As postagens desse blog são em caráter informal, de apego ao saber popular, com seu entusiasmo, exageros, ingenuidade, acertos e erros.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Macapá e seus 255 anos.

Nos 255 anos de Macapá as principais notícias veiculadas nas emissoras locais no dia 04/02/2012 estão aqui relatadas (mania de arquivista). É um material interessante que deve ser difundido para pesquisas.

A TV Record AP exibiu uma reportagem (com Alinne Amanajás) com os seguintes pontos:

 
 Fortaleza de São José de Macapá (Revista Habitat 13 / Dezembro-1953) 

A história de Macapá está relacionada à defesa e fortificação das fronteiras do Brasil, assegurando a soberania de Portugal nas terras conquistadas.
Detalhe de pintura de teto no Palácio Marquês de Pombal em Oeiras (Portugal)

Foi em 1751 que Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Governador das Províncias do Maranhão e Grão-Pará, a quem perteciam a região, começou a povoá-la e o crescimento rapidamente progrediu. Em 02/02/1758 Mendonça Furtado instala os Poderes Legislativo e Judiciário da vila. Já no dia 04/02, na presença do povo tucujuense, ela foi transformada em Vila de São José de Macapá.

 Fundação de Macapá (Ilustração do livro "História do Amapá")

Fonte: casadosacores-rs.org.br
"Os nossos primeiros colonizadores foram habitantes das Ilhas dos Açores e a maioria, 80 a 90%, faleceu devido a insalubridade do local e às doenças tropicais como malária e cólera. Os construtores da Fortaleza construíram as suas casas circunvizinhas ao forte e a cidade começou a nascer assim, de início desordenada e depois com uma ordenação a partir do primeiro governo territorial." (Edgar Rodrigues - Historiador)


Em busca de melhores condições de vida muitas pessoas vieram morar em Macapá, principalmente por causa da extração do ouro, e tiveram a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento do local.
A partir da fundação da Vila de São José de Macapá foram surgindo algumas edificações, até hoje preservadas, que constituem o patrimônio cultural. Vamos conhecer algumas.
A primeira é a Igreja de São José, que representa um marco histórico, ela começou a ser construída em 1752. 
 
  Fotos históricas da Igreja de São José de Macapá 
publicadas no "Album do Estado do Pará - 1908"

Nas parede internas vemos pinturas que representam passagens bíblicas e o padroeiro São José.

Outra edificação é a Fortaleza de São José de Macapá, construída para garantir o domínio sobre as terras conquistadas no Tratado de Madri, em 1750, entre Portugal e Espanha, erguida estrategicamente na foz pela margem esquerda do rio Amazonas para impedir invasões e defender os moradores caso sofressem ameaças. 

 O forte pelo olhar de artistas.
 
Apesar de nunca ter sido utilizada para batalhas, 
hoje é uma das sete maravilhas do país.

Macapá é mais interessante com o Monumento do Marco Zero do Equador e é a única capital do país cortada pela linha imaginária do equador. Parte da cidade está no hemisfério norte e a outra no sul. 
 Ilustração de Mário Baratta.
No obelisco é também possível acompanhar o fenômeno do equinócio em que o dia e a noite tem a mesma duração em todo o planeta.
 Foto: Rogério Castelo
 A linha também divide o Estádio do Zerão.

O Amapá virou território em 13/09/1943 e transformou-se em capital do estado. Foi no primeiro governo territorial de Janary Nunes que a cidade começou a ser planejada, com ajuda da mão-de-obra de pessoas vindas de outros estados, principalmente de Belém do Pará.
Em 255 anos Macapá já evoluiu bastante. As ruas desertas, sem asfalto e cobertas de mato deram espaço para grandes construções, contribuindo para o crescimento econômico e populacional.

 
 Evolução de Macapá registrada em fotografias.
Infelizmente não soube identificar os autores das fotos, a não ser a referência de serem encontradas na Biblioteca da Prefeitura de Macapá.

