As postagens desse blog são em caráter informal, de apego ao saber popular, com seu entusiasmo, exageros, ingenuidade, acertos e erros.

sexta-feira, 10 de junho de 2016

Quilombolas: reivindicações e judicialização dos conflitos (Vários Autores)

Este terceiro número do Vol. 01 “Caderno de Debates Nova Cartografia Social”, ora apresentado, contém trabalhos discutidos durante a III REA - XII ABANNE, realizada em Boa Vista (RR), na Universidade Federal de Roraima, entre 14 e 17 de agosto de 2011.
Os conflitos sociais que envolvem as comunidades quilombolas são apresentados como inevitáveis, sob a argumentação de que a política, a justiça e as decisões econômicas prevalecentes e “racionais” não estariam no campo da escolha destes agentes sociais. As novas diretrizes econômicas, definidas como “desenvolvimentistas” ou de “protecionismo” e defesa comercial, expressam decisões de curto prazo e de caráter emergencial. A dominação política legitima-se no conflito, assim como opera com base na violência física e simbólica.
Os trabalhos desta coletânea situam-se, portanto, no campo da pesquisa antropológica, focalizando debates em torno do ativismo judicial e das implicações da judicialização da política nas práticas dos antropólogos e contribuindo para que possam emergir novas possibilidades de ações, visando restituir direitos e conduzir a uma análise crítica da violência nos conflitos sociais e das formas de mobilização étnica para combatê-la. (Sinopse na obra)

Informações do livro:  
Título: Quilombolas : reivindicações e judicialização dos conflitos (Cadernos de debates Nova Cartografia Social)
Autores: Vários
Editora: UEA Edições
Ano: 2012
Páginas: 172
Tema: Conflitos Socais / Quilombolas
Não sou leitor rotineiro de literatura acadêmica. Apesar das dificuldades que tenho com o formalismo, não as descarto de minhas buscas. E ainda bem, pois essa publicação foi uma das leituras mais interessantes que fiz esse ano - pelo tema importante de visão limitada em nossa sociedade e pelas histórias que provocam a discussão de aspectos históricos, jurídicos e antropológicos.
Simplificando as coisas, o livro aborda a questão quilombola e as implicações que a cercam. Um dos motivadores da publicação, que descobri parte de uma série que quero continuar a conhecer, é o desconhecimento que há nos processos jurídicos sobre o tema. Os autores ressaltam que a sociedade é influenciada pela mídia de maneira sensacionalista e isso contribui para a estigmatização do tema. A questão acaba associada a conflitos que estimulam uma visão de rejeição e luta interesseira ao ser esvaziada de sua historicidade e real valor para as comunidades. O resultado é a morosidade na tramitação jurídica, que acaba favorecendo arbitrariedades e enfraquecendo as comunidades na concretização de seus direitos, mesmo que sejam amparadas juridicamente. Segundo o texto, as leis que defendem os interesses comunitários (de ribeirinhos, indígenas e quilombolas) nesse contexto tendem a ser manobradas por interesses políticos, do agronegócio, da mineração, das indústrias, do comércio, etc e tal, de carona com a expressão midiática pouco favorável às comunidades. Isso é muito verdadeiro nos dias atuais e, mesmo com conquistas jurídicas, o descumprimento, morosidade e arbitrariedade são ainda rotineiros, como nos oito casos ilustrados no livro.
Algo conclusivo que chamou muito minha atenção diz que nas condições descritas os conflitos serão sempre inevitáveis. Entendi que não é essencialmente uma questão de falta de legislação, mas do cumprimento delas, por todo o jogo de interesse implícito. Impressionante como em pleno século XXI gente morre e sofre como se estivéssemos em tempos de barbárie ou estado sem lei.
Os casos relatados revelam lutas diversas. Impressionam os casos e há a história resgatada de cada comunidade - o porquê e importância dessas lutas (algo que deveria ser conhecido no olhar da sociedade).
Legal e interessante. 
A única coisa que não gostei foi a desinformação no que distingue as duas partes em que o livro está organizado. Cada parte tem a apresentação de quatro estudos de caso e não soube diferenciar o que os organiza desse jeito, já que tudo me parece com o mesmo propósito. Numa literatura de rigor acadêmico esse aspecto foi pouco didático. Se foi explicado, passou em branco em minha leitura. Algo sem importância no contexto de representatividade da obra, mas que gostaria de ter entendido na caracterização metodológica do livro. Vale uma conferida. 
Conheçamos a história do Brasil no nível mais importante, o do valor de seus cidadãos e comunidades. Um passo importante para melhores tempos. 

Estudos de caso:

PRIMEIRA PARTE
- Quilombolas do rio Arari e Gurupá na mira de ações e ameaças de fazendeiro de Cachoeira do Arari 
- A criminalização de negros do norte de Minas: pretos “bandidos” e quilombolas “ladrões de terra e de gado”
- Dossiê dos conflitos e ameaças de morte contra quilombolas do Maranhão
- Conflitos Ambientais Territoriais no Norte de Minas: a resistência das comunidades vazanteiras frente a expropriação dos parques ambientais 

SEGUNDA PARTE
- Quilombolas da comunidade Três Irmãos: reações às perseguições do “coronelismo” no Ceará
- Judicialização do direito ao território: os quilombolas do Forte Príncipe da Beira, Costa Marques, Rondônia
- Situações de conflitos nos quilombos do Sapê do Norte: Direitos Humanos e criminalização
-  Territórios, identidades e direitos entre os Quilombos Urbanos de Belo Horizonte: o caso de Mangueiras

Eita! Esse livro tem bem mais para revelar do que minhas limitadas considerações. 
Ainda bem que está disponível para consultas na
Biblioteca Pública Elcy Lacerda
Sala da Literatura do Amapá e da Amazônia 

Macapá - Bairro Central

Coisa boa também é a coleção  NESSE LINK

segunda-feira, 30 de maio de 2016

À Sombra dos Castanhais (Laíses do Amparo Braga)

Romance paraense, que se mistura com o ambiente do Amapá, sobre a história de uma família de origem ribeirinha no início do século XX. Um retrato da vida nortista em suas expectativas, realidade rotineira, desilusões e realizações. 
A publicação é de 1991, de Laíses do Amparo Braga, tendo como característica mais marcante a história de luta de uma mulher. Ponto exaltado em outras de suas obras e que nesta, apesar da pretensão de protagonismo ao Manduca, não se faz diferente com o carisma de Emiliana, sua filha. Mulher decidida e idealista, que sobressai na cena de maneira mais interessante e cativante ao leitor.


Informações do livro:  
Título: À Sombra dos Castanhais  
Autora: Laíses do Amparo Braga
Editora: Falangola
Ano: 1991
Páginas: 165
Tema: Romance / Pará /Amapá

A obra tem três momentos em minha percepção. O primeiro faz um resgate da história de Manduca como ribeirinho na região do rio Cajari. Vemos a vida familiar interiorana com suas brevidades em construções (trabalho, casamento, descendência) e o cenário dos castanhais na realidade difícil e exploratória, como era comum na região do Jari. Algo que achei muito interessante foi a apresentação do cenário, que é introduzido de maneira idílica, embalando sonhos. A descrição é poética, principalmente nos dois primeiros capítulos, como um convite para conhecer a Amazônia. A partir daí os textos são pragmáticos no desenrolar do livro. A natureza se faz notar em sua mitologia também. Há a descrição da Lenda do rio Cajari e da região do Mazagão em episódios na tradicional Festa de São Tiago. Manduca é um jovem nesse meio com disposições, aprendizagens e oportunidades, sendo uma delas o casamento com a Zefa. 

O segundo momento está na vida familiar na Ilha do Pará, onde há o brotar de sonhos de seus cinco filhos (Deusalinda, Alvina, Emiliana, Dolores e Benvindo) pelos estudos e melhores condições de vida. A passagem é breve, mas significativa sobre a migração de muitos ribeirinhos, especialmente da região das ilhas interioranas, para as cidades. Há também um olhar sobre a cultura madeireira, que por muito tempo foi um dos principais sustentos nessas regiões. Iguais a esta família centenas na região migraram para Macapá, mas esse já será o terceiro momento no livro. Emiliana se faz notar e traz para si o protagonismo por seus sonhos e vontades incontidas. 

O terceiro momento, como já enunciado, é a vinda da família para Macapá, no recém-criado Território do Amapá, chamada de cidadezinha na obra e, ressalte-se, exatamente no período de criação territorial (1943). Havia expectativas grandes e oportunidades que se apresentavam especialmente por Macapá caminhar para se torna a capital - algo consumado no ano seguinte. A história se desenrola em uma passagem grande de tempo, cerca de quatro décadas, onde as personagens do pequeno núcleo familiar constroem suas vidas. As oportunidades chegam em diferentes contrastes, unindo mais ou separando-os. A transformação em Manduca é melancólica e reflete sobre escolhas pessoais.

É uma obra que tem pretensão de retrato de época, sem excentricidades, e é interessante por esse contexto de pseudorrealidade. Nada extraordinário, mas reconhecível em seus dramas. Essa foi uma releitura que fiz. A primeira foi em 1992 quando o romance foi indicado como literatura de consulta no Vestibular que prestei na UNIFAP. Eita! E lá se foram muitos anos à sombra dos castanhais...

É uma descrição limitada e pessoal da obra. 
Para sua consulta e avaliação, está disponível na
Biblioteca Pública Elcy Lacerda
Sala da Literatura do Amapá e da Amazônia
 
Macapá - Bairro Central

segunda-feira, 9 de maio de 2016

As aventuras de Daniel Berg na selva amazônica (Marta Doreto de Andrade)

Biografia de Daniel Berg adaptada para a Literatura Infantojuvenil, sobre sua ação missionária na Amazônia, principalmente na região do Marajó, nas primeiras décadas do Século XX. A obra é também um resgate e valorização da história da Igreja Assembleia de Deus, da qual Daniel Berg foi um dos fundadores com Gunnar Vingren em 1911.
O missionário sueco percorreu os interiores da Amazônia levando sempre uma certa quantidade de Bíblias que, até então, eram um artigo de luxo para a maioria em seu manuseio e leitura. Dos eventuais encontros com crianças, a autora - Marta Doreto de Andrade - criou o cenário para o desenvolvimento do livro, onde Berg, instigado pela curiosidade infantil, conta um pouco de suas viagens e propósitos, direcionando sempre para o evangelismo.
Um livro muito interessante, com capítulos curtos e de fácil entendimento, ficando sempre (falo por minha leitura) um desejo de conhecer mais desses relatos, que impressionam e vivificam a fé.
Em referência aos aspectos que chamaram minha atenção, cito as histórias ocorridas em Quatipuru (com perseguições, livramento e perseverança), a mensagem pentecostal pregada (alvo de críticas e difamação da igreja desde o início), 
a conversão do dono de um bar, a cura de uma idosa à beira da morte e o livramento de feras.
O ponto alto mesmo, e sempre mais emocionante, refere-se à anunciação e aceitação do Evangelho. Algo tocante ao conhecermos a trajetória árdua, sofrida e com barreiras desestimulantes para essa realização. Uma história que deixou marcas na Amazônia e anunciou a mensagem de Cristo para milhares de vidas. Interessante para crianças, jovens e adultos.

Marta Doreto de Andrade é professora de crianças, comentarista de revistas de Escola Dominical na área infantil e autora de livros editados pela CPAD.

Daniel Berg (1884-1963) foi um missionário evangelista pentecostal sueco que atuou na Amazônia e Nordeste. Juntamente com Gunnar Vingren iniciou o movimento pentecostal brasileiro  que deu origem à Igreja Evangélica Assembleia de Deus, em Belém do Pará (1911). 

Informações do livro: 
Título: As aventuras de Daniel Berg na selva amazônica
Autora: Marta Doreto de Andrade
Editora: CPAD
Ano: 2009
Páginas: 184

ISBN: 978-85-263-0986-9
Tema: Biografia / Daniel Berg / Infantojuvenil / Amazônia

"Então, Jesus aproximou-se deles e disse: "Foi-me dada toda a autoridade nos céus e na terra. Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu ordenei a vocês. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos".
Mateus 28:18-20

terça-feira, 26 de abril de 2016

A Margem esquerda do Amazonas - Macapá (Amiraldo Bezerra)

O Amapá tem algo singular em sua produção literária, grande parte das obras estão na categoria de poesia ou contos. Sinto falta da prosa, de romances que sejam conhecidos regionalmente pela identidade marcante e reconhecível ao Estado. As iniciativas nesse campo são poucas e, invariavelmente, desconhecidas até mesmo da maior parte da população amapaense. Lamentável que se inclua nisso nossas escolas.  Ainda assim, encontramos algumas obras que tem sua relevância e aspectos interessantes para serem conhecidos. Quer comprovar? Vamos conhecer então mais uma delas. Simbora!


Ah, o livro da vez é A margem esquerda do Amazonas - Macapá, do Amiraldo Bezerra, publicado em 2008. Como será, hein? 
A obra é repleta de histórias e causos da antiga Macapá. Amiraldo construiu uma crônica de costumes de época, tornando-se a principal testemunha. Registrou a maneira pela qual as pessoas sentiam e se relacionavam, seus costumes no período de criação da cidade, comportamentos e tipos sociais, que com o tempo foram esquecidos. Escreve como se falava, mantém a gíria, o jeito de falar. Saudoso, às vezes critica, às vezes ironiza. Com o seu livro, Amiraldo não nos deixa morrer
Poxa! Bacana e instigante essa apresentação, mas não são palavras minhas. Dei uma colada básica do que o escritor Leão Zagury escreveu sobre ela. Foi o bastante para despertar minha busca.

Informações do livro: 
Título: A Margem esquerda do Amazonas - Macapá
Autor: Amiraldo Bezerra
Editora: Premius
Ano: 2008
Páginas: 272
ISBN: 978-85-7564-420-1
Tema: Amapá / Romance

Gosto de associar as leituras, quando possível, a um momento ou tema favorável e assim, por ocasião do aniversário de minha cidade fiquei entusiasmado para a leitura dessa obra. É um romance urbano narrado em primeira pessoa com ambientação em Macapá (está claro na capa, ô pateta!). É, mas não se trata dos tempos atuais, o romance nos remete aos anos sessenta (mora, bicho!), onde o autor misturou lembranças e experiências, embalado por certos aspectos reais, para contar a história de Rui e Virna.
Imaginamos sempre a cidade em um contexto de vilarejo e pouco desenvolvimento em seu início como capital, onde a maioria da população vive em condições muito humildes (o que historicamente está correto), mas o autor, destoando um pouco disso, optou por apresentar a história de jovens com famílias bem sucedidas e frequentadoras da alta sociedade. É o que vamos encontrar no romance, com o relato do cotidiano de uma vida burguesa que, em certos aspectos, foi a realidade de alguns. Há um detalhamento interessante em ambições e costumes dessa vida social para o leitor mais atento.
A personagem principal, Rui, tem dois momentos: a trajetória de sucesso de sua família (que teve início nesta cidade semelhante ao de muitos migrantes de ilhas paraenses - um retrato de época - mas com oportunidades de trabalho que foram bem sucedidas) e seu romance com Virna (trama com surpresas, reproduzindo o pensamento daquela juventude em busca de afirmação e quebra de tradições).
Interessante também que o autor, no início do livro, reúne uma série de causos e histórias da cidade que familiarizam o leitor àquela época. Boa introdução para o romance. Não sei qual o limite da ficção e realidade, mas são histórias ora curiosas, ora divertidíssimas. 

 
Caixa de Cebola, o primeiro ônibus de Macapá.
Fonte: porta-retrato-ap.blogspot.com

Ri muito com o causo do antológico e famigerado Caixa de Cebola, o primeiro ônibus de Macapá. Será verdade aquela patacoada que ocorria em relação aos sa... Ah, mas não vou te contar, mesmo! Lendas urbanas (ou será que não?) para uma boa leitura. 
A cidade e a sociedade de época se revelam em muitas coisas, em realidade e ficção. Tem aspectos curiosos que já ouvi falar, como uma madeireira na Ilha de Santana ou um bordel lá no final da rua Leopoldo Machado. Famoso em seu tempo.
 
E assim temos aí mais um belo livro. Um romance de agradável leitura, com pitadas de interessantes descobertas da morena cidade A MARGEM ESQUERDA DO AMAZONAS.


Aí vem os papos de sempre. Não custa lembrar...
A obra pode ser consultada no acervo da 
 Biblioteca Pública Elcy Lacerda
Sala da Literatura do Amapá e da Amazônia
 
Macapá - Bairro Central

terça-feira, 19 de abril de 2016

Por dentro das Amazônias (Nilson Moulin)

Uma viagem pela Amazônia! É o que propõem essa obra, que une um texto informal, ricamente ilustrado, com aspectos curiosos da história, geografia, sociologia e meio ambiente da região. Posso dizer que é daquelas que estimula leitura de única vez, pois assim foi a minha relação com a obra.
Nela, o leitor terá acesso a acontecimentos importantes, como: a invasão estrangeira no início do século XVI; os ciclos da borracha, gado, ouro em Serra Pelada, ferro, etc; as tentativas de levar o desenvolvimento através de projetos faraônicos (Ferrovia Mad Maria e Rodovia Transamazônica) e as lutas pela preservação da floresta, dando-se ênfase ao desenvolvimento sustentável. Além de curiosidades da floresta expressas em seus animais, frutos, tribos indígenas e outras peculiaridades mostradas em diferentes olhares. 
Nas últimas página, o leitor encontrará uma relação de notas sobre a Amazônia, onde poderá aprender de forma mais aprofundada sobre a história da região, sua biodiversidade, gestão ambiental, miscigenação e outros pontos.

O autor, Nilson Moulin, é um capixaba que tive oportunidade de conhecer em um evento em Macapá, Expofeira 2012, onde despertou uma curiosidade flamejante com a apresentação do livro.  

Informações do livro:
Título: Por dentro das Amazônias
Autor: Nilson Moulin
Editora: Studio Nobel
Ano: 2008
Páginas: 96
Tema: Amazônia / Geografia / História / Meio Ambiente
  
Entre as ilustrações tenho predileção por aquelas específicas de meu Amapá.  
Separei algumas:

Guarás (Eudocimus ruber), manguezal na costa do Amapá/AP
Foto: Haroldo Palo Jr (página 21)
Já vi isso de perto uma única vez, na Praia do Goiabal, uma das mais curiosas do Amapá, cuja maré vazante alcança quilômetros (algo que já seduziu mortalmente alguns que se aventuraram a explorá-la sem maiores cuidados); 

Sala de aula bilíngue na Aldeia do Manga (etnia Karipuna), no Oiapoque/AP. 
As crianças iniciam com a língua materna e mais tarde é introduzido o português.
Foto: Lux Vidal (página 13)
Passei por essa aldeia em 2009 e conheci uma escola indígena a três horas de voadeira dessa localidade, na Aldeia Kumarumã. Foi uma das viagens mais espetaculares que já fiz, tendo oportunidade de contemplar um dos maiores espetáculos naturais, a revoada de ciganas (Opisthocomus hoazin) nos aningais pela manhã. Lembro com encanto de centenas de aves douradas cercando-nos no estreito e conservadíssimo rio, no aningal. Uma imagem daquelas seria valorosa nessa obra. Minha tristeza é não ter registrado também, pois esperava fazer isso no retorno da aldeia e descobri que elas saem nos aningais apenas pela manhã. Fiquei curtindo a novidade do momento, esperando registrar no regresso (que lástima!). Eram tantas, que passavam voando a poucos palmos de nossa cabeça e, às vezes, faziam manobras bruscas para não se chocar com a embarcação. Aquelas aves pareciam encantadas e, numa comparação idiota de minha parte, mas para instigar a criançada, pareciam uns pokémons! Essas aves são míticas e raras, pois tem dedos na ponta das asas quando são filhotes, parecendo uma ave pré-histórica. Eita! E eu perdi a chance de fotografar...

Forte Príncipe da Beira, rio Guaporé, Rondônia/RO
Foto: Ricardo Cavalcanti (página 11)
Citando outras imagens, gostei do Forte em Rondônia pela similaridade incrível com a Fortaleza de São José de Macapá. Entretanto, o nosso é maior, mais bonito, mais imponente e mais conservado (ufanismo amapaense!);

Parque Nacional da Neblina, Serra do Padre no Estado do Amazonas, 
fronteira com a Venezuela. Foto: Ricardo Cavalcanti (página 8)
A que me pareceu mais impressionante foi essa, mostrando a Amazônia em seu esplendor florestal, como é mais conhecida e imaginada.
 

Entre as informações de cunho diverso, é bom ser esclarecido sobre a realidade amazônida. O livro aborda pontos como:
- A terra não é fértil e o que garante a exuberância florestal é sua cobertura vegetal em ciclos de reaproveitamento dos resíduos;
- Não é uma terra homogênea como se idealiza em uma infindável floresta. Existem diferentes ecossistemas (várzeas, igapós, cerrados, campos abertos, florestas densas e florestas montanhosas) com variação em clima, fauna e flora;
- A região é habitada por cerca de 25 milhões de pessoas tendo que desenvolver atividades de renda. O ideal é a aplicação da sustentabilidade na relação ambiental, mas os interesses, principalmente de fora da região, a tem destruído de maneira irracional e predatória. Exemplificando com duas culturas que podem se tornar altamente predatórias por aqui, sem o manejo adequado: o plantio de soja (que requer grandes extensões para cultivo a custo da derrubada florestal) e a bubalinocultura (que costuma trazer muitos prejuízos ao meio ambiente, como o impacto que vem ocorrendo na foz do Araguari, onde se vê a criação de novos canais, e o pisoteio e destruição da cobertura ciliar - fatores agravantes ao que o rio vem sofrendo pelo descaso ambiental).  Blasfêmia permitir a entrada e proliferação deles na região de lagos do Amapá, principalmente na REBIO Piratuba. Por conta disso, os novos canais tem levado água salobra da costa para os lagos, causando desequilíbrio ambiental. Esse bichos deveriam ser retirados dali urgentemente.

Pororoca no rio Araguari. Foto: J. R. Couto (página 57)
A pororoca como é enaltecida nem mais existe no rio Araguari, por conta de manejo inadequado das criações de búfalos e, principalmente, pela construção de três hidrelétricas

Finalizando as observações, é uma região onde há um paralelo de riqueza e pobreza. Cada pirata por aqui de olho e mão grande em nossas riquezas... As seringueiras foram levadas para a Malásia, que se tornou o líder da extração do látex, e a pouco tempo os japas tentaram patentear o cupuaçu. Exemplos assim existem muitos. Não duvido que o açaí e a castanha-do-brasil já estejam dissseminados por aí. Te cuida Pará! (atual líder desse extrativismo).
 

Nas informações de cunho histórico, gostei das citações à Mad Maria, a famigerada estrada de ferro que ceifou a vida de muitos pelo interesse de poucos. Teve trabalhadores de quase 40 países e foi desativada em 1972.

Eu não disse que tem muita coisa interessante! Algumas eu até contesto pelo desapego com a veracidade amazônida. Que negócio é esse de 'harpia' na página 24 e 'sapo-grande' na página 26? Oras! É 'gavião-real' e 'sapo-cururu'. Aprendeu aí? Então, tá!)


Por essas e outras é uma bela e curiosa obra. 
Só a polpa do açaí, sumano!

Já sabe, né! A obra está no acervo da
 Biblioteca Pública Elcy Lacerda
Sala da Literatura do Amapá e da Amazônia
Macapá - Bairro Central

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Chão Cametaense (Victor Tamer)

Em 1985 tivemos o marco de 150 anos do início da Cabanagem (movimento revolucionário de ideais libertários, ocorrido no Pará).
A data foi marcada por lembranças sobre o movimento em dois aspectos. Houve celebrações (como a publicação da obra "Cabanagem, a revolução popular da Amazônia", de Pasquale Di Paolo, 1985); e resgate de histórias de rejeição aos cabanos (como a resistência da cidade de Cametá, que atribuiu ao movimento uma conotação subversiva e violenta, tendo embates em luta armada). Esse segundo aspecto foi tema de um discurso de Victor Tamer naquele ano, no Instituto Histórico e Geográfico do Pará, ressaltando a história de Cametá e seu nacionalismo anticabano, exaltado até hoje em episódios que ideologicamente dão uma conotação de bravura e união do povo.
O discurso de Victor Tamer, realizado no contexto da semana de celebração dos 150 anos da Cabanagem, é o tema dessa publicação de 1987, que o conserva (creio eu) em sua totalidade (ou quase isso) e pode ser analisado em três partes, como está destacado no livro. Ressalte-se que o orador é cidadão ilustre de Cametá e fez parte da Academia Paraense de letras.

O texto tem visão conservadora, é pejorativo em alguns momentos e ideologicamente efusivo na referência à Cametá, por suas origens e lutas. 

A primeira parte mostra a história da localidade, referenciando vários pontos, como:
- A existência da nação indígena dos Camutás na região do rio Tocantins do século XVII (inspiração ao nome da cidade);
- O primeiro contato de um europeu com essa nação indígena (através do conquistador e governador francês no Maranhão, em 1613, Daniel de La Touche);
- O estabelecimento de missões de catequese na região (que na exposição do orador deram origem a ocupação estrangeira em 1617, com destaque nessa fase a ação do frei Cristóvão de São José);
- A fundação oficial da Vila Viçosa de Santa Cruz de Cametá (em 1635, através do governador Francisco Coelho de Carvalho, capitão general do Maranhão e Grão-Pará).

Alguns episódios de conotação ufanista foram também relatados:
- A passagem do Padre Antonio Vieira (que é enaltecido como santo); 
- A organização de uma expedição por Pedro Teixeira em 1637 (que arregimentou, entre outras coisas, vários indígenas e conquistou - 'tomou' - e expandiu os limites da região e do Brasil);
- A mudança da localização da vila por questões de segurança relacionadas ao tipo de solo e erosão passível, em 1702 (a nova sede foi oficializada pela Câmara Municipal em 1713); 
- A citação de dois momentos de epidemias na história da região, sugestionando a força e resiliência do povo (varíola em1662 e cólera em 1855); 
- A elevação da vila à categoria cidade em 1848 (enfatizando-se a sociedade desenvolvida e culta nas palavras do orador); 
- E o que é mais celebrado, referente a resistência anti-Cabanagem em 1835. Esse aspecto é valorizado em histórias que reforçam feitos legendários (como o florescimento de uma sumaumeira na estaca que foi usada na cerca de defesa da cidade, que brotou e existiu por 126 anos - o fato é verdadeiro, mas é evidente que foi aproveitado como propaganda ideológica)
Essa é a primeira parte, que achei mais interessante. 

Estou supondo que as outras partes são continuações, pois a obra, com todo respeito a sua representatividade, está muito mal editada. 

A segunda parte fala da Cabanagem em si e tem tem conotação pejorativa. 
- O autor ressalta uma concepção de apego à justiça e harmonia pacata existente na cidade; 
- Resgata um ponto histórico e importante na inspiração dos cabanos, que ficou conhecido como "Massacre do Palhaço". A história de cidadãos descontentes e revoltosos do Pará, cruelmente assassinados nos porões de um navio em 1832, por ordem do mercenário inglês Greenfeel - aliado dos governo do Brasil (responsável também por ações violentas em Cametá); 
- E que esses episódios provocaram descontentamento e mobilização entre os cametaenses (citados por Victor Tamer como as raízes da Cabanagem);
- O movimento explodiu em 1835 e o orador finaliza essa parte com episódios de violência em Belém. 

A terceira parte (se de fato é...) valoriza a história de Cametá anti-Cabanagem, onde a principal figura é o padre Prudêncio das Mercês Tavares, que atuou como líder espiritual, civil e militar na região. Não se mostram muitos detalhes além da construção da cerca na luta de resistência, e o lado sanguinários está apenas com a "desvairada rebelião", que terminou na heroica ação do general pró-império Francisco José de Souza Soares Andréa. 

Olha! Essas são observações que retirei do que o livro concebe.  

A história é muitas vezes como um vaso de barro que se molda a seu gosto e as concepções restringem-se comumente a uma ideologia estrategicamente construída. A Cabanagem teve episódios sangrentos, frutos de uma desarmonia por falta de liderança melhor preparada (como o clero negou com sua não adesão, disfarçada em muitos falsos conceitos, como um nacionalismo hipócrita), o general Andréa teve ação genocida na Amazônia em histórias terríveis; o padre Prudêncio comandou eventos de vingança e foi mentor de mortes violentas; o governo da Regência de Feijó fez planos de unir forças com franceses e ingleses para extermínio maior na região amazônica; o Padre Antônio Vieira manobrou muita coisa na Europa e Brasil para favorecer seu zelo e regalias nas missões (como a libertação dos indígenas do jugo da escravidão a custo da sugestão da escravatura dos africanos); entre outras coisas que a História permite discutir, aceitar ou discordar. 

Informações do livro: 
Título: Chão Cametaense
Autor: Victor Tamer
Editora: Edição do Autor
Ano: 1987 
Páginas: 30 
Tema: Discurso / Cabanagem / História / Pará / Amazônia

Foram as coisas que me instigaram na leitura. Não concordas? É positivo. Quero aprender também. Pegue o livro, faça sua leitura e tenha suas conclusões. Posicione-se. Leia, busque, estude.

A obra está no acervo da
 Biblioteca Pública Elcy Lacerda
Sala da Literatura do Amapá e da Amazônia 
Macapá - Bairro Central