Tenho encontrado coisas interessantes nas bibliotecas em Macapá e esse ano quero dar maior atenção a elas.
"Amapaisagens" é uma dessas descobertas. A obra foi publicada por Hélio Pennafort em 1992 e apresenta relatos sobre a capital e interior do Amapá em seu início como Estado, através de contos e memórias de viagens do autor. Impressões sociológicas e ambientais que nos fazem lembrar de outro livro importante, "Amapacanto", de Álvaro da Cunha
" celebrada também pelo texto "O Caboclo" .
O CABOCLO
O caboclo é capaz de remar horas a fio pela sinuosidade dos igarapés sem parar o remo, nem quando pega um remanso a favor.
O caboclo é inteligente a ponto de saber o momento certo de zagaiar o tucunaré, valendo-se, apenas, do rebujo do lago.
O caboclo é suficientemente sagaz para descobrira posiçãodo caranguejo escondido no lamaçal e defender a mão do aperto das unhas do bicho.
O caboclo é competente para dirigir uma embarcação nas agitadas marés da costa Norte, em plena escuridão, sem precisar de bússolas, ecobatímetros e radares.
O caboclo é mestre na estrovação do anzol e na preparação da malhadeira, instrumentos que facilitam a sobrevivência na beira dos rios.
O caboclo é exímio dançarino e tem resistência para ficar rodopiando com a dama a noite toda, num salão de paxiúba.
O caboclo arma seu matapí com uma paciência fora do comum e, quando coloca a última tala, ainda abre aquele sorriso que é só felicidade.
O caboclo sabe distinguir o olho da paca, do veado, da onça, e qualquer bicho, quando se aventura em caçadas noturnas nas grimpas solitárias dos pequenos riachos.
O caboclo sabe dedilhar viola, cantar seresta e dizer à cabocla amada que "a última vez que eu te beijei, me alembro claramente que era noite de luar".
O caboclo é bom de porrada, e o seu jeito de brigar ainda é aquele de meter a cabeça nas pernas do cara e jogar o corpo para cima.
O caboclo é humano, pacífico e explode de carinhos, ao entalar uma asa quebrada do jacamim de estimação.
O caboclo é respeitador e, se mexer com a moça alheia, casa logo.
O caboclo é bom de cana, nem cospe, e ainda lambe os beiços depois de empurrar meiota pelo gargalo de uma só vez.
O caboclo é crente, acostumado a rezar, e tufa o peito de fé quando aconselha na ladaínha do padroeiro que "um rosário de Maria / quem rezar com devoção / não morre sem sacramento / nem também sem confissão / assim disse Jesus Cristo / quando encontrou com Adão".
O caboclo é esperto e, se está perdido no mato, bate no tronco da sapopema para ser achado.
O caboclo tem um jeito próprio de assoviar que chama o vento, quando a calmaria no litoral não empurra sua pesqueira para a frente.
O caboclo é objetivo e se vê alguém bestando com uma mulher é capaz de dar como conselho um ..."trepa logo!".
O caboclo é apegado a tudo quanto é crendice e superstição e sempre se deu bem com isso.
O caboclo é arteiro. Acende um cigarro porronca no meio da ventania fazendo uma concha protetora com a mão esquerda, metendo o palito por baixo.
O caboclo tem pronúncia própria e, no embaralhamento sonoro das letras, troca o coeficiente pelo cueficiente.
O caboclo arma poesias sempre enaltecendo suas coisas, como a "cabeça da gurijuba / que é bom pra chuchu / mocotó de caranguejo / este antão abafu / e o trapiche da Vigia / bão! este que não é pitiú".
O caboclo é pávulo e, quando sai de uma festa, gosta de ver sua camisa branca suja de batom vermelho.
O caboclo não tem nada de besta e sabe que o que a mulher gosta, mesmo, é de muito caquiado, no embalar da rede.
O caboclo faz parte da Amazônia. Como o açaí, o boto, o tucunaré e a cobra grande.
Informações do livro:
Título: Amapaisagens
Título: Amapaisagens
Autor: Hélio Pennafort
Editora: Imprensa Oficial Amapá
Ano: 1992Páginas: 81
Tema: Amapá / Contos / Memórias
Um dos primeiros livros publicado no recém criado Estado do Amapá, com
impressões diversas da terra, por Hélio Pennafort, resultantes de
viagens, histórias vividas, causos e informações de suas pesquisas
enquanto jornalista.
Os textos são interessantes pela reconstituição de um cenário e época que foram gradativamente modificados pelo tempo com suas influências e desdobramentos culturais. Observamos isso nas descrições sobre o Oiapoque, Amapá e Calçoene.
Pennafort costuma ser celebrado pelas descrições de cunho ambiental e sociológico, o que se observa em muitos textos do livro, mas essa obra prende-se mais a sua memória afetiva. A maioria das viagens descritas tem um tom aventureiro com ênfase a situações inusitadas relacionadas a vida de boêmia. Particularmente, gostei dos textos mais atentos à história da região, vendo-se uma abordagem jornalística em: "A saga dos brasileiros em Cayenne" (revelador de uma realidade sofrida e corriqueira ainda existente) e "O exército em Oiapoque" (sobre a formação da colônia militar em Clevelândia em um relato sucinto e interessante). Relacionados à Macapá, me chamaram mais atenção: "Revolução no Amapá" (sobre um certo movimento político nos anos 60 em que ocorreu um desencontro entre os governos territorial e federal no estabelecimento da ditadura, vendo-se manobras pelo poder) e "A Banca do Dorimar" (descrição de um cotidiano romântico na cidade que o tempo vai superando com suas imposições).
O livro é marcado e lembrado pelo texto "O caboclo", que traz uma visão poética, cultural e romantizada do caboclo da Amazônia, em uma impressão idílica em muito ultrapassada hoje pela modernidade.
"Amapaisagens" é assim, caracterizado pelo encontro com uma região bonita e rica em histórias.
Os textos são interessantes pela reconstituição de um cenário e época que foram gradativamente modificados pelo tempo com suas influências e desdobramentos culturais. Observamos isso nas descrições sobre o Oiapoque, Amapá e Calçoene.
Pennafort costuma ser celebrado pelas descrições de cunho ambiental e sociológico, o que se observa em muitos textos do livro, mas essa obra prende-se mais a sua memória afetiva. A maioria das viagens descritas tem um tom aventureiro com ênfase a situações inusitadas relacionadas a vida de boêmia. Particularmente, gostei dos textos mais atentos à história da região, vendo-se uma abordagem jornalística em: "A saga dos brasileiros em Cayenne" (revelador de uma realidade sofrida e corriqueira ainda existente) e "O exército em Oiapoque" (sobre a formação da colônia militar em Clevelândia em um relato sucinto e interessante). Relacionados à Macapá, me chamaram mais atenção: "Revolução no Amapá" (sobre um certo movimento político nos anos 60 em que ocorreu um desencontro entre os governos territorial e federal no estabelecimento da ditadura, vendo-se manobras pelo poder) e "A Banca do Dorimar" (descrição de um cotidiano romântico na cidade que o tempo vai superando com suas imposições).
O livro é marcado e lembrado pelo texto "O caboclo", que traz uma visão poética, cultural e romantizada do caboclo da Amazônia, em uma impressão idílica em muito ultrapassada hoje pela modernidade.
"Amapaisagens" é assim, caracterizado pelo encontro com uma região bonita e rica em histórias.
Perfil do Autor e Sumário do livro
Hélio Pennafort faleceu em 2001 e, nesse mesmo ano, foi homenageado
como patrono da Biblioteca SESC Araxá, em Macapá.
Hélio Pennafort faleceu em 2001 e, nesse mesmo ano, foi homenageado
como patrono da Biblioteca SESC Araxá, em Macapá.
Sugestões para pesquisas sobre o autor:
Está disponível para consultas na Biblioteca Pública Elcy Lacerda
(Sala da Literatura do Amapá e da Amazônia)