Hoje a cidade possui mais de 415 mil habitantes, de acordo com dados do IBGE, e muitos brasileiros acabam escolhendo o local para viver. Até hoje a principal atividade da região são os setores do comércio e serviços. Os dois segmentos mudaram o cenário da cidade morena tornando-se os principais meios de sustentabilidade da população. Para se ter uma idéia dos mais de 8 bilhões de reais da soma de todas as riquezas geradas no estado durante o ano (o PIB) 5 milhões são somente para Macapá.

"O PIB do Amapá é aproximadamente 8,2 bilhões de reais. Só em Macapá você tem 5 bilhões de reais. Hoje a principal carência é a infra-estrutura urbana, a cidade não tem ruas boas, os postos de saúde estão abaixo do que a população espera, o saneamento básico é ruim, há poluição ambiental nos canais, áreas de ressacas ocupadas desordenadamente e tudo isso demanda recursos, fundamentais para Macapá hoje atrair empresas, investimentos e proporcionar condições de crescimento, trazendo melhores condições de vida para quem mora na cidade."   (Antônio Teles – Economista)

Mesmo ainda com falta de infra-estrutura Macapá, com florestas preservadas e o espetacular Rio Amazonas, ainda é uma cidade que serve de refúgio para muitas pessoas por causa da vida levada ao ritmos dos rios, das matas e dos tambores de marabaixo, além das belezas naturais e tradições culturais únicas.

A TV Amazônia (SBT-AP) exibiu uma série de reportagens sobre os 255 anos de Macapá. No dia 04/02 o vídeo exibido foi sobre o Museu Sacaca, que foi reinaugurado no aniversário da cidade em 2012 e reproduz um pouco do modo de viver do amazônida, destacando também as possibilidades econômicas e potencialidades da floresta. Macapá é assim, com um povo com suas particularidades e, mesmo com as muitas dificuldades existentes, apresenta potencialidades que precisam ser descobertas, bem administradas ou conservadas. Tal qual uma floresta não ser só mato, a cidade também não se resume a um caos crescente (não com empenho e administração realmente voltada ao desenvolvimento e interesse comum da população. Utopia?) Tu sabias, por exemplo, que Macapá está entre as 5 cidades mais populosas do Norte. Ah se estivesse entre as mais desenvolvidas... ou fora das listas mais decadentes (acidentes de trânsito, violência, etc e tal).

Os principais pontos apresentados na reportagem do SBT foram:
Este é o cenário da majestosa mãe natureza, inspiradora dos poetas, mestra dos sábios, dos conhecedores dos cantos, encantos e segredos dessa imensidão, dos homens que fazem experiências reveladoras pondo em prática uma missão: a cura através das plantas medicinais.

Imagens do Rio Amazonas: 
1) Em frente à Fortaleza, o cartão postal de Macapá (Foto: Luiz Carlos Maia Cardoso)
2) Em frente ao Aturiá, o crescimento desordenado de Macapá (Foto: Antonio Leal Jr)
  1) Na frente da cidade, a estátua de São José... inspirações diversas (Foto: Hiltrudes P. Silva)
2) Na frente da cidade, a poluição... descasos diversos (Foto: Arquivo Biblioteca SEMA-AP)
 
Foto: Acervo Museu Sacaca
Foi assim que durante muitos anos o sábio e curandeiro Raimundo dos Santos Souza, o saudoso Sacaca, dedicou parte da vida cuidando daqueles que muitas vezes deixavam de acreditar na medicina científica. O senhor das florestas, como também era conhecido, não poderia deixar de fazer parte da história de Macapá. O Museu Sacaca foi recentemente inaugurado. São 12 mil m² em um espaço a céu aberto construído a quinze anos para retratar a nossa cultura, arte, beleza e nosso povo. Ideal para quem quer promover as suas pesquisas e quer ver a nossa fauna , flora, o modo de viver das pessoas que habitam esta terra, como também a divulgação das pesquisas realizadas pelo IEPA, através de exposições e atividades didáticas. Tudo restaurado e devolvido aos olhos exigentes da comunidade.

