As postagens desse blog são em caráter informal, de apego ao saber popular, com seu entusiasmo, exageros, ingenuidade, acertos e erros.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

O Doutor das Calçadas (César Bernardo de Souza)


É uma obra politizada, que aborda a questão do menor abandonado, vendo-se considerações importantes para reflexão e estímulos à assistência social, em um conto protagonizado por Tista e Amaro. O primeiro representa um menino nascido em Macapá, que se torna órfão e menor abandonado nas ruas de Belém. O outro é um professor despertado pela questão social, voltando sua atenção para o menino e seus dramas diários, em um acompanhamento desse cotidiano como morador de rua também.
A história se passa entre o final dos anos oitenta e início da década de noventa, em um momento real de discussão e formulação de políticas voltadas à assistência infantojuvenil, como a CPI do Menor e do Adolescente, que se instalou no Congresso Nacional em 1992, tendo como relatora uma deputada amapaense. Inspirações para a obra, escrita também nesse período e publicada em 2015.
A discussão provocada é essencial para a sociedade. Reconheço principalmente por ter trabalhado cinco anos em um abrigo da FCRIA (Fundação da Criança e do Adolescente) e ter me deparado com uma realidade alarmante e dramática como na abordagem a Tista.
O tema é merecedor de toda atenção. Um aspecto, porém, que a obra não me trouxe entusiasmo, refere-se a uma certa descontinuidade no conto. Em um primeiro momento é detalhado e a história flui de maneira instigante, em uma ilustração muito coerente com a realidade. O autor mergulha depois em um texto extremamente dissertativo e alguns fatos se desdobram sem explicações e sem o mesmo nível de descrição anterior. O menino é abandonado pela família adotiva em Macapá e depois surge nas ruas de Belém; o carisma diferencial de Tista que impressiona o olhar de Amaro não é traduzido em ações para empatia e compreensão do fato pelo leitor também; e a história perde um pouco da coerência com um discurso final muito eloquente na voz do menino, a essa altura, mais reconhecível como um demagógico político do que com o carente menino das ruas.
Lembrando minha experiência na FCRIA, às vezes, muitos impactos e aprendizagem são maiores na simples observação, como o convívio me proporcionou na época e como Tista tinha e tem a mostrar na realidade que vemos nas ruas.
São considerações que não omito, pelo respeito e admiração ao autor, que são irrelevantes na minha singela opinião e, principalmente, diante do tema e discussão provocada. A obra está disponível para consultas na Biblioteca Pública Elcy Lacerda.

Título: O Doutor das Calçadas
Autor: César Bernardo de Souza
Editora:
Tarso
Ano: 2015
Páginas: 132
Tema:
Contos/Amapá/Sociedade

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Biblioteca Pública Elcy Lacerda
Sala da Literatura do Amapá e da Amazônia 
Macapá - Bairro Central

sábado, 13 de fevereiro de 2016

A volta por cima (Wilson Tadeu)

"A volta por cima", de Wilson Tadeu, é, de certa forma, o contraponto ao artigo de jornal "A volta por baixo", em que o órgão de imprensa do Sul procurava desmerecer o Estado do Amapá e José Sarney no processo eleitoral que culminou em sua eleição ao Senado Federal em 1990. O autor traz uma visão jornalística dessa trajetória.
(Apresentação do livro)

A obra busca a valorização da história regional, com a premissa de descobertas interessantes e importantes em páginas esquecidas na sociedade, tendo um discurso de aprendizagem e inspiração para a atualidade. Nessa proposta, inicia com três textos instigantes sobre o Amapá:
 
"O descobrimento do Amazonas em 1499" faz referências a expedição de Américo Vespúcio, que passou pela costa amapaense e registrou o fato em uma carta a Lorenzo di Pier Francesco de Médice (documento guardado na Biblioteca Pública de Nova Iorque), sugestionando a descoberta do Brasil pelo litoral amapaense. E a história do descobrimento se repetiu também com Vicente Pinzon, que teria feito expedição no mesmo litoral em janeiro de 1500. Não é surpreendente que o Amapá poderia, de fato e direito, ser considerado o primeiro ponto de avistamento das terras brasileiras! Enfim, os navegadores eram espanhóis e a pompa ficou para o português Cabral em sua mega e badalada expedição.  
"Um brasileiro não se rende a bandidos" é um texto descrito com entusiasmo heroico sobre Cabralzinho. Mostra uma visão geral dos fatos segundo a história formal. Surpreendente também o grau de esquecimento nacional sobre o episódio, pois Cabralzinho deveria figurar entre os grandes vultos brasileiros, por sua história e eventos impactantes. Divagando um pouco, não sei como o cinema nacional não descobriu ainda os episódios ocorridos em Amapá, que colocaram frente a frente brasileiros e um exército francês em um dos mais sangrentos e lamentáveis embate nas fronteiras. Trágico, heroico e fundamental para o estabelecimento da soberania nacional na região. Resguardando-se a importância e contexto, mais eloquente e de maior participação popular que o de Tiradentes. Imagina o capitão Lunier levando um rabo-de-arraia do baixinho invocado, bom de capoeira, Veiga Cabral...
 
