estava falando com crianças, que veem apenas o imediatismo e precisam de alguma forma de orientação. Oras! Se o Visconde e a Dona Benta contrapõem e influenciam no saber das crianças, dando pitacos em cada ocasião favorável, caberia também no trato com a personagem um contraponto, uma orientação. Lobato escreveu coisas que em certos momentos são muito agressivas e extremamente ofensivas, como neste livro, em que a Emília leva a Tia Nastácia às lágrimas e a gente nota que fica por aí, com os termos ofensivos presentes na fala de personagens e, o que é pior, no texto do narrador. Fala-se muito que ele reproduz apenas o contexto de época. Concordo, mas a minha questão é que ele não se interpôs a isso de nenhuma forma. Que se reproduzisse (apesar de que, em alguns momentos ele deu muita vitalidade nisso), mas se construisse também uma interposição, um processo educativo. Como seria fantástico e histórico a turminha nessa aprendizagem, mas ele preferiu nesse aspecto o tradicionalismo, procurando manter as coisas assim em toda a coleção.
Penso também que, se faltou ao autor essa sensatez, nas edições atuais não podem faltar, valorizando-se as obras com notas explicativas, o que até hoje não ocorreu, e se é para deixar sem elas, então sou favorável que se retire certas frases. Algumas até usam o nome de Deus para justificar a agressividade.
Sei que o povo daquele tempo ficaria escandalizado com algumas coisas dos dias atuais, mas uma não justifica outra. É o que penso.
Voltando à história, Emília começa registrando suas origens e não há nada diferente do que conhecemos. Então se inicia a história do anjinho Flor das Alturas. A narrativa vai ficando surreal e personagens da atualidade (fictícios ou não) chegam ao Sítio para conhecer o anjo. A notícia tornara-se midiática nos jornais, rádios, telégrafos e vários líderes mundiais desejam conhecer ou enviar suas crianças. Entre eles o Fuhrer da Alemanha, o Duce da Itália e o Imperador do Japão. Reconheceu essa turma? Formariam o Eixo na Segunda Guerra, que explodiria três anos depois dessa publicação. Lobato apenas registrou líderes que estavam em evidência naquele momento, naquilo que disse de estar antenado com o mundo. O Presidente Roosevelt também foi citado.
Os personagens da ficção citados foram Popeye, Alice, Peter Pan e Capitão Gancho. O arranjo entre eles é surreal, chegando ao sítio ao embarcarem em um navio na Inglaterra que trouxera crianças. Nessa história há um duelo entre Popeye e o Capitão Gancho, e entre Pedrinho e Peter Pan contra o famoso marinheiro Popeye. Há a clara valorização nacionalista, que vilaniza o marinheiro e faz com que leve uma homérica surra, ao ser engambelado pela Emília. Acho que esse lance tem correlação com o fascínio da luta livre no contexto de época (sedutor para muitos, como às crianças, que deviam ter ídolos e quem sabe eventuais brincadeiras). Achei certas partes bastante violentas, de ênfase dispensável, mas quem ditava as rédeas, nesse caso, era o oportunismo de Lobato.
No segundo momento a turminha vai para Hollywood onde encontra-se com a famosa menina prodígio Shirley Temple e juntos encenam uma peça do Dom Quixote, visando uma fita (filme) pela Paramount.
Aspectos, em uma e outra história, que fazem as crianças brincar com novidades ou projeções conhecidas no seu meio, em uma percepção inusitada e atrativa para elas.
O terceiro momento é a visão de mundo da Emília. Um texto ingênuo e bonito no início, mas também forte em certos detalhes por Lobato escolher a caduquice neles. A boneca derrama seu amor pelo Sítio e cada personagem é citada com um carinho em especial. A tia Nastácia está entre elas, mas continua também uma certa ignorância (e nenhuma interposição do autor).
Assim é o livro, o quarto que esse ano reli da coleção do Sítio. Destes, até agora foi o que teve o episódio mais agressivo, por isso citei com um pouco da opinião. Esse episódio se desenrola entre a história das crianças vindas da Inglaterra e a viagem para Hollywood.