Foto: Acervo Museu Sacaca
Na reabertura do Museu Sacaca (em 2012) admiração pelo que veio de novidade: espaços como vitrine de negócios, maloca multiuso, praça das etnias, espaço para exposição temporária, praça do pequeno empreendedor, quiosques com comidas regionais e o Regatão N. Sra dos Milagres, um barco de exposições que mostra como era feito o comércio nos rios da Amazônia. A embarcacação suporta até 20 pessoas e navega por um canal de cerca de 80 metros. 

Se o momento é de parabéns, que dizer para esta cidade que ultrapassa dois séculos e meio de existência... Te desejo tudo de bom Macapá e que teu endereço fácil ("...na esquina do rio mais belo, com a linha do equador...", trecho de uma canção de Zé Miguel) sirva de reflexão para os que ainda virão e que te tranforme em uma verdadeira metrópole, a futura jóia da Amazônia.

Na TV-AP os pontos mostrados, na reportagem de Jailson Santos, foram:
362,5 % é a taxa de crescimento da população macapaense nos últimos 40 anos.
"O número passou de 80  mil para cerca de 400 mil, um dos maiores crescimentos entre as cidades brasileiras nos últimos anos. Houve um fluxo muito grande da população para cá e uma coisa muito latente é o fluxo de paraenses." (Haroldo Canto - Chefe Regional do IBGE)
Macapá é a 53ª cidade mais populosa do país e das maiores na Região Norte. A cidade cresce, atrai novos investimentos e cada vez mais pessoas.
Município de Macapá (SEMA - 2006). Pode ser encontrado em alta resolução na Biblioteca SEMA.
Há 40 anos 60 % da população se concentrava na área urbana, hoje são mais de 95 %. O macapaense deixou a área rural para morar na cidade, que atrai também pessoas de outros estados. É do estado do Pará que vem a maioria dos migrantes. Saõ mais de 95 mil paraenses (95.073), seguidos de maranhenses (12.131) e de cearenses (3.576), pessoas quem vem em busca de dias melhores e são acolhidos como filhos daqui.
Macapá é uma cidade bonita e acolhedora que completa 255 anos, mas a paisagem urbana de quem já foi um povoado não entrega a idade.
Macapá e Santana (Google Earth). As principais cidades do Amapá.
Em 04/02/1758 o governador do Grão-Pará e Maranhão, Mendonça Furtado, elevou o então povoado à Vila de São José de Macapá e hoje a Fortaleza de São José, o antigo prédio da Intendência e a Igreja de São José são as principais referências desse período da história. Edificações que precisam ser preservadas.
Antiga Intendência de Macapá. Hoje, Museu Joaquim Caetano.
Arte de Diniz Botelho em dinizbotelho.blogspot.com.br
Nascer do sol na Fortaleza de São José de Macapá (2002).
Arte de Jeriel Souza em minhaartejeriel.blogspot.com.br
O Rio Amazonas em frente à Fortaleza de São José de Macapá.
Arte de Nelson Baltazar.
"A valorização das edificações são importantes porque são a ligação da nossa identidade com o passado e através dessa paisagem edificada que vinculamos o exercício da memória de períodos anteriores das quais a cidade foi se materializando. Cada prédio tem uma história e a partir da preservação as gerações futuras também vão dando importância para saber como a cidade deve caminhar para o futuro. Para se valorizar o passado é preciso entender que o futuro se faz no presente e a cidade tem um potencial muito grande. Temos a tendência de falar dos problemas, mas Macapá tem três aspectos importantes: é uma das poucas cidades cortada pela linha do equador, tem o Rio Amazonas e a Fortaleza. Esses três atrativos são significativos, mas não estamos oportunizando esse elo. Na minha avaliação, com as pesquisas desenvolvidas nos últimos 10 anos, a cidade está "de costas para o rio". Valorizar é uma responsabilidade dos gestores e de toda a sociedade civil, que devem plasmar o fato de que o primeiro princípio do desenvolvimento da sociedade começa pelo cuidado que seus usuários devem ter para preservá-la." (José Alberto Tostes - arquiteto e urbanista)
A cidade é acolhedora também com os turistas. Com o crescimento e a chegada de novas empresas, 07 de cada 10 turistas visitam a cidade no chamado Turismo de Negócios.
"Temos um percentual bem maior no turismo de negócio porque essas pessoas quem vem aqui fazer negócios, acabam fazendo esses turismo esporádico de lazer e de conhecimento da cidade. Temos um potencial que pode ser explorado, mas é preciso investir em divulgação." (Elenildo Marques - presidente da ABAV)  
Igreja de São José em 04/02/2012 (Foto: R. Castelo)
Pintura de Wagner Ribeiro - wagnerartes.blogspot.com
As agências acreditam no potencial de Macapá para atrair também turistas a passeios. Investir em divulgação lá fora e em infra-estrutura é preciso, só que os investimentos ainda não conseguem acompanhar o desenvolvimento da cidade. O inchaço populacional e crescimento desordenado causam estragulamento dos serviços básicos. São problemas na educação, saúde, segurança, transporte e saneamento. 
Mesmo enfrentando dificuldades, para muitos, a cidade de Macapá é próspera e de oportunidades.

