Salve, galera esperta! Poxa, dei uma conferida em mais uma publicação da nossa biblioteca em Macapá e curti demais. Invariavelmente, viajei muito e gostaria de compartilhar. Claro, lembrando que são simples observações de um leitor, para teres uma visão da obra e, quem sabe, embarcar nessa viagem também. Saca só qual é a desse livro...
Essa obra foi premiada em 1985 com o primeiro lugar em um concurso
nacional de monografias, promovido pelo Conselho Estadual de Cultura do
Pará, por ocasião dos 150 anos da Cabanagem.
Pasquale Di Paolo, o autor, é sociólogo e professor da UFPA (na ocasião).
A abordagem traz um olhar sobre a Cabanagem (em suas origens, ideais e
consequências) valorizando-a como revolução. Esse é o pensamento chave e a
inspiração. Assunto de divergências históricas e, principalmente, até a
publicação desse livro, sem ainda um registro valoroso e detalhado
nessa concepção.
Para melhor compreensão das pretensões, basta fazer um paralelo entre a
principal obra historiográfica do tema e a proposta do livro.
Domingos Raiol tem a visão de motins ou rebeliões (como se registra no
título de sua obra, "Motins Políticos") enquanto Pasquale Di Paolo
propõem a revolução nortista (enunciado no subtítulo do livro, "A
Revolução Popular da Amazônia"). O que influencia as diferentes
percepções é a estruturação política e cultural.
Raiol enfatiza que isso foi determinante na derrota dos cabanos (o que
está correto), porém, pela falta do suporte cultural, político e governamental, limita a percepção da Cabanagem essencialmente a revoltas
armadas, de insatisfação, que não chegou a se torna revolução (algo que tivesse um projeto político unificado).
Pasquale traz a proposição revolucionária que unificou a Amazônia em um
ideal libertário e, mesmo que tenha sido derrotada, se projetou e deixou
raízes que viriam a influenciar a ideologia no império e História do
Brasil.
Para chegar a essa valorização o autor considerou alguns aspectos.
O primeiro é a inserção da revolução no cenário internacional, nacional e
regional. A Cabanagem respondia a uma ideologia que acompanhava todos
esses contextos.
Em linhas gerais, no aspecto internacional, podemos citar a Revolução
Francesa (1789), a independência dos EUA (1776) e os movimentos
libertários nas Américas e Europa (como na Argentina em 1776 e na Grécia
em 1822). No aspecto nacional, ocorreram muitas lutas que fervilharam
no país (como a Revolução Pernambucana em 1824). Regionalmente, tem
destaque a adesão do Pará ao separatismo (que havia gerado episódios que
ficaram incutidos na determinação e inspiração cabana, como o massacre
do brigue Palhaço em 1823), a questão indígena agravada com a expulsão
dos jesuítas, e a cultura favorável à república e abolição da
escravatura. Todos movimentos de lutas revolucionárias contra um
conservadorismo e absolutismo resistentes. A Cabanagem tinha essa
conotação, entre outras coisas.
Em seu desenvolvimento vemos: luta política, luta social e luta de
resistência. Ressaltando-se o separatismo na questão política, a
cidadania na questão social e a luta de resistência contra as forças
legalistas.
Pela soma disso tudo, e outras coisas que o autor aborda, está caracterizada uma revolução.
O autor disserta também sobre a visão elitista sobre o movimento, que
contribuiu para esvazia-la de suas características e fragmentá-la a um
ponto de rebeliões (ou motins, segundo Raiol), com uma ideologia de
desvalorização. A concepção de Pasquale é popular, valorizando a consciência e disposição do povo para mudanças.
O livro é rico em histórias e orquestrações políticas que, para um leigo
como eu, trouxeram curiosidades e descobertas. As mais relevantes falam
das causas da derrota dos cabanos que, na minha ignorância histórica
(mas de grande vontade de descobertas) ficou marcada por personagens que
associei a derrocada, como o padre Prudêncio Tavares e o general
legalista Francisco Soares Andréa.
Dois personagens representativos de ideologias que influenciaram na derrota dos cabanos.
O primeiro, para mim, simboliza a resistência anti-cabana que o clero
teve. Ele atuava em Cametá e exerceu forte influência a não adesão da
população ao movimento (até com combates que derrotaram e mataram mais
de cem cabanos). Transfigura-se nisso a oposição do clero à Cabanagem,
que foi decisivo pela ausência do suporte intelectual ao novo governo.
Outros sacerdotes tinham essa mesma visão, como em Abaeté e Vigia.
O segundo, o general, mostrou a postura legalista para derrota dos
cabanos. O caminho foi terrível e genocida, vendo-se a formação de
tropas com o livre-arbítrio para execuções, contando com mercenários
contratados, com julgamento marcial severo imposto para todos de 15 anos
para cima, estabelecendo isolamento de Belém, tendo a associação com o clero interesseiro contra os revolucionários e a ideologia elitista disseminada sobre o movimento. Segundo o autor, houve até
estímulos de visão racista.
Entre os episódios descritos, foi interessante ler sobre os massacres em
Vigia e do brigue Palhaço, além do plano de vingança do padre Prudêncio
por conta da morte de alguns padres em retirada da região.
São impressões sobre a obra, que tem muitos outros aspectos para se descobrir. No final o autor realça os ideais libertários dos cabanos que, embora
derrotados, influenciaram a história subsequente. O último
navio-negreiro a aportar em Belém, por exemplo, foi um ano antes da
Cabanagem. Essa não foi uma luta de selvagens vindos das cabanas (olhar elitista),
mas de valorosos brasileiros em busca de seus direitos (revolucionários
enquanto povo marginalizado).
Título: Cabanagem: A Revolução Popular da Amazônia
Autor: Pasquale Di Paolo
Editora: Conselho Estadual de Cultura do Pará
Ano: 1985
Páginas: 416
Tema: Pará / História / Cabanagem
Algo que foge do contexto do livro é que gostaria de encontrar uma obra
que fosse mas atenta e detalhada na descrição do povo (similar ao que
Euclides da Cunha fez em "Os Sertões" sobre os sertanejos). Será que tem alguma desse jeito?
Será que as centenárias obras de Raiol trazem isso? Não sei, mas quero
conhecer muito mais dessa valorosa história.
Gostei e viajei muito, equivocado ou não, mas tentando entender. E te convido para essa aventura no saber também. Já sabe sumano, a obra está disponível na
Biblioteca Pública Elcy Lacerda.
Sala da Literatura do Amapá e da Amazônia
Macapá - Bairro Central