As postagens desse blog são em caráter informal, de apego ao saber popular, com seu entusiasmo, exageros, ingenuidade, acertos e erros.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Chão Cametaense (Victor Tamer)

Em 1985 tivemos o marco de 150 anos do início da Cabanagem (movimento revolucionário de ideais libertários, ocorrido no Pará).
A data foi marcada por lembranças sobre o movimento em dois aspectos. Houve celebrações (como a publicação da obra "Cabanagem, a revolução popular da Amazônia", de Pasquale Di Paolo, 1985); e resgate de histórias de rejeição aos cabanos (como a resistência da cidade de Cametá, que atribuiu ao movimento uma conotação subversiva e violenta, tendo embates em luta armada). Esse segundo aspecto foi tema de um discurso de Victor Tamer naquele ano, no Instituto Histórico e Geográfico do Pará, ressaltando a história de Cametá e seu nacionalismo anticabano, exaltado até hoje em episódios que ideologicamente dão uma conotação de bravura e união do povo.
O discurso de Victor Tamer, realizado no contexto da semana de celebração dos 150 anos da Cabanagem, é o tema dessa publicação de 1987, que o conserva (creio eu) em sua totalidade (ou quase isso) e pode ser analisado em três partes, como está destacado no livro. Ressalte-se que o orador é cidadão ilustre de Cametá e fez parte da Academia Paraense de letras.

O texto tem visão conservadora, é pejorativo em alguns momentos e ideologicamente efusivo na referência à Cametá, por suas origens e lutas. 

A primeira parte mostra a história da localidade, referenciando vários pontos, como:
- A existência da nação indígena dos Camutás na região do rio Tocantins do século XVII (inspiração ao nome da cidade);
- O primeiro contato de um europeu com essa nação indígena (através do conquistador e governador francês no Maranhão, em 1613, Daniel de La Touche);
- O estabelecimento de missões de catequese na região (que na exposição do orador deram origem a ocupação estrangeira em 1617, com destaque nessa fase a ação do frei Cristóvão de São José);
- A fundação oficial da Vila Viçosa de Santa Cruz de Cametá (em 1635, através do governador Francisco Coelho de Carvalho, capitão general do Maranhão e Grão-Pará).

Alguns episódios de conotação ufanista foram também relatados:
- A passagem do Padre Antonio Vieira (que é enaltecido como santo); 
- A organização de uma expedição por Pedro Teixeira em 1637 (que arregimentou, entre outras coisas, vários indígenas e conquistou - 'tomou' - e expandiu os limites da região e do Brasil);
- A mudança da localização da vila por questões de segurança relacionadas ao tipo de solo e erosão passível, em 1702 (a nova sede foi oficializada pela Câmara Municipal em 1713); 
- A citação de dois momentos de epidemias na história da região, sugestionando a força e resiliência do povo (varíola em1662 e cólera em 1855); 
- A elevação da vila à categoria cidade em 1848 (enfatizando-se a sociedade desenvolvida e culta nas palavras do orador); 
- E o que é mais celebrado, referente a resistência anti-Cabanagem em 1835. Esse aspecto é valorizado em histórias que reforçam feitos legendários (como o florescimento de uma sumaumeira na estaca que foi usada na cerca de defesa da cidade, que brotou e existiu por 126 anos - o fato é verdadeiro, mas é evidente que foi aproveitado como propaganda ideológica)
Essa é a primeira parte, que achei mais interessante. 

Estou supondo que as outras partes são continuações, pois a obra, com todo respeito a sua representatividade, está muito mal editada. 

A segunda parte fala da Cabanagem em si e tem tem conotação pejorativa. 
- O autor ressalta uma concepção de apego à justiça e harmonia pacata existente na cidade; 
- Resgata um ponto histórico e importante na inspiração dos cabanos, que ficou conhecido como "Massacre do Palhaço". A história de cidadãos descontentes e revoltosos do Pará, cruelmente assassinados nos porões de um navio em 1832, por ordem do mercenário inglês Greenfeel - aliado dos governo do Brasil (responsável também por ações violentas em Cametá); 
- E que esses episódios provocaram descontentamento e mobilização entre os cametaenses (citados por Victor Tamer como as raízes da Cabanagem);
- O movimento explodiu em 1835 e o orador finaliza essa parte com episódios de violência em Belém. 

A terceira parte (se de fato é...) valoriza a história de Cametá anti-Cabanagem, onde a principal figura é o padre Prudêncio das Mercês Tavares, que atuou como líder espiritual, civil e militar na região. Não se mostram muitos detalhes além da construção da cerca na luta de resistência, e o lado sanguinários está apenas com a "desvairada rebelião", que terminou na heroica ação do general pró-império Francisco José de Souza Soares Andréa. 

Olha! Essas são observações que retirei do que o livro concebe.  

A história é muitas vezes como um vaso de barro que se molda a seu gosto e as concepções restringem-se comumente a uma ideologia estrategicamente construída. A Cabanagem teve episódios sangrentos, frutos de uma desarmonia por falta de liderança melhor preparada (como o clero negou com sua não adesão, disfarçada em muitos falsos conceitos, como um nacionalismo hipócrita), o general Andréa teