As postagens desse blog são em caráter informal, de apego ao saber popular, com seu entusiasmo, exageros, ingenuidade, acertos e erros.

sábado, 15 de agosto de 2020

O Leopardo (Lampedusa)


Romance italiano, de grande prestígio naquela nação, como retrato pragmático da decadência aristocrata e ascensão burguesa em fins do século 19. Além do contexto social no recorte temporal, a obra tem inspirações na biografia e experiências de vida do autor, transmitindo bastante veracidade ao retrato histórico.

Dom Fabrizio, Príncipe da Sicília, da "Casa dos Leopardos", é cercado de caracterizações que o destacam no contexto. Na representatividade da nobreza, sua cultura diferenciada fica em paralelo ao meio sem essa caracterização, mesmo em ascensão, como a burguesia; a altura elevada é como se evocasse a elite dominante, que tem nele o último representante de classe opulenta de outros tempos; e a idade avançada, septuagenária, como se denotasse estilo ou classe antiga em contexto que revela-se rejuvenescido por novos modelos e percepções da sociedade.
O romance aborda esses aspectos, no retrato de fim de uma era, com desbotamento da nobreza e projeção da burguesia. 

A história tem como principal atração o texto de Lampedusa, diferenciado, com metáforas curiosas e bonitas. Veja, por exemplo, o primeiro parágrafo do Capítulo II, em idealização sobre esperança, e o Capítulo VII, como em  "átomos do tempo que evadiam do espírito e para sempre o deixavam", em devaneios e digressões poéticas interessantes ao longo do capítulo sobre o príncipe, onde "o fragor do mar aplacou-se de todo". 
Na minha opinião, que é nada de um nada, o texto de Lampedusa transmite a esse romance beleza que a história em si não tem. É o magnetismo da palavra e da história bem contada. Vale muito a apreciação.

Dom Fabrízio faz jus ao reconhecimento como príncipe não só por  título. É um nobre de fato e direito. Porém, mesmo em seu glamour carismático, o autor sutilmente atribui-lhe também aspectos e experiências que denotam um fim a isso, tipo uma desglamourização (se é que essa palavra existe). 
Além do nobre em extinção, destaque para Angélica que, tal qual o príncipe para a nobreza, é metáfora para a burguesia em ascensão, tendo poder, mas aquém da fidalguia de outros tempos do príncipe siciliano. Assim como Tancredi, sobrinho de Fabrizio, que ilustra adaptação e ajustamento entre entre esses dois mundos (nobreza e burguesia), necessária diante de tudo o que o livro retratou e expressa na frase mais conhecida do romance, logo no primeiro capítulo: "se queremos que tudo fique como está é preciso que tudo mude".

Vou encerrar mencionando também personagem pouco lembrado desse livro, mas com algo significativo: Bendicó (se vira aí se não conheces). Vou te contar, não é exagero dizer que o leopardo foi transmutado nele no final, numa metáfora ao envelhecido e empoeirado que é descartado diante dos novos tempos.

Título: O Leopardo
Autor: Lampedusa
Ano de publicação: 1958

Em Macapá a obra pode ser conferida no acervo da 
Biblioteca Pública Elcy Lacerda.