As postagens desse blog são em caráter informal, de apego ao saber popular, com seu entusiasmo, exageros, ingenuidade, acertos e erros.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Macapacarana (Giselda Laporta Nicolelis)

Mais um da literatura infantojuvenil. Não duvide que esse meio tem muita coisa legal e instigante. Espia só! "Macapacarana", de Giselda Laporta Nicolelis, já foi tema de estudo acadêmico e traz um olhar sobre Macapá de trinta anos atrás.
Romário Duarte Sanches assim o descreveu em sua pesquisa para a UNIFAP:
"O livro paradidático Macapacarana da autora Giselda Laporta Nicolelis, é dividido em 24 capítulos e conta a história do menino Gerson Luiz de 16 anos, que nasce no Paraná, mora em Curitiba, Porto Alegre, São Paulo e Macapá. Nesse vai e vem de sua vida Gerson se depara com várias culturas em que algumas chegaram a lhe inferir o choque cultural.
Desta forma, Macapacarana torna-se uma proposta didática a difusão cultural, pois nele encontramos as culturas, que são mais do que simples relatos de um menino ou uma história fictícia, mas sim podendo retratar as identidades de um povo, provocando ao leitor olhares diferenciado a partir do seu lugar social, levando-o a várias formas de pensar e ver a realidade nos fazendo mudar nossa maneira de ver as outras culturas, e enfim chegar a um processo de relativização, compreendendo e respeitando as culturas que nos rodeiam." (Trecho do artigo acadêmico que pode ser conferido NESTE LINK)

Giselda Laporta Nicolelis nasceu em São Paulo (1938), teve sua primeira história publicada em 1972 e o primeiro livro em 1974, destacando-se na literatura infantil e infantojuvenil. Sua obra abrange mais de 100 publicações, com centenas de edições e exemplares vendidos. Entre suas premiações está o APCA/1981 (da Associação de Críticos de Arte, do Estado de São Paulo, de Literatura Juvenil) e o Prêmio Jabuti/1985 (da Câmara Brasileira do Livro). Muitas de suas obras abordam temas que ajudam a combater o preconceito. O que descobrimos nesse livro (Fonte: SKOOB)
Informações do livro:  
Título: Macapacarana 
Autor: Giselda Laporta Nicolelis
Editora: Atual 
Ano: 1982 (1ª Edição) / 1988 (25ª Edição) 
Páginas: 148 (25ª Edição) 
Tema: Literatura Infantojuvenil 
ISBN: 85-7056-030-3

Registro no SKOOB

A obra despertou minha atenção por ter sido publicada na década de oitenta por uma escritora paulista. Não se propõem a ser um livro histórico, é uma literatura infantojuvenil, mas em muitos aspectos retrata a Macapá dos tempos do Território Federal do Amapá.
Há alguns exageros, impressões de quem visita a terra pela primeira vez, e de certas particularidades não gostei (como o Curiaú sendo lugar de miséria e tristeza, e uma tal hora da sesta, em que todo mundo larga tudo para dormir e a cidade assim para). 

Faltou mesmo, indispensável, citar a linha do Equador e o nosso  açaí, tão presentes na identidade amapaense.
Na obra vemos o choque cultural de um garoto, migrante do sul, com seu processo de descobertas e familiarização, acostumado com outra rotina e com uma visão estereotipada do Norte. A mudança para Macapá ocorreu para acompanhar os pais, que eram donos de um garimpo, e a história, narrada em primeira pessoa, é recheada de observações e contrastes, fazendo com que o garoto descubra e valorize coisas que até então sequer imaginava. 

A realidade do garimpo, a busca por riqueza a todo custo, a devastação do ambiente e a desvalorização do indígena enquanto cidadão e dono da terra são pontos apresentados, em descrições e em conversas com personagens que encontra.
Referindo-se ao título, "Macapacarana" é uma mistura de Macapá com Pacarana (roedor parecido com a paca, porém, mais robusto e com cauda). Uma alusão a uma localidade fortemente marcada pela presença da natureza em suas impressões.
Um bom livro, que proporciona uma interessante e agradável leitura. Assim foi a minha.


E é mais um do acervo da Biblioteca Pública Elcy Lacerda
que a galera de Macapá encontra na  
Sala da Literatura do Amapá e da Amazônia.

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

O Chapéu do Boto e o Bicho Folharal (Antonio Juraci Siqueira)

Cordel, lendas e Amazônia. Três temas que aprecio muito e estão reunidas nessa obra em uma abordagem divertida e facilitadora de leitura rápida. O autor, Antonio Juraci Siqueira, é paraense, marajoara de Cajary (Afuá), Licenciado em Filosofia pela UFPA e tem mais de 80 publicações (entre cordel, contos, poesia, crônicas e literatura infantil). Muitas de suas obras são premiadas em âmbito local e nacional, citando-se: o Concurso de Poesia Popular da UBT-Maranguape/CE (2009) e o  Mais Cultura em Literatura de Cordel (2010) - Edição “Patativa do Assaré” (premiações relacionadas ao texto "O chapéu do boto").
Essa edição foi publicada pela Paka-Tatu (2012), com ilustrações em  xilogravura de Ararê Marrocos e apresentação de  Roberto de Carvalho. Vamos encontrar duas  histórias nos característicos tons jocosos e melodramáticos da Literatura de Cordel.  

"O chapeu do boto" já diz a que veio no título, brincando com a sedução dos contos do Uiara. Essas narrativas costumam destacar a boêmia, encanto e artimanhas, Amazônia adentro, evidenciando um certo humor. Vemos isso, mas a história é conduzida em forma de drama, onde o boto tem que lidar com uma revolta por suas peripécias. Algo novo nesse misticismo é a introdução de elementos relacionados a indumentária do famigerado, que remete-se a outros seres dos rios. Isso nunca tinha visto. Esse é o contexto geral e a obra é uma valorização desses causos aos apreciadores. 

"O Bicho Folharal" é mais divertido e mostra uma história na floresta com um embate entre o macaco e a onça. Um paralelo entre esperteza e brabeza afoita.

 
 Xilogravuras de Ararê Marrocos
Informações do livro: 
Título: O Chapéu do Boto e o Bicho Folharal
Autor: Antonio Juraci Siqueira
Ilustrador: Ararê Marrocos
Editora:Paka-Tatu
ISBN: 978-85-7803-104-6
Ano: 2012
Páginas: 40
Tema: Cordel / Folclore / Amazônia
Composição em setilhas no esquema em rimas xaxabba

Juraci Siqueira incluiu também informes interessantes sobre a história do cordel no Norte e, para buscas futuras, transcrevo algumas das obras relevantes desse contexto:
"História completa de Severa Romana" (anônimo): um dos cordéis pioneiros em Belém, em 1946;
"Os cabras de Quintino", "As proezas do fantástico Pé-de-pano" e "A história do gato Mocotó" (de Adalto Alcântara Monteiro): cordelista citado pelo autor como o mais destacado no Pará;
"Oxente Bichinho, mercúrio não!" e "Belo Monte, o Belo de Destruir" (de João de Castro):  caracterizados pelas causas sociais;
"Um amor de São João" e "Grávida" (de Heliana Barriga):  referenciada por Juraci Siqueira como a maior cordelista paraense.
Aproveito o embalo nortista e cito um cordel histórico no Amapá: "Incoerência Humana - Naufrágio do Novo Amapá", de Francisco Hermes Colares (2002). A abordagem é impactante e emotiva sobre o naufrágio no rio Cajari em 1981 (considerado o maior da Amazônia). É um livro raro e talvez disponibilize no blog.

Eita, suprimo! Para os amantes de cordel, em Macapá, taí uma obra paidégua da literatura nortista. E está disponível para leituras na Biblioteca Pública Elcy Lacerda (Sala da Literatura do Amapá e da Amazônia).

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Rio Acima, Mar Abaixo (Rogério Andrade Barbosa)

Olha, mano! Mais uma obra sobre o Amapá! Um livrinho para a garotada, inspirado em uma viagem pelas bandas de cá. O escritor Rogério Andrade Barbosa entrou em contato com o folclore e lendas locais e, a partir dessas pesquisas e conversas informais, fez uma abordagem mítica sobre o Marabaixo e Pororoca, elementos representativos da cultura e do cenário amapaense. 
A obra é direcionada ao público infantojuvenil, foi ilustrada por Nelson Cruz e mostra o velho Julião contando histórias sobre o quilombo e sobre a Amazônia para uma garotada alvoroçada por descobertas e aventuras.


Informações do livro: 
Título: Rio acima, Mar abaixo
Autor: Rogério Andrade Barbosa
Ilustrador: Nelson Cruz
Editora: Melhoramentos
ISBN: 978-85-06-05994-4
Ano: 2005
Páginas: 24
Tema: Amapá / Literatura Infantojuvenil / Folclore


Registro no SKOOB

Interessante quando escritores de outros cantos tem um olhar voltado para o Amapá. Algumas vezes dão uma bola fora grande por acompanharem o estereótipo estabelecido na visão alienada, cotidiano na cultura geral, mas encontramos também obras bacanas.
"Rio acima, Mar abaixo" está legal. A abordagem é infantojuvenil e traz uma apresentação singela da cultura do Marabaixo em seu mais conhecido reduto no Amapá: a Comunidade Quilombola do Curiaú. Faço a ressalva de que a visão é romanceada, remetendo a outros tempos, superados hoje pela modernidade.
Gostei porque o autor teve uma percepção em elementos cotidianos e históricos dessa cultura, falando de coisas como a associação com a Páscoa e Divino Espírito Santo, a murta, os tambores característicos, os versos de improviso chamados de "ladrões", a gengibirra, uma lenda associada à pororoca e até no nome do contador de histórias - pois Julião (Ramos) foi uma das mais importantes personalidades na divulgação e organização do Marabaixo no início do século XX. A personagem do livro é uma homenagem ao verdadeiro Julião.
A narrativa é simples e mostra o velho Julião contand
o  histórias como a lenda da pororoca e, nesse andar, vemos também a cultura do Marabaixo.
Essa obra deveria ser mais conhecida pela garotada nas escolas de minha terra. Parabéns ao autor pela valorização e divulgação das coisas de cá!


Sugestão para consultas: 
O Pioneiro e Grande Líder: Julião Tomaz Ramos
 
A visão é idílica (Ilustração de Nelson Cruz)
Página sobre o autor
Em Macapá, está disponível para consultas 
na Biblioteca Pública Elcy Lacerda 
(Sala da Literatura do Amapá e da Amazônia)

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Amapaisagens (Hélio Pennafort)

Tenho encontrado coisas interessantes nas bibliotecas em Macapá e esse ano quero dar maior atenção a elas. 
"Amapaisagens" é uma dessas descobertas. A obra foi publicada por Hélio Pennafort em 1992 e  apresenta relatos sobre a capital e interior do Amapá em seu início como Estado, através de contos e memórias de viagens do autor. Impressões sociológicas e ambientais que nos fazem lembrar de outro livro importante, "Amapacanto", de Álvaro da Cunha (marco da Literatura Amapaense com um texto encantado pelo Amapá, nos idos pioneiros de Território Federal). As obras são parecidas em alguns aspectos.  

"Amapaisagens" é celebrada também pelo texto "O Caboclo" .

 O CABOCLO

O caboclo é capaz de remar horas a fio pela sinuosidade dos igarapés sem parar o remo, nem quando pega um remanso a favor.

O caboclo é inteligente a ponto de saber o momento certo de zagaiar o tucunaré, valendo-se, apenas, do rebujo do lago.

O caboclo é suficientemente sagaz para descobrira posiçãodo caranguejo escondido no lamaçal e defender a mão do aperto das unhas do bicho.

O caboclo é competente para dirigir uma embarcação nas agitadas marés da costa Norte, em plena escuridão, sem precisar de bússolas, ecobatímetros e radares.

O caboclo é mestre na estrovação do anzol e na preparação da malhadeira, instrumentos que facilitam a sobrevivência na beira dos rios.

O caboclo é exímio dançarino e tem resistência para ficar rodopiando com a dama a noite toda, num salão de paxiúba.

O caboclo arma seu matapí com uma paciência fora do comum e, quando coloca a última tala, ainda abre aquele sorriso que é só felicidade.

O caboclo sabe distinguir o olho da paca, do veado, da onça, e qualquer bicho, quando se aventura em caçadas noturnas nas grimpas solitárias dos pequenos riachos.

O caboclo sabe dedilhar viola, cantar seresta e dizer à cabocla amada que "a última vez que eu te beijei, me alembro claramente que era noite de luar".

O caboclo é bom de porrada, e o seu jeito de brigar ainda é aquele de meter a cabeça nas pernas do cara e jogar o corpo para cima.

O caboclo é humano, pacífico e explode de carinhos, ao entalar uma asa quebrada do jacamim de estimação.

O caboclo é respeitador e, se mexer com a moça alheia, casa logo.

O caboclo é bom de cana, nem cospe, e ainda lambe os beiços depois de empurrar meiota pelo gargalo de uma só vez.

O caboclo é crente, acostumado a rezar, e tufa o peito de fé quando aconselha na ladaínha do padroeiro que "um rosário de Maria / quem rezar com devoção / não morre sem sacramento / nem também sem confissão / assim disse Jesus Cristo / quando encontrou com Adão".

O caboclo é esperto e, se está perdido no mato, bate no tronco da sapopema para ser achado.

O caboclo tem um jeito próprio de assoviar que chama o vento, quando a calmaria no litoral não empurra sua pesqueira para a frente.

O caboclo é objetivo e se vê alguém bestando com uma mulher é capaz de dar como conselho um ..."trepa logo!".

O caboclo é apegado a tudo quanto é crendice e superstição e sempre se deu bem com isso.

O caboclo é arteiro. Acende um cigarro porronca no meio da ventania fazendo uma concha protetora com a mão esquerda, metendo o palito por baixo.

O caboclo tem pronúncia própria e, no embaralhamento sonoro das letras, troca o coeficiente pelo cueficiente.

O caboclo arma poesias sempre enaltecendo suas coisas, como a "cabeça da gurijuba / que é bom pra chuchu / mocotó de caranguejo / este antão abafu / e o trapiche da Vigia / bão! este que não é pitiú".

O caboclo é pávulo e, quando sai de uma festa, gosta de ver sua camisa branca suja de batom vermelho.

O caboclo não tem nada de besta e sabe que o que a mulher gosta, mesmo, é de muito caquiado, no embalar da rede.

O caboclo faz parte da Amazônia. Como o açaí, o boto, o tucunaré e a cobra grande.
Helio Pennafort e caboclos amapaenses (Foto retirada do livro)
Informações do livro:
Título: Amapaisagens
Autor: Hélio Pennafort
Editora: Imprensa Oficial Amapá
Ano: 1992
Páginas: 81
Tema: Amapá / Contos / Memórias


Registro no SKOOB

Um dos primeiros livros publicado no recém criado Estado do Amapá, com impressões diversas da terra, por Hélio Pennafort, resultantes de viagens, histórias vividas, causos e informações de suas pesquisas enquanto jornalista.
Os textos são interessantes pela reconstituição de um cenário e época que foram gradativamente modificados pelo tempo com suas influências e desdobramentos culturais. Observamos isso nas descrições sobre o Oiapoque, Amapá e Calçoene.
Pennafort costuma ser celebrado pelas descrições de cunho ambiental e sociológico, o que se observa em muitos textos do livro, mas essa obra prende-se mais a sua memória afetiva. A maioria das viagens descritas tem um tom aventureiro com ênfase a situações inusitadas relacionadas a vida de boêmia. Particularmente, gostei dos textos mais atentos à história da região, vendo-se uma abordagem jornalística em: "A saga dos brasileiros em Cayenne" (revelador de uma realidade sofrida e corriqueira ainda existente) e "O exército em Oiapoque" (sobre a formação da colônia militar em Clevelândia em um relato sucinto e interessante). Relacionados à Macapá, me chamaram mais atenção:  "Revolução no Amapá" (sobre um certo movimento político nos anos 60 em que ocorreu um desencontro entre os governos territorial e federal no estabelecimento da ditadura, vendo-se manobras pelo poder) e "A Banca do Dorimar" (descrição de um cotidiano romântico na cidade que o tempo vai superando com suas imposições).
O livro é marcado e lembrado pelo texto "O caboclo", que traz uma visão poética, cultural e romantizada do caboclo da Amazônia, em uma impressão idílica em muito ultrapassada hoje pela modernidade.
"Amapaisagens" é assim, caracterizado pelo encontro com uma região bonita e rica em histórias.  


Perfil do Autor e Sumário do livro
Hélio Pennafort faleceu em 2001 e, nesse mesmo ano, foi homenageado
 como patrono da Biblioteca SESC Araxá, em Macapá.
Sugestões para pesquisas sobre o autor:

Está disponível para consultas na Biblioteca Pública Elcy Lacerda 
(Sala da Literatura do Amapá e da Amazônia)