As postagens desse blog são em caráter informal, de apego ao saber popular, com seu entusiasmo, exageros, ingenuidade, acertos e erros.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Primeira Essência (Aline Barros)


"Eu, porém, cantarei a tua força; 
pela manhã louvarei com alegria a tua misericórdia;
 porquanto tu foste o meu alto refúgio, 
e proteção no dia da minha angústia."
Salmos 59:16


Estou no meu jardim
Tranquei a porta, abri meu coração
Reguei minhas raízes com minhas lágrimas
Gotas de adoração

Senhor, não quero que os meus olhos
Percam o brilho do primeiro amor, por ti
Não quero que em mim se perca
O desejo de te adorar

Vem, Senhor, e me resgata todos os dias
Só pra te adorar
Quero ser teu bom perfume, primeira essência
Jardim particular

Te adoro, te adoro
Vem sobre mim, Senhor
Vem sobre mim, Senhor
Vem sobre mim, Senhor
Vem sobre mim, Senhor
Te adoro, te adoro

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

O Doutor das Calçadas (César Bernardo de Souza)


É uma obra politizada, que aborda a questão do menor abandonado, vendo-se considerações importantes para reflexão e estímulos à assistência social, em um conto protagonizado por Tista e Amaro. O primeiro representa um menino nascido em Macapá, que se torna órfão e menor abandonado nas ruas de Belém. O outro é um professor despertado pela questão social, voltando sua atenção para o menino e seus dramas diários, em um acompanhamento desse cotidiano como morador de rua também.
A história se passa entre o final dos anos oitenta e início da década de noventa, em um momento real de discussão e formulação de políticas voltadas à assistência infantojuvenil, como a CPI do Menor e do Adolescente, que se instalou no Congresso Nacional em 1992, tendo como relatora uma deputada amapaense. Inspirações para a obra, escrita também nesse período e publicada em 2015.
A discussão provocada é essencial para a sociedade. Reconheço principalmente por ter trabalhado cinco anos em um abrigo da FCRIA (Fundação da Criança e do Adolescente) e ter me deparado com uma realidade alarmante e dramática como na abordagem a Tista.
O tema é merecedor de toda atenção. Um aspecto, porém, que a obra não me trouxe entusiasmo, refere-se a uma certa descontinuidade no conto. Em um primeiro momento é detalhado e a história flui de maneira instigante, em uma ilustração muito coerente com a realidade. O autor mergulha depois em um texto extremamente dissertativo e alguns fatos se desdobram sem explicações e sem o mesmo nível de descrição anterior. O menino é abandonado pela família adotiva em Macapá e depois surge nas ruas de Belém; o carisma diferencial de Tista que impressiona o olhar de Amaro não é traduzido em ações para empatia e compreensão do fato pelo leitor também; e a história perde um pouco da coerência com um discurso final muito eloquente na voz do menino, a essa altura, mais reconhecível como um demagógico político do que com o carente menino das ruas.
Lembrando minha experiência na FCRIA, às vezes, muitos impactos e aprendizagem são maiores na simples observação, como o convívio me proporcionou na época e como Tista tinha e tem a mostrar na realidade que vemos nas ruas.
São considerações que não omito, pelo respeito e admiração ao autor, que são irrelevantes na minha singela opinião e, principalmente, diante do tema e discussão provocada. A obra está disponível para consultas na Biblioteca Pública Elcy Lacerda.

Título: O Doutor das Calçadas
Autor: César Bernardo de Souza
Editora:
Tarso
Ano: 2015
Páginas: 132
Tema:
Contos/Amapá/Sociedade

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Biblioteca Pública Elcy Lacerda
Sala da Literatura do Amapá e da Amazônia 
Macapá - Bairro Central

sábado, 13 de fevereiro de 2016

A volta por cima (Wilson Tadeu)

"A volta por cima", de Wilson Tadeu, é, de certa forma, o contraponto ao artigo de jornal "A volta por baixo", em que o órgão de imprensa do Sul procurava desmerecer o Estado do Amapá e José Sarney no processo eleitoral que culminou em sua eleição ao Senado Federal em 1990. O autor traz uma visão jornalística dessa trajetória.
(Apresentação do livro)

A obra busca a valorização da história regional, com a premissa de descobertas interessantes e importantes em páginas esquecidas na sociedade, tendo um discurso de aprendizagem e inspiração para a atualidade. Nessa proposta, inicia com três textos instigantes sobre o Amapá:
 
"O descobrimento do Amazonas em 1499" faz referências a expedição de Américo Vespúcio, que passou pela costa amapaense e registrou o fato em uma carta a Lorenzo di Pier Francesco de Médice (documento guardado na Biblioteca Pública de Nova Iorque), sugestionando a descoberta do Brasil pelo litoral amapaense. E a história do descobrimento se repetiu também com Vicente Pinzon, que teria feito expedição no mesmo litoral em janeiro de 1500. Não é surpreendente que o Amapá poderia, de fato e direito, ser considerado o primeiro ponto de avistamento das terras brasileiras! Enfim, os navegadores eram espanhóis e a pompa ficou para o português Cabral em sua mega e badalada expedição.  
"Um brasileiro não se rende a bandidos" é um texto descrito com entusiasmo heroico sobre Cabralzinho. Mostra uma visão geral dos fatos segundo a história formal. Surpreendente também o grau de esquecimento nacional sobre o episódio, pois Cabralzinho deveria figurar entre os grandes vultos brasileiros, por sua história e eventos impactantes. Divagando um pouco, não sei como o cinema nacional não descobriu ainda os episódios ocorridos em Amapá, que colocaram frente a frente brasileiros e um exército francês em um dos mais sangrentos e lamentáveis embate nas fronteiras. Trágico, heroico e fundamental para o estabelecimento da soberania nacional na região. Resguardando-se a importância e contexto, mais eloquente e de maior participação popular que o de Tiradentes. Imagina o capitão Lunier levando um rabo-de-arraia do baixinho invocado, bom de capoeira, Veiga Cabral...
 
"Somos todos hermanos" aborda a passagem do presidente argentino, Juan Domingo Perón, em 1955, pela base aérea no Amapá, quando estava a caminho do exílio.
 
Esses foram os aspectos que gostei na obra. Os textos são sucintos e interessantes, mesmo que tenham sido apenas ilustrações para as pretensões do autor.

O fato mais relevante e inspirador a Wilson Tadeu refere-se à visão jornalística da vinda e estabelecimento de José Sarney no cenário político amapaense. Fato que se concretizou em 1990, quando teve seu primeiro mandato como senador, recebendo a expressiva aprovação eleitoral de 72%, o maior percentual em todo o território nacional.
Não sou entusiasta sobre a vida política de qualquer indivíduo e meu olhar foi apenas aos fatos referentes a essa trajetória. O livro cita coisas como: a amizade com o governador Jorge Nova da Costa (não são parentes também?); a visita ao Amapá em 1986 (por conta disso, Dona Venina, do Marabaixo, foi citada em um discurso nacional sobre os rumos no Brasil, mas isso é outra história); a transcrição do discurso que fez no município de Oiapoque (naquela ocasião) e outros aspectos políticos dessa fase.
O título refere-se a contrapartida à um artigo publicado por um grande jornal no início dos anos 90, que trazia uma imagem pejorativa com o título de "A volta por baixo". Um texto depreciativo e partidário.
O autor traz também uma visão geral do governo de Jorge Nova da Costa, incluindo sua carta diante do afastamento forçado de seu mandato por manobras políticas.
A obra se apresenta com visão jornalística, mas percebemos uma valorização ideológica também. Citar a visita do Sarney em 1986 como a primeira oficial de um presidente brasileiro ao Amapá é uma valorização equivocada em detrimento de páginas da história que mostram passagens anteriores dos presidentes JK, Castelo Branco e Geisel, por exemplo. 
Essa "trajetória", em sua origem, tem seus registros, de entendimento apreciável ou não, assim como revelador ou escuso. Meu olhar é pela história em si, indiscutivelmente importante e, sem qualquer apego ou desapego, é apenas uma descrição do livro. Para consultas,  percepções e opiniões próprias, está disponível na Biblioteca Pública Elcy Lacerda

Título: A volta por cima
Autor: Wilson Tadeu
Editora:
CEJUP
Ano: 2001
Páginas: 135
Tema:
Amapá/História/Política

Biblioteca Pública Elcy Lacerda
Sala da Literatura do Amapá e da Amazônia 
Macapá - Bairro Central

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Raízes Submersas - Fatos e Relatos (Raimundo Donato dos Santos)

Gente boa, olha aí mais uma obra da Literatura Amapaense para apreciação e descobertas! Um livro de memórias, de Raimundo Donato dos Santos, destacando acontecimentos marcantes de sua existência, em um cenário em que vemos fatos da história e da cultura amapaense.

Título: Raízes Submersas - Fatos e Relatos
Autor: Raimundo Donato dos Santos
Editora:
W. Books Comunicações
Ano: 2009
Páginas: 252
Tema: Biografia/História/Amapá




Descrição do autor:

"Através deste livro tenho exposto convincentes e comoventes fatos da minha atribulada história como indivíduo; ignorante a respeito de toda complexidade e funcionamento do meu ser, porém, liberto e salvo por nosso Senhor Jesus Cristo.
Raízes Submersas, portanto, tem a ver com a evocação de uma herança autobiográfica, entrelaçada com acontecimentos que permaneceram por muitos anos na obscuridade do meu subconsciente, e que tão somente agora me propus a trazer a superfície."

(RAIMUNDO DONATO DOS SANTOS)


Registro no SKOOB:

Afinal, o que me trouxe a esse livro? Até o momento, em minhas percepções, a autobiografia de um ilustre desconhecido.
Questionamento válido ao leitor e, na minha experimentação, respondido no contato inicial. A obra tem características que valorizam a leitura, tornando-a instigante e prazerosa. Obviamente, dependendo da empatia e identificação do leitor.

Raimundo Donato dos Santos tem um texto objetivo, de fácil assimilação, minucioso em suas descrições, e com uma beleza singela em que se observa entusiasmo, apego à terra e um desejo de contribuição. Pontos que despertaram minha leitura.
O autor é amapaense, nascido no vilarejo de Tucumã, município de Amapá, em 1933, e foi professor no Território Federal do Amapá.

A descrição do cotidiano nas impressões de um menino, passando pelo folclore, observação do homem no interior, com situações peculiares e histórias inusitadas, foram elementos que me despertaram. Gosto dessas visualizações, que me fazem pensar também em minhas origens. A identificação é válida para a maioria das famílias amapaenses.
Donato é didático no jeito de escrever e as fases de sua vida são relacionadas com o ano. Podemos encarar a obra como o relato de um pioneiro e vislumbrar nisso páginas antigas do Amapá.
Não sem razão a questão cultural de lendas e mitos era tão forte naquele meio - rústico e com ares misteriosos. Imagino isso ao me deparar com histórias de jacaré atacando na canoa, de gente desaparecendo no mato, sucuri gigante, o menino testemunhando a chegada de um Zepelim e outras coisas que soam familiares nas narrações de nossos avós. Esse cotidiano me fascina e foi legal saciar algo disso na leitura.

Outro aspecto interessante é a testemunho do crescimento de Macapá. Donato se estabeleceu na jovem capital na década de 1940. O autor traz relatos curiosos da cidade, falando da formação e características iniciais de ruas, escolas e outros aspectos.
Pode-se observar a história em seus fatos mais marcantes, mas aprecio o cotidiano que invariavelmente se perde nas lembranças, seja no trapiche Eliezer Levy, na Escola Industrial, na Exposição de Animais na Fazendinha e por aí. Melhor dizendo, na Macapá da memória de um cidadão que se tornou também professor pioneiro no Território Federal do Amapá. Elas me revelaram, por exemplo, que a antiga Escola Industrial foi inaugurada em 1949 e seu primeiro nome foi Escola Profissional Getúlio Vargas.
Algo dessa fase que projetou muito minha imaginação foi a história de uma onça, sussuarana, surgida dos matagais circundantes da cidade, sendo abatida a tiro da Fortaleza. Dá para imaginar a cena? Ou de uma tal Maria Viralata que saiu do caixão? O da confusão no Cine Territorial no dia em que pareceu querer desabar na cabeça do povo? O menino selvagem descoberto na Ilha de Santana... Eita! Esse inusitado diverte-me bastante. Descrições talvez exageradas, mas em conformidade com o que circulou.

Um terceiro aspecto na obra refere-se a fé do autor, evangélica. Ao longo da leitura há referências a ela, com citações bíblicas em determinadas situações e o testemunho da conversão a Cristo - que o livro valoriza e se detém nos capítulos finais. Donato foi membro da Igreja dos Irmãos, Batista e Assembleia de Deus, relatando um pouco de sua vida na igreja.
Boa surpresa foi descobrir a referência, mesmo mínima, de um parente meu da Igreja dos Irmãos. Tio Nelson congregou aí e é citado entusiasticamente na construção do templo no Pacoval, como bom pedreiro que era. A Igreja dos Irmãos tem uma certa importância em minha vida, pois Tio Nelson Castelo levava minha mãe, menina, para a Escola Bíblica Dominical e isso foi importante nos valores que ela transmitiu aos filhos. Fomos católicos romanos assíduos, porém, minha mãe discordava de algumas práticas tradicionais e nos ensinava. Hoje sei onde aprendeu e somos evangélicos. Outra pessoa que o autor cita é o pastor Eulálio, também da Igreja dos Irmãos. Tive oportunidade de conhece-lo há dois anos, quando gentilmente me recebeu em sua residência. Ele semeou também o evangelho em visitas a minha família, na casa de meus avós. Aspectos que só interessam a mim, mas que valorizaram ainda mais minha leitura e apego a obra.

Por essas e outras, "Raízes Submersas" revelou-se instigante, prazeroso e revelador do que aprecio. É uma autobiografia em que Donato mergulha em suas raízes, sua história, e traz um pouco de suas experimentações, descobertas e testemunho enquanto cidadão amapaense e cristão.


Sugestão para consultas:
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Ah, sim! Não esqueça!
A obra está disponível para consultas no acervo da
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terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

O homem da fronteira (Ruy Guarany Neves)

"Os dados históricos que constam da presente obra, representam apenas uma pequena parte do que existe sobre Clevelândia, nos arquivos públicos de Belém e Belo Horizonte. O romance está baseado em fatos que marcaram época, onde a ficção e o real, o profano e a religiosidade, deixaram o registro de um legado de história e cultura de um povo, que de uma forma ou de outra, aceitou o desafio de conviver com a alegria e a tristeza, o otimismo e a frustração, sem no entanto se deixar vencer pelo desânimo. A semente do desenvolvimento plantada no passado, projetou Oiapoque à condição de Município próspero, onde o povo se sente orgulhoso em contribuir para a guarda da fronteira do Brasil."  Ruy Guarany (Trecho do livro)



A obra valoriza Oiapoque com aspectos interessantes e desconhecidos por muitos. Foi publicada em 2005 e tem um olhar de investigação histórica e cultural com ênfase a Clevelândia.

Registro no SKOOB

As histórias, tradições e contrastes encontrados em cada lugar, contados pelos filhos da terra, são obras que seduzem e despertam a leitura. Portais muitas vezes únicos para surpreendentes descobertas. "O homem da fronteira", de Ruy Guarany Neves, tem esse perfil, com a exaltação ao Oiapoque.
O autor faz um passeio pela região de Clevelândia do Norte resgatando um pouco de sua história desde o século XIX - como área de disputa internacional, posteriormente colônia penal e área militarizada. 
Nesse resgate, vemos os conflitos pela busca de riquezas, histórias dos prisioneiros políticos e a exaltação da bravura pelo povoamento da região. A localidade também foi conhecida como Inferno Verde por ter sido um calvário e destino final para muitos.
No processo de ocupação, em 1920 eram quase 1700 pessoas (dado por si mesmo extraordinário se observarmos o isolamento da região), com melhoramentos acentuando-se a partir da fundação do Território Federal do Amapá, em 1943. 
Interessante descobrir que a primeira Estação Radiotelegráfica de Ondas Curtas da Região Norte foi inaugurada em Clevelândia, em 07 de setembro de 1927. Fato histórico para redução do isolamento e marco nas comunicações. O Amapá foi pioneiro nisso na Amazônia! Que surpreendente!
O autor exalta também a natureza, vendo-se passagens líricas descritas com um entusiasmo que as vezes soa engraçado, considerando-se a região de tensão da fronteira, mas dentro de um contexto, e sobretudo bonitos. Em exemplificação, transcrevo algumas linhas. 
"O dia 8 de maio de 1945, amanhecera ensolarado. As águas do rio Oiapoque corriam tranquilas e espelhavam sob o impacto dos raios solares. Os passarinhos cantarolavam alegremente. Araras e tucanos cruzavam a fronteira, em revoada. Da matas, vinha o gargarejar em coro da guaribas. A cachoeira do Grand Roche roncava com maior intensidade...."
É um livro curto, com apenas 56 páginas. Além das descrições históricas, o autor valoriza a cultura popular nas primeiras décadas do século XX. Tradições resultantes da influência de povos indígenas e da simplicidade cotidiana do homem na fronteira (como as lendas sobre o boto e homem do mato). Isso é ressaltado na narrativa dos amigos Tonico e Buiuna, em uma passagem de tempo que vai da infância à velhice naquela região. Esses elementos se fazem presentes em suas vidas e na de seus descendentes, ilustrando a vivência de homens simples, que tem histórias curiosas e interessantes - O Homem da fronteira

Informações do livro:
Título: O homem da Fronteira
Autor: Ruy Guarany Neves
Editora:
Smith Produções Gráficas Ltda
Ano: 2005
Páginas: 56
Tema: Amapá/História

Sugestão para leitura:

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sábado, 6 de fevereiro de 2016

Os Igaraúnas (Raimundo de Morais)

A obra surpreendeu pelo conteúdo cativante em impressões da cultura paraense, arraigados também em boa parte da Amazônia. O romance foi publicado em 1938 e tem um texto refinado, onde Raimundo de Morais mistura realidade e ficção para contar a história de uma tradicional família, chefiada pelo Coronel Igaraúna, às margens do rio Tocantins no início do século XX. Uma preciosa descoberta em minhas leituras.

 Capa e Raimundo de Morais

Descrição na "orelha" do livro
 
"Raimundo Morais é o grande narrador de histórias plenas de sabor exótico e popular no meio que descreve. Soube analisar o ambiente e o pensamento do povo paraense, relatando sua fé e suas crenças.
Ilustra neste livro a vida num barração à margem do Tocantins, rio que nasce entre diamantes, rubis e esmeraldas e corre num leito de pérolas

Presenciamos o choco do uirapuru, a luta entre a sucuriju e a anta, a farta pescaria nos rios ainda límpidos.
A política da época (parece que os tempos não mudaram) levando o Coronel Igaraúna a Belém e a enfrentar um naufrágio, enfaixa um ciclo de destruição no qual sua família desaparece.
O escritor ressalta a dedicação da Dra. Emília Snethlage, naturalista alemã famosa e diretora do Museu Goeldi de 1914 a 1921. Até sua morte aos 61 anos de idade, adentrava-se pela selva, unicamente acompanhada por alguns selvícolas. Devemos a ela a classificação das aves da Amazônia. Ao longo de suas conversas com a família Igaraúna, ministra verdadeiras lições de biologia, zoologia e antropologia.
É sempre com carinho que Raimundo de Morais trata dos pequenos deslizes, das fraquezas humanas e, talvez tenha sido um dos primeiros brasileiros a ver com olhos abertos e lúcidos esta terra, tão famosa alhures por sua beleza, pela bondade de seu povo, e pela amplidão aterradora de sua natureza e sempre vencedora."

(Autor não identificado)

 
Imagem do livro

Registro no SKOOB

A obra tem um olhar interessante, refletindo a erudição do autor e um retrato de época com seus saberes. O livro foi publicado em 1938 e é protagonizado pelo Coronel Anastácio, conhecido na região como Igaraúna.
O cenário é a vida interiorana às margens do rio Tocantins e, voltando ao que havia citado, o contexto é descrito com riqueza de detalhes, em abordagens que tratam de aspectos sociológicos, culturais, ambientais, históricos, científicos, políticos e geográficos. Essa característica mostra a valorização do autor pelas pesquisas. O texto, às vezes, transcende a descrição usual e corriqueira para dissertar de maneira instigante e reveladora sobre a região em suas peculiaridades.  

Raimundo de Morais é refinado e o livro tem o paralelo curioso entre os saberes, "culto" e tradicional.
Entre as coisas que me chamaram mais atenção cito a viagem que o coronel fez a Belém. A narrativa descreve um naufrágio e, de seus desdobramentos, o coronel é procurado pela imprensa por estar entre os sobreviventes. Ocorre um pequeno embate entre ele e uns jornalistas, metidos a "sabichões", e percebemos a valorização também do saber no traquejo e experiência de vida.


Imagem do livro

 As situações vivenciadas pelo coronel são elementos no retrato de época e instigantes a uma abordagem de pesquisas do autor. Assim acontece no regresso a sua fazenda, no Redentor, onde encontra a pesquisadora alemã Emília Snethlage, que lhe dá admiráveis aulas. Explicações sobre a região, curiosas ao coronel e ao leitor. Ressalte-se que a pesquisadora é uma figura real e representativa na História do Pará, com importância no estudo e catalogação de várias espécies e como diretora do Museu Emílio Goeldi em Belém.
A vida na fazenda tem situações exploradas também. Por exemplo, nos festejos do São João e outras manifestações populares, o autor surpreende com suas considerações. O mastro é referenciado como um símbolo fálico, remontando à percepções pagãs absorvidas e suplantadas pela Cristandade. Mas que interessante isso...
O capítulo sobre "O Boto" é outra passagem muito bacana, com um estudo do caso

A parte sobre o embate canoro na floresta , "Uirapuru e Carachué", é uma descrição em forma de conto de leitura muito prazerosa.
Politicamente falando, há também o retrato das "maracutaias" comuns, já naquela época, no início do século XX, onde muitos candidatos tinham garantidos até o eleitorado do cemitério. E não é que muitos finados votavam... A obra cita esses episódios.

O homem, a terra, seus costumes. Pontos relevantes no livro. Emília Snethlage tem uma segunda e terceira passagens, dessa vez na fazenda, um aspecto que sempre valoriza a leitura.
O conhecimento popular é valorizado e tem nas descrições sobre o igapó um belo exemplo, onde temos um encontro com o poraquê e a luta extraordinária entre uma anta e uma sucuri. João Cabeludo, mestiço personagem representativo desse saber, é quem nos conduz nessa ciência amazônica, tão arraigada e vista hoje ainda. Vai dizer que nunca ouviu aquela do poraquê que dá choque no pé de algumas árvores (taperebá, na descrição do livro) para apanhar frutos? Ou que sucuri come até anta....

A obra tem também seus tons de mistério e ação, com um desfecho dramático ao coronel e sua família, em uma época descrita com romantismo e com curiosas particularidades para se conhecer. 


Informações do livro:
Título: Os Igaraúnas
Autor: Raimundo de Morais
Editora: RK (Roswitha Kempf)
Ano: 1938
Páginas: 207
Tema: Amazônia/Romance/Literatura Paraense/Costumes


Biblioteca Pública Elcy Lacerda
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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Mariola (Laíses do Amparo Braga)

Uh, sumano! Vamos dar uma espiada na Literatura Paraense. Esse livro foi publicado em Belém, 1987, por Laíses do Amparo Braga. Parece paidégua! 
Vigie só...


Informações do livro:
Título: Mariola
Autora: Laíses do Amparo Braga
Editora: Falangola
Ano: 1987
Páginas: 163
Tema: Amazônia/Romance/Questões Sociais 
  

Quem é safo, descreveu assim:
"O romance de Laíses mantém a linha do memoralismo documental. São as experiências testemunhadas que detonam o imaginário, criando uma obra que, ilusoriamente, desperta a impressão de acompanhar histórias verídicas. É que Laíses mantém um estilo direto e de grande simplicidade, sem preocupar-se com outros aspectos que não sejam os relativos à fabulação. Também, não há preocupação com os efeitos poéticos ou reflexivos. Nem com a psicologia das personagens.
A narrativa se desdobra mais ao sabor da crônica romanceada, em que os incidentes do cotidiano, os fatos corriqueiros, as impressões imediatas é que são realçados. Diríamos que os personagens caminham à superfície plana das situações. Mesmo os dados sociais e da história regional não marcam caracteres, como seria de se esperar, em romance dessa linha.
O romance de Laíses é romance de escritura feminina. Guarda referência por uma tênue sentimentalidade e empresta sincera e afetuosa emoção aos personagens e acontecimentos. Prefere a presentificação direta dos fatos via linguagem, não raro documentando situações e vocábulos regionais. isto realça o caráter cronístico do romance e mantém interesse na leitura, recompensando o natural desejo de Laíses: repassar ao leitor a sua vivência, por via da criação literária." 
(Trecho da APRESENTAÇÃO, por João de Jesus Paes Loureiro)

Minha visão foi essa: É uma obra regional, amazônida, publicada nos anos oitenta, que se inicia de forma idílica e familiar à cultura nortista, mostrando um fim de tarde com um encontro entre amigos, curtindo um tacacá, em uma cidade pequena qualquer. Os elementos da natureza se fazem muito presentes e o contexto descreve uma época sem as vicissitudes ou conquistas da modernidade. Instiga a imagem de uma praça ou uma orla em encontros casuais...
O cenário é realmente mais antigo, descrito com um certo romantismo (nem tinha televisão ainda na região), porém, com um olhar reflexivo em sua abordagem. Talvez por isso o nome da cidade onde se inicia a história não seja citada, supondo-se o interior marajoara. Seja no Norte ou outro canto qualquer, a obra tem um tema de amplitude geral e cotidiana, principalmente naqueles tempos: as questões sociais atreladas ao machismo.
A autora provoca essa discussão e o romance tem uma essência feminina de olhar questionador, protagonizado por Mariola. Acredito que a inspiração veio de lembranças de Laíses (não necessariamente suas experiências), inconformismo e desejo de mudanças.
Em linhas gerais, a protagonista é uma jovem carismática, trabalhadora, de espírito independente e desejosa de realizações em seus sonhos de juventude. Muito disso se deve ao fato de ser de família muito carente, orfã de pai, vivendo em uma casa rústica junto com as irmãs Lili, Nita e Gegé, o irmão Biló e a mãe Luzia.
As quatro jovens são distintas em personalidades e tem o mesmo ideal de superação, buscando nos estudos o caminho. A mãe contrasta com um paralelo de mulher de visão tradicional, simplória e conformada, e o caçula Biló fica em um meio termo, influenciado pelo desejo de conquistas das irmãs e a visão da sociedade conservadora e apática.

Cada um tem seus desdobramentos, mas o foco é Mariola. A jovem tem seus sonhos interrompidos em um casamento que se revelou ilusório e infeliz, tendo na violência doméstica um basta para o retorno a seus ideais. Logicamente, os fatos vão se desenrolar com muita luta diante da mentalidade retrógrada e machista do marido. Mariola é obrigada a mudar de cidade com as filhas, diante da perseguição, numa fuga para São Paulo. Novamente encontra o machismo oportunista de quem cultiva a visão mulher objeto e enfrenta episódios árduos, de luta vitoriosa somente para os decididos. Mas o destino lhe sorri e sua vida encontra o sentido almejado ao trabalhar em uma escola como orientadora sexual, fruto de seu destaque como mulher batalhadora e questionadora. Essa é Mariola
A história não acaba aí e um terceiro homem surge em seu caminho, com um cruel destino em suas torpes motivações... Mas desse spoiler me preservo. O livro quer lhe revelar, procure-o. Posso dizer que gostei da leitura, tem uma simplicidade cativante (gosto muito da Literatura Nortista e é até redundante reafirmar), reconhecível em muito do que a gente vê hoje ainda, infelizmente, mesmo depois de trinta anos dessa publicação.

Para sua apreciação e conclusões, a obra está disponível na
Biblioteca Pública Elcy Lacerda 
(Sala da Literatura do Amapá e Amazônia).