Essas foram reportagens exibidas em emissoras locais 
em 04/02/2013, aniversário de 255 anos de Macapá.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

"As Histórias de João Pescador" - Mauro Guilherme

A Amazônia é grandiosa nos temas ambientais e folclóricos, mas não se resume a isso. Há uma diversidade de saberes e expressões nos mais variados segmentos culturais, históricos, tecnológicos e por aí afora. Tudo muito digno de divulgação, mas eu meus amigos, gosto de ouvir, conhecer, ver e ler sobre as coisas mais tradicionais - o cotidiano do folclórico ribeirinho - e desse contexto que apresento mais este livro "As Histórias de João Pescador", de Mauro Guilherme

O livro foi publicado em 2010 e narra as histórias de dois ribeirinhos: João Pescador, um pescador que não gosta de mentira, e seu grande amigo Zé Mutrica, que acredita em tudo o que ouve e conta histórias inacreditáveis. Ambos são caricatos - um caboclo macambúzio e o outro gaiato - que dominam os saberes de sua região e pouco ou nada sabem além dessas fronteiras (semelhante ao que vemos em todas as regiões). As histórias são ambientadas no Rio Peixe-boi (Pará), onde vivem aventuras em que as lendas, os animais, a floresta, a linguagem, enfim, o universo do caboclo da Amazônia vai surgindo nos contos e o humor se fazendo presente. 
São histórias sobre a onça, a sucuri, o Saci, a Mãe D’água, um casebre mal-assombrado, uma baleia, um menino e um peixe que não existe, um cachorro que João Pescador não quer, o sumiço de um cavalo baio, um gaúcho, um filósofo, um padre, um português e, ao final do livro, já sem os dois personagens, o Lobisomem aparece em um julgamento sobre sua morte, enquanto uma coruja desvenda um crime ocorrido na floresta. Trata-se do primeiro livro de literatura juvenil publicado pelo autor.

O Livro é:
Título: As Histórias de João Pescador
Autor: Mauro Guilherme
Editora: SCORTECCI
Páginas: 112
Ano: 2010
ISBN: 978-85-366-1776-3
Temas: Contos / Amazônia


O autor, Mauro Guilherme,  nasceu em Belém (PA) e mora no Amapá desde 1991. Suas obras já foram premiadas e também leitura em vestibulares. Publicou: "Reflexões Poéticas" (1998), "Humanidade Incendiada" (Poemas-2003), "Destino" (Romance-2007), "O Trem de Maria" (Contos-2008), "Histórias de Desamor" (Contos-2011) e "As Histórias de João Pescador" (Contos-2010). Este, por exemplo,  foi premiado no Concurso de Literatura Juvenil da União Brasileira de Escritores, RJ/2007. Tem também participação em três antologias literárias e é membro da Associação Amapaense de Escritores e da União Brasileira de Escritores.

(Informações de Scortecci Editora

Obra de VIANA (Pintura fotografada na Expofeira de Macapá/2012)
"João Pescador e Zé Mutrica"

- Ô João, que idéia boa foi nóis vim aqui pro rancho passá essa noite, olhá as estrela, vê o rir, dormí com os bicho, sentí o frir no corpo, acendê fuguêra, como nossos ancestrá.
- E as carapanã, tu num fala não?
- João, João! É muito feio carçoá de coisas tão bonita quanto esta.
- Eu não queria vim, mas tu tanto insistiu, que aqui tô eu num frio de congelá isquimó, num tem nenhuma estrela no cér, os bicho da mata num fazem nenhum som, porque certamente tão tudo encolhidos na suas casas, num dá prá vê o rir por causa da escuridão da noite sem estrela, levamo uma hora prá acendê a fogueira, pruque a madeira tava molhada, e ainda tem carapanã pra cachorro, como canta o galo lá de casa.
- Reclamá num é cristão, João! Olha o que aquele lá de cima nos deu. Vamo agradecê o que nóis temo.
- Sabe, tu tem razão, Zé Mutrica! Senhô, obrigado pelo frir de lascá, por esta noite sem estrela, pelos carapanã que tão ferrando a gente...
- Oia, joão, que Deus te castiga!
Nessa altura da conversa há um trovão.
- Num falei!
- Deixa de sê ingnorante, que isso num tem nda havê com Deus. Num sei explicá, mas é coisa da natureza. Nós num somo os índio, Zé, que morava por aqui, e acreditava nessas coisa. Trovão tem havê com nuvem e num sei mais o quê.
- É Deus ralhando! Eu sei que é, João, eu sei que é! Ele num gostô de tu reclamá da noite que ele deu pra nóis.
- Vem chuva aí!
- Se viê, é porque ele ficô tão triste, que vai chorá.
- Quem vai chorá!
- Aquele lá de cima!
- Se tu num pará com essas besteira, quem vai chorá é tu!
- Valha-me nossa senhora!
- Que foi?
- Lá vem elas, João!
- Elas quem?
- As lágrimas de Deus!
E num instante chegou a chuva. João Pescador e Zé Mutrica correram para se abrigar no rancho.
- Eta, João, que coisa boa, hein! Dormi com este friozinho, com a chuva batendo no teto do rancho, o vento assobiando, o chêro da mata...
- E as carapanã?
- De novo?
- Elas vieram se abrigá da chuva aqui dentro do rancho.
- São criatura de Deus, João, as coitadinha.
- Coitadinho de mim, que tô ficando sem sangue!
- Tu é pescadô, ô num é, João?... Pescadô num sente ferrada de carapanã.
- Eu só num sinto quando tô pescando.
- Ai!
- Que foi, Zé!
- Elas me pegaram!
- Tu num é pescadô?
- Sô, mas essa deve de sê canibar. Num ferra, morde.
- Vamo acendê as porronca. Quero vê se elas ainda se aproxima.
- Ô porronca boa, em João?
- Sô de concordá contigo, Zé!
- Tu tinha razão, elas nem chegam perto.
- É a fumaça. Sabe aquele perssoá do exécito, que vem de vez em quando praqui, Zé?
- Sei!
- Os recuta num deixa de trazê cigarro, mêmo que não fume, se não num aguenta.
- E depois da gente ir dormir? Num dá prá fumá dormindo!
- A gente se cobre dos pé à cabeça.
- É memo, João, tinha  me esquecido. Tu conhece aquela piada do homi que queria se livrá das carapanã?
- Conheço não!
- O homi num podia dormí por causa das carapanã, que toda noite invadia seu quarto. Então, ele foi num dotô prá vê se rumava um jeito de se livrá delas. 
- Pera aí! O que é que tem havê dotô com carapanã?
- Eu num sei, mar a piada é assim mêmo. Vai vê que era um dotô de carapanã!
- Isso num existe!
- Existe, sim, João, existe! Minha prima que mora na capitar, veio um dia desses aqui, e disse que existe. Tem dotô lá pra tudo.
- Num existe!
- Tu qué ouví a piada ou num qué?
- Num quero!
- Como eu ia dizendo, o homi foi num dotô, e depois de contá tudo pra ele, o dotô disse: Sê dorme de luz acesa? O homi respondeu: Durmo! Então é isso - disse o dotô. É só apagá a luz, que elas num vêm mais. O homi foi pra casa feliz da vida. Num dormia há três noite por causa das carapanã. Quando foi de noite, apagô a luz. Aí começou a sentí as ferrada e ouví os mesmo zumbido. Por coincidênça, nesse mesmo dia tinha entrado no quarto um bando de vaga-lume. No outro dia o homi foi de novo no dotô, desalentado: E aí seu Binha - era o nome do homi -, como é que foi? Num adiantô nada, dotô. Elas vieram de lanterna.
- ....................................................................
- Tu num vai rir, não?
- ....................................................................
- Tu num entendi de piada mêmo. Tu é um bronco, um filho de uma cascavé, um macaco-prego, um filhote de porco-espinho, primo da mula-sem-cabeça, tomara que a mãe-d'água te pegue, a cobra grande te leve, o mapinguari te coma...
- ....................................................................
- Eu vô dormí!
E Zé Mutrica, muito invocado, virou para o outro lado e dormiu.
João Pescador ficou fumando sua porronca dentro do rancho, lembrando da piada do Zé. Ele já não tinha gostado daquela parte do doutor de carapanã, e ainda veio aquela outra de carapanã com lanterna! "Que homi seria tolo prá acreditá nisso?" - pensava. Aí a piada, que já estava insossa para ele, perdeu toda a graça. É que ele era João Pescador, mas não gostava de mentira.

Texto de Mauro Guilherme publicado em "As Histórias de João Pescador".

Obra de HERIVELTO MACIEL (Pintura fotografada em exposição no IBAMA-AP/2012)
Mais informações sobre o autor em:

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Pedra Branca do Amapari e o crescimento migratório (Reportagem do JN em 2012)

Em 30/10/2012 o Jornal Nacional exibiu uma reportagem sobre Pedra Branca do Amapari, em uma série sobre o crescimento migratório no país. Segundo dados do IBGE a população do município saltou de 4 mil para 11 mil habitantes (entre os anos 2000 a 2010). Foram apresentados os pontos que contribuíram para isso, as consequências e efeitos sobre a capital amapaense.

Reportagem: Rodrigo Alvarez
Produção: Juliana Lima / Angelo Fernandes / Arilson Freires
Técnicos: Eduardo Barbosa / Alexandre da Silva
O vídeo está disponível na videoteca da Biblioteca SEMA em Macapá.

Pontos apresentados:

- A equipe do JN no Ar foi ao Amapá para ver de perto o crescimento populacional apontado no Censo do IBGE. Isso acontece devido a migração, ou seja, por causa dos brasileiros que saem de suas cidades pensando em ter uma vida melhor na região. Vamos ver os motivos e efeitos dessa migração.
Mapa: Wikipédia
- São 100 km de asfalto e mais 100 de buraqueira. A equipe foi à mesma estrada que, em média, dez brasileiros percorrem a cada semana pensando em melhorar de vida. Chegamos em Pedra Branca do Amapari.
 "...se esta rua, se esta rua fosse minha..."

O acesso é pela BR-210 (a famigerada Perimetral Norte), com asfaltamento entre os municípios de Macapá e Porto Grande (em má condição) e situação precária sem asfaltamento até Pedra Branca (experimenta ir na temporada das chuvas...).
"... aonde tu vais rapaz, por este caminho sem fim?..."
- Vemos trabalhadores uniformizados do Maranhão, de Goiás, do Pará, de Minas, e de praticamente todo o Brasil, a caminho do trabalho.
- Só contando esse movimento migratório, a população de Pedra Branca do Amapari cresceu 24% em cinco anos e chegou a quase 11 mil habitantes. Mas a cidade não se preparou para isso. 
- “A população chega em um determinado local e quer que a presença do estado esteja ali, só que o estado não está preparado para atender toda aquela população”, revela o tenente da PM Alex Sandro Chaves.
- O município que tem só dois policiais por turno não costumava saber de mais do que um homicídio por ano. Desde janeiro, já foram nove (informação de 2012).
- Pedra Branca vai ganhar sua primeira praça, mas ainda não sabe o que é saneamento básico. Encontramos deficência na coleta de lixo e a prefeitura segue com a obra para transformar a minúscula câmara de vereadores em uma supercâmara.
"... êêêêê faraó.... que mara-mara-mara-maravilha é..."
- O ajudante geral Marcelo de Souza foi pensando em juntar dinheiro e voltar para o Maranhão. “Não sei se volto mesmo, só o homem lá de cima sabe”, diz ele.
- Mas o que faz com que tantos brasileiros saiam de suas cidades, viajando às vezes dois ou três dias pelas estradas para começar tudo de novo em Pedra Branca do Amapari? A resposta está debaixo da terra.
- A cidade foi fundada há 20 anos, mas só passou a existir para valer há sete anos, quando uma empresa de mineração se instalou no local. Em 2011, chegou mais uma.
"...Salve rico o torrão do Amapá
Solo fértil de imensos tesouros..."
- O que para os que não conhecem parece pura terra, pode ter até 60% de minério de ferro. Além disso, até três gramas de ouro em cada tonelada que caminhões retiram do lugar.
"...Os teus filhos alegres confiam
Num futuro repleto de louros..."

Será? O que vemos...
... é muita riqueza sendo explorada e grandes dificuldades
em uma cidade ainda pequena. Visualize esse mapa AQUI.
- Entre 2005 e 2010, a migração foi responsável por um aumento de 3,3% na população do Amapá. Esse movimento aconteceu em 15 dos 16 municípios do estado.
 
- Em Macapá, só a expectativa de que velhos geradores sejam trocados por hidrelétricas animou muita gente a se mudar para o lugar. O estado do Amapá até hoje não tem uma linha de transmissão para levar energia do "continente". Mesmo assim, na última década, foi o segundo estado brasileiro que mais cresceu em termos proporcionais.
- Natanael chegou como empregado há seis anos, mas depois que virou dono já mandou buscar mais 20 conterrâneos na Paraíba. “Eu ganhei tudo aqui, em Macapá. Hoje, sou o que sou por causa dessa terra abençoada”, elogia.

Fonte das Informações: 
 g1.globo.com

Essa foi a reportagem apresentada no JN. Pedra Branca é hoje um dos municípios com maior crescimento populacional no Amapá e também com elevados problemas urbanos. Foi emancipado há 20 anos (Lei Estadual Nº 08 de 1º de maio de 1992) e desde sua origem tem o crescimento ligado à exploração mineral (garimpo e minério-de-ferro). Muita gente vem para Macapá acreditando ser uma terra de oportunidades e vários migram para Pedra Branca com a expectativa de emprego nas mineradoras que atuam na região, ou em atividades secundárias a isso. A cidade não está preparada para o alto índice de pessoas, observando-se condições precárias de habitação, prostituição e um desenvolvimento lento (basta ver a situação da rodovia de acesso - BR 210/Perimetral Norte - que tem várias décadas e até hoje é uma das mais precárias no Amapá, sem um mínimo de asfaltamento onde se tem tanta riqueza sendo explorada). No início de 2013 a mineradora do Grupo Zamim adquiriu o controle do empreendimento da Anglo Ferrous, que atuava desde 2007, e há um projeto de implantação da primeira indústria siderúrgica no estado (precisamente no município de Macapá). Pedra Branca vai continuar gerando riqueza, crescendo e desenvolvendo-se (é certo). A que passos é outra história...

Um pouco de nostalgia:
Em 2007 foi implantada a Biblioteca Pública e Ambiental do Município de Pedra Branca do Amapari, em uma ação conjunta do  Governo Estadual (através da SEMA) e Prefeitura do Município. Houve também uma cooperação de empresas que atuavam na região (MMX e MPBA). A biblioteca recebeu acervo com vídeos e literatura com tema ambiental, constituindo-se em uma boa referência para a pesquisa estudantil. Atualmente precisa urgentemente de uma implementação.

Imagens da implantação em janeiro de 2007 (Fotos: Arquivo da Biblioteca SEMA)
 
 
 
 
Equipe da SEMA que implantou a Biblioteca (na primeira quinzena de janeiro): Paulo Figueira, Nelsiana Teixeira, Maycon Tosh, Rogério Castelo e Manoel Cardoso (participaram também funcionários da Prefeitura de Pedra Branca - Elizeu, Marta, Érica e outros que não recordo os nomes). 
Foram organizadas: sala para exibição de vídeos, sala do acervo literário, sala de consultas e sala de informática. 
Através do projeto GEA/SEMA foram adquiridos o mobiliário (cadeiras, mesas, estantes, armário e rack), computador, impressora, televisor, DVD, videoteca com mais de cem documentários e o acervo literário (com publicações compradas ou doadas totalizando mais de mil obras, entre livros, folhetos, periódicos, obras de referência e livros didáticos). 
A maior parte do material adquirido pela SEMA teve direcionamento aos temas ambientais e a sala de informática resultou de parceria com empresas mineradoras na região.

Imagens da reforma do prédio da biblioteca (Fotos: Arquivo da Biblioteca SEMA)
A prefeitura disponibilizou o local para a implantação da biblioteca e aí também se instalou a Secretaria Municipal de Meio Ambiente.
 Inauguração em 07/02/2007 (Fotos: Arquivo Biblioteca SEMA)
  
 
A inauguração contou com a participação de escolas, autoridades municipais/estaduais e vários técnicos da SEMA que se deslocaram ao município. No mesmo dia foi inaugurada também a Biblioteca da Escola Família Agrícola da Perimetral Norte (EFAPEN ou vulga EFA do Cachorrinho), também organizada pela mesma equipe da Biblioteca Ambiental da SEMA em Macapá (mostro as imagens em outro momento, na certeza de estar resgatando um pouco da história).

 Localização da Biblioteca (Mapa: Google Maps)
Biblioteca em 2007, pós inauguração. Uma conquista para o município.
Biblioteca em 2012. Precisa de uma implementação (avaliação da situação do patrimônio incorporado, aquisição de novos títulos e documentários, reorganização do acervo, atualização da base de dados, etc).
 Um pequeno registro na história em alguns momentos:
 
2007
 2012
Notaste uma sutil diferença na urbanização? Pois é, nossa biblioteca precisa também evoluir "da porta para dentro". Existe projeto na SEMA mas é necessário reconhecimento e valorização da importância destes centros pelas autoridades municipais e estaduais para que isso aconteça.
2017
Em Outubro de 2017 o cenário encontrado foi de abandono. Infelizmente a biblioteca fechou as portas, o prédio onde funcionava está sujeito ao vandalismo e o acervo foi deslocado para outro local da Prefeitura, encontrando-se  guardado em condições inadequadas, sujeito a perdas e danos permanentes.
Segundo informação obtida no município, a retirada do material ocorreu pela necessidade de reformas no prédio, como se observou, mas sem previsão de data próxima. Que coisa triste!

Há muito o que se descobrir sobre 
Pedra Branca do Amapari.
Divulgue também seus conhecimentos.
Visite e valorize nossas bibliotecas.