"Somos todos hermanos" aborda a passagem do presidente argentino, Juan Domingo Perón, em 1955, pela base aérea no Amapá, quando estava a caminho do exílio.
 
Esses foram os aspectos que gostei na obra. Os textos são sucintos e interessantes, mesmo que tenham sido apenas ilustrações para as pretensões do autor.

O fato mais relevante e inspirador a Wilson Tadeu refere-se à visão jornalística da vinda e estabelecimento de José Sarney no cenário político amapaense. Fato que se concretizou em 1990, quando teve seu primeiro mandato como senador, recebendo a expressiva aprovação eleitoral de 72%, o maior percentual em todo o território nacional.
Não sou entusiasta sobre a vida política de qualquer indivíduo e meu olhar foi apenas aos fatos referentes a essa trajetória. O livro cita coisas como: a amizade com o governador Jorge Nova da Costa (não são parentes também?); a visita ao Amapá em 1986 (por conta disso, Dona Venina, do Marabaixo, foi citada em um discurso nacional sobre os rumos no Brasil, mas isso é outra história); a transcrição do discurso que fez no município de Oiapoque (naquela ocasião) e outros aspectos políticos dessa fase.
O título refere-se a contrapartida à um artigo publicado por um grande jornal no início dos anos 90, que trazia uma imagem pejorativa com o título de "A volta por baixo". Um texto depreciativo e partidário.
O autor traz também uma visão geral do governo de Jorge Nova da Costa, incluindo sua carta diante do afastamento forçado de seu mandato por manobras políticas.
A obra se apresenta com visão jornalística, mas percebemos uma valorização ideológica também. Citar a visita do Sarney em 1986 como a primeira oficial de um presidente brasileiro ao Amapá é uma valorização equivocada em detrimento de páginas da história que mostram passagens anteriores dos presidentes JK, Castelo Branco e Geisel, por exemplo. 
Essa "trajetória", em sua origem, tem seus registros, de entendimento apreciável ou não, assim como revelador ou escuso. Meu olhar é pela história em si, indiscutivelmente importante e, sem qualquer apego ou desapego, é apenas uma descrição do livro. Para consultas,  percepções e opiniões próprias, está disponível na Biblioteca Pública Elcy Lacerda

Título: A volta por cima
Autor: Wilson Tadeu
Editora:
CEJUP
Ano: 2001
Páginas: 135
Tema:
Amapá/História/Política

Biblioteca Pública Elcy Lacerda
Sala da Literatura do Amapá e da Amazônia 
Macapá - Bairro Central

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Raízes Submersas - Fatos e Relatos (Raimundo Donato dos Santos)

Gente boa, olha aí mais uma obra da Literatura Amapaense para apreciação e descobertas! Um livro de memórias, de Raimundo Donato dos Santos, destacando acontecimentos marcantes de sua existência, em um cenário em que vemos fatos da história e da cultura amapaense.

Título: Raízes Submersas - Fatos e Relatos
Autor: Raimundo Donato dos Santos
Editora:
W. Books Comunicações
Ano: 2009
Páginas: 252
Tema: Biografia/História/Amapá




Descrição do autor:

"Através deste livro tenho exposto convincentes e comoventes fatos da minha atribulada história como indivíduo; ignorante a respeito de toda complexidade e funcionamento do meu ser, porém, liberto e salvo por nosso Senhor Jesus Cristo.
Raízes Submersas, portanto, tem a ver com a evocação de uma herança autobiográfica, entrelaçada com acontecimentos que permaneceram por muitos anos na obscuridade do meu subconsciente, e que tão somente agora me propus a trazer a superfície."

(RAIMUNDO DONATO DOS SANTOS)


Registro no SKOOB:

Afinal, o que me trouxe a esse livro? Até o momento, em minhas percepções, a autobiografia de um ilustre desconhecido.
Questionamento válido ao leitor e, na minha experimentação, respondido no contato inicial. A obra tem características que valorizam a leitura, tornando-a instigante e prazerosa. Obviamente, dependendo da empatia e identificação do leitor.

Raimundo Donato dos Santos tem um texto objetivo, de fácil assimilação, minucioso em suas descrições, e com uma beleza singela em que se observa entusiasmo, apego à terra e um desejo de contribuição. Pontos que despertaram minha leitura.
O autor é amapaense, nascido no vilarejo de Tucumã, município de Amapá, em 1933, e foi professor no Território Federal do Amapá.

A descrição do cotidiano nas impressões de um menino, passando pelo folclore, observação do homem no interior, com situações peculiares e histórias inusitadas, foram elementos que me despertaram. Gosto dessas visualizações, que me fazem pensar também em minhas origens. A identificação é válida para a maioria das famílias amapaenses.
Donato é didático no jeito de escrever e as fases de sua vida são relacionadas com o ano. Podemos encarar a obra como o relato de um pioneiro e vislumbrar nisso páginas antigas do Amapá.
Não sem razão a questão cultural de lendas e mitos era tão forte naquele meio - rústico e com ares misteriosos. Imagino isso ao me deparar com histórias de jacaré atacando na canoa, de gente desaparecendo no mato, sucuri gigante, o menino testemunhando a chegada de um Zepelim e outras coisas que soam familiares nas narrações de nossos avós. Esse cotidiano me fascina e foi legal saciar algo disso na leitura.

Outro aspecto interessante é a testemunho do crescimento de Macapá. Donato se estabeleceu na jovem capital na década de 1940. O autor traz relatos curiosos da cidade, falando da formação e características iniciais de ruas, escolas e outros aspectos.
Pode-se observar a história em seus fatos mais marcantes, mas aprecio o cotidiano que invariavelmente se perde nas lembranças, seja no trapiche Eliezer Levy, na Escola Industrial, na Exposição de Animais na Fazendinha e por aí. Melhor dizendo, na Macapá da memória de um cidadão que se tornou também professor pioneiro no Território Federal do Amapá. Elas me revelaram, por exemplo, que a antiga Escola Industrial foi inaugurada em 1949 e seu primeiro nome foi Escola Profissional Getúlio Vargas.
Algo dessa fase que projetou muito minha imaginação foi a história de uma onça, sussuarana, surgida dos matagais circundantes da cidade, sendo abatida a tiro da Fortaleza. Dá para imaginar a cena? Ou de uma tal Maria Viralata que saiu do caixão? O da confusão no Cine Territorial no dia em que pareceu querer desabar na cabeça do povo? O menino selvagem descoberto na Ilha de Santana... Eita! Esse inusitado diverte-me bastante. Descrições talvez exageradas, mas em conformidade com o que circulou.

Um terceiro aspecto na obra refere-se a fé do autor, evangélica. Ao longo da leitura há referências a ela, com citações bíblicas em determinadas situações e o testemunho da conversão a Cristo - que o livro valoriza e se detém nos capítulos finais. Donato foi membro da Igreja dos Irmãos, Batista e Assembleia de Deus, relatando um pouco de sua vida na igreja.
Boa surpresa foi descobrir a referência, mesmo mínima, de um parente meu da Igreja dos Irmãos. Tio Nelson congregou aí e é citado entusiasticamente na construção do templo no Pacoval, como bom pedreiro que era. A Igreja dos Irmãos tem uma certa importância em minha vida, pois Tio Nelson Castelo levava minha mãe, menina, para a Escola Bíblica Dominical e isso foi importante nos valores que ela transmitiu aos filhos. Fomos católicos romanos assíduos, porém, minha mãe discordava de algumas práticas tradicionais e nos ensinava. Hoje sei onde aprendeu e somos evangélicos. Outra pessoa que o autor cita é o pastor Eulálio, também da Igreja dos Irmãos. Tive oportunidade de conhece-lo há dois anos, quando gentilmente me recebeu em sua residência. Ele semeou também o evangelho em visitas a minha família, na casa de meus avós. Aspectos que só interessam a mim, mas que valorizaram ainda mais minha leitura e apego a obra.

Por essas e outras, "Raízes Submersas" revelou-se instigante, prazeroso e revelador do que aprecio. É uma autobiografia em que Donato mergulha em suas raízes, sua história, e traz um pouco de suas experimentações, descobertas e testemunho enquanto cidadão amapaense e cristão.


Sugestão para consultas:
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Ah, sim! Não esqueça!
A obra está disponível para consultas no acervo da
Biblioteca Pública Elcy Lacerda
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terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

O homem da fronteira (Ruy Guarany Neves)

"Os dados históricos que constam da presente obra, representam apenas uma pequena parte do que existe sobre Clevelândia, nos arquivos públicos de Belém e Belo Horizonte. O romance está baseado em fatos que marcaram época, onde a ficção e o real, o profano e a religiosidade, deixaram o registro de um legado de história e cultura de um povo, que de uma forma ou de outra, aceitou o desafio de conviver com a alegria e a tristeza, o otimismo e a frustração, sem no entanto se deixar vencer pelo desânimo. A semente do desenvolvimento plantada no passado, projetou Oiapoque à condição de Município próspero, onde o povo se sente orgulhoso em contribuir para a guarda da fronteira do Brasil."  Ruy Guarany (Trecho do livro)



A obra valoriza Oiapoque com aspectos interessantes e desconhecidos por muitos. Foi publicada em 2005 e tem um olhar de investigação histórica e cultural com ênfase a Clevelândia.

Registro no SKOOB

As histórias, tradições e contrastes encontrados em cada lugar, contados pelos filhos da terra, são obras que seduzem e despertam a leitura. Portais muitas vezes únicos para surpreendentes descobertas. "O homem da fronteira", de Ruy Guarany Neves, tem esse perfil, com a exaltação ao Oiapoque.
O autor faz um passeio pela região de Clevelândia do Norte resgatando um pouco de sua história desde o século XIX - como área de disputa internacional, posteriormente colônia penal e área militarizada. 
Nesse resgate, vemos os conflitos pela busca de riquezas, histórias dos prisioneiros políticos e a exaltação da bravura pelo povoamento da região. A localidade também foi conhecida como Inferno Verde por ter sido um calvário e destino final para muitos.
No processo de ocupação, em 1920 eram quase 1700 pessoas (dado por si mesmo extraordinário se observarmos o isolamento da região), com melhoramentos acentuando-se a partir da fundação do Território Federal do Amapá, em 1943. 
Interessante descobrir que a primeira Estação Radiotelegráfica de Ondas Curtas da Região Norte foi inaugurada em Clevelândia, em 07 de setembro de 1927. Fato histórico para redução do isolamento e marco nas comunicações. O Amapá foi pioneiro nisso na Amazônia! Que surpreendente!
O autor exalta também a natureza, vendo-se passagens líricas descritas com um entusiasmo que as vezes soa engraçado, considerando-se a região de tensão da fronteira, mas dentro de um contexto, e sobretudo bonitos. Em exemplificação, transcrevo algumas linhas. 
"O dia 8 de maio de 1945, amanhecera ensolarado. As águas do rio Oiapoque corriam tranquilas e espelhavam sob o impacto dos raios solares. Os passarinhos cantarolavam alegremente. Araras e tucanos cruzavam a fronteira, em revoada. Da matas, vinha o gargarejar em coro da guaribas. A cachoeira do Grand Roche roncava com maior intensidade...."
É um livro curto, com apenas 56 páginas. Além das descrições históricas, o autor valoriza a cultura popular nas primeiras décadas do século XX. Tradições resultantes da influência de povos indígenas e da simplicidade cotidiana do homem na fronteira (como as lendas sobre o boto e homem do mato). Isso é ressaltado na narrativa dos amigos Tonico e Buiuna, em uma passagem de tempo que vai da infância à velhice naquela região. Esses elementos se fazem presentes em suas vidas e na de seus descendentes, ilustrando a vivência de homens simples, que tem histórias curiosas e interessantes - O Homem da fronteira

Informações do livro:
Título: O homem da Fronteira
Autor: Ruy Guarany Neves
Editora:
Smith Produções Gráficas Ltda
Ano: 2005
Páginas: 56
Tema: Amapá/História

Sugestão para leitura:

Biblioteca Pública Elcy Lacerda
Sala da Literatura do Amapá e da Amazônia 
 Macapá - Bairro Central