Um parecer final. Acho também muito infeliz as considerações e percepções de Lobato direcionadas à Cristo. No início ele sugere que Cristo é mentiroso, com uma interpretação equivocada das Escrituras Sagradas, e no texto final da Emília ele também insinua que o sacrifício de Cristo é inútil e não salva ninguém. Tudo nas entrelinhas.
Cada um com a sua concepção e opinião. As minhas foram assim... 

Aventuras de Hans Staden (1927) - Registro no Skoob em 20/03/2017
Um livro espetacular na série do Sítio do Picapau Amarelo, em que Lobato apresenta a História do Brasil de forma atrativa e instigante para jovens leitores. O drama foi real e impactante, ocorrido na terra recém-descoberta no século XVI, porém, o autor mostrou-se cuidadoso em contextualizar os fatos, que vão se apresentando como uma grande reportagem sobre Hans Staden e o país naqueles tempos.
A história é reveladora do contexto das navegações, das razões de buscas europeias pelo Brasil, da rivalidade entre portugueses e franceses, relação que tinham com os indígenas, cultura destes e significado de muitas palavras que usavam. Dona Benta é a narradora, sem haver qualquer manifestação de Emília, Visconde ou Tia Nastácia.
O texto se desenrola despertando interesse e aprendizagem. No final das contas, ressaltou o prazer pela descoberta e estudos, em valorização aos livros, à História do Brasil e à percepção de se compreender os fatos no contexto em que ocorreram.
Curiosidades à parte, Pedrinho é citado tendo vocação para Odontologia e Dona Benta reforça a imagem de uma educadora que se fez ausente em outros livros de Lobato em certos aspectos.
Fechando a história, em minha visão, faltou o relato do tempo de cativeiro do Hans Staden (9 meses) e também dar uma enfatizada que a experiência resultou em um dos primeiros livros sobre o Brasil. 


Viagem ao Céu (1932) - Registro no Skoob em 30/03/2017
Ô, beleza! É uma leitura prazerosa, com gostinho de saudades da infância, da escola, de aventuras imaginativas e ingênuas, de histórias da vó, de vontade de experimentações e descobertas. O livro mescla tudo isso, brincando e instigando aprendizagens. Uma edição de muito valor na coleção do Sítio do Picapau Amarelo, onde as virtudes estão em maior destaque do que pontos refutáveis (no trato caduco em relação à Tia Nastácia que, especificamente nessa obra, enfatiza que tem uma simbologia e contexto de época... bons observadores vão notar no diálogo da turminha com o São Jorge).
Particularidades pontuais (coisas bobas que estabeleci para mim mesmo na construção de uma memória da obra):
- A história se passa no mês de Abril, que era considerado o de férias de lagarto, ideal para curtição despreocupada (vá entender... só lendo). O mês é também citado como o do aniversário de Pedrinho.
- Cronologicamente a história vem depois do Reinações de Narizinho, dando continuidade à narrativa em que o Visconde se afogara no Reino das Águas Claras (Lobato não teve rodeios em dizer que ele havia morrido, restando apenas o toco mofado da espiga de milho), e Tia Nastácia faz um novo, com outra espiga, que chamaram de Dr. Livingstone, em homenagem à um explorador inglês. Ele é apresentado como um avatar do Visconde e é protestante, com Bíblia e tudo.
- Uma observação absolutamente de cunho pessoal, pois imagino que nem passou pela cabeça de Lobato, mas ele de certa forma reproduziu um contexto de época na visão ao protestantismo. Tia Nastácia teve um asco e receio ao saber do protestante, até se benzendo e pedindo proteção divina, para depois gradualmente tomar simpatia. De onde teria vindo a repulsa inicial? É que o Brasil foi oficialmente católico romano entre a constituição imperial de 1824 e a republicana de 1891. Tudo que fosse contrário era associado à contravenção e essa cultura informalmente persistia no popular, alimentada pela oposição católica romana à chegada em maior escala de missionários estrangeiros protestantes, numa espécie de demonização. Não sem razão, houve muita perseguição e histórias violentamente esdrúxulas, com prisões e destruição de Bíblias. Tia Nastácia, na minha visão, expressou isso em primeiro momento, que foi realidade para muita gente. Nada a ver? Bom, registrei o que acredito.
- O livro poderia ter título de Viagem pelo Sistema Solar (ou Via Láctea), porque é a isso que se refere. Claro, brincando com o saber conhecido na época.
- Antes da viagem iniciar, primeiro há uma aula da Dona Benta em pontos referentes ao universo, no contexto de época. Conhecer, para depois brincar com esse conhecimento. Destaque para a orientação sobre o saber, que pode ser repudiado e cobrar um preço a quem o detém ou defende, citando exemplos como Galileu Galilei.
- A viagem mistura pontos da ciência com folclore e imaginação infantil.
- Entre os planetas, Plutão não foi citado. Fiquei curioso e descobri que isso se deu a partir da década de 1930, em paralelo à publicação dessa obra. A novidade talvez não tinha se consolidado para Lobato.
- Na Lua, a turminha encontra o São Jorge, que não é alardeado numa visão idólatra.
- No passeio pela Via Láctea encontram um anjinho com asa quebrada, que depois levam para o Sítio (cronologicamente, a história com esse personagem se desenrola no Memórias da Emília).
- O Burro Falante é batizado com o nome de Conselheiro. Advinha de quem foi a ideia... A Emília associou a sabedoria dele com os aconselhamentos sempre propícios. Ah, o dragão do São Jorge tentou devorar o pobre e por um momento ele se transformou em um satélite da Lua. Coisas do pó de Pirlimpimpim... KKKK! Quanta maluquice legal!
- Gosto de expressões populares e assim deixo em registro a ótima da Emília, exprimindo contundência (comigo é na batata!), e a do Conselheiro exprimindo surpresa ou entusiasmo (Bofé! que seria um boa fé!). A Tia Nastácia tem uma palavra que é sensacional e busquei significado na net (surpreendente, pois foi citada essa passagem até em tese). Alguém sabe me dizer, por favor, o que é fisolustria? KKKK! O termo foi referido na caracterização ao São Jorge. Sensacional! Gostei desse fisolustria (importância? destaque?). Sei lá, mas gostei.
- Várias aventuras inusitadas no espaço, destacando-se a que montaram em um cometa.
- No regresso, topam com uma equipe de sábios no Sítio, invocados porque estariam desequilibrando o universo com suas reinações (sugestão de questionamentos para as ações que se desempenham? Inconformismo? Quebra de tabus? Numa boa orientação, tudo aproveitável...).
- Legal! Divertido e curioso em suas inusitadas e fisolústricas reinações.
Bofé!


A reforma da natureza (1941) - Registro no Skoob em 13/04/2017
Essencialmente, vemos uma brincadeira com a imaginação infantil ao enquadrar o mundo na lógica inocente da criança. Nessa visão, o inusitado e o surreal se realizam, pondo em prática tenros anseios, como se determinadas coisas fossem possíveis, e o legal da questão é que a percepção final se direciona para uma aprendizagem entre o real e o imaginário. Não no estabelecimento de limites repressores, mas na compreensão da vida, da natureza, da criação e do equilíbrio natural de forma prática, através da observação e experimentação.
Me vi um pouco na infância, quando também acreditava em certas possibilidades na minha lógica em construção. Para mim, nas entrelinhas, a mensagem da obra é um inocente choque de realidade.
Caracterizando o livro, tem dois momentos em que a Emília resolve brincar com a natureza.
No primeiro, ela dá asas à imaginação através do faz de conta e vai construindo as coisas na sua visão de mundo. O fato ocorreu quando estava sozinha no Sítio, já que a turma havia ido para uma certa conferência de líderes para falar de harmonia e paz mundial (tenho algo para expressar sobre isso adiante). A boneca recusou o convite, fula com o andamento do mundo, e resolveu reformar a natureza, contando com a ajuda de uma menina carioca, a quem chamava de Rã, vinda especialmente em atendimento a uma carta por ser sua fã. Um detalhe em especial é que essa menina tem imaginação mais fértil e boba que a da boneca.
Na segunda parte, os outros membros do Sítio retornam, deparam-se com insólitas consequências das ações das reformadoras e colocam as coisas em seu estado normal. Mas quem disse que a boneca parou por aí? Em sua construção de pensamento ela se alia ao Visconde numa espécie de experimentações científicas, relacionadas à endocrinologia, e acabam criando verdadeiros Frankensteins através de insetos, centopéias e minhocas. Novamente uma aprendizagem, relacionada ao respeito à natureza e à vida, em suas razões e peculiaridades existenciais. Tudo tem um princípio.
O que me espantou é que pensei que o livro tinha sido escrito no pós Segunda Guerra, pois Lobato cita uma Conferência Mundial em 1945 para discutir a paz e entendimento, mas estranhei que fossem citados líderes como Mussolini e Hitler, que haviam morrido nesse contexto. Por que o autor teria explicitado esse notório equívoco? A resposta encontrei na data de publicação da obra, em 1941, quando a guerra desenrolava-se criticamente. Dessa forma, há um certo vaticínio (não intencional) para o ano de 1945, marcado pelo fim da guerra e realização de conferências em que se discutiu os rumos do mundo e paz mundial. Teve conferência para definir o fim da guerra (Yalta) e outra no pós guerra (Potsdam) que foram "conferências da paz".
Saber do contexto da guerra na publicação dessa obra me levou a pensar que o autor, ainda que sem ter a noção (ou não) do contexto terrível dos nazistas, falava sobre a questão de se interferir e forçar a vontade imperiosa, ainda que estapafúrdia, decidindo sobre a vida (como fizeram os nazista com sua visão de mundo e em suas práticas de eugenia).
Vamos fazer uma distinção entre a inocente brincadeira da Emília e a ação contundentemente perversa do nazismo. Estão em situações distintas, mas que o primeiro poderia ser usado (eu disse ser usado, não que foi criado para isso) como ilustração para falar disso poderia. Ou será que tô viajando demais? Nem sei se essas práticas do Hitler já haviam sido reveladas ao mundo em 1941. Seja como for, é mais um inusitado vaticínio no livro. Só reflexões despertadas... Ah, se não entendeu, estou falando que Hitler queria fazer uma reforma no mundo e achava que poderia fazer experiências e coisas terríveis.
Finalizando, algumas coisas que gosto de registrar sobre a cronologia do Sítio, sejam bobas ou surreais:
- O nome completo do Tio Barnabé é Barnabé Semicúpio da Silva, e sua casinha é perto da ponte.
- Os livros "A chave do tamanho" e "Dom Quixote das crianças" foram citados. Ah, mas tem histórias referenciadas também em outros livros da série, mas não vou citar.
- Lobato, à essa altura, sabia da representatividade de Pedrinho e Narizinho, por isso, de maneira surreal, foi citado pela Emília que pararam de crescer há anos (seriam eternas crianças). É tipo aquela: por que heróis da década de 40 até hoje existem nos mesmos moldes, do mesmo jeito, atravessando gerações? Oras, muito simples. Para mim é assim, representam ideais, anseios e motivações que perduram, seja em um Batman no combate ao crime ou na criança que nos encanta com suas descobertas e aventuras, reconhecidamente nostálgicas a cada um.
- Qualé, Lobato? Deixastes Narizinho de escanteio e ela praticamente não aparece no livro. Por isso, quatro estrelas na avaliação. KKKK!
- Espero não ter escrito muito bobagem, mas não quero esquecer de nenhuma dessas coisas na memória associada ao livro.
- Resgatando mais uma palavra (ou expressão) que aprendi dessa vez com a Emília, é "sossorossossó!".


Essa aventura não acaba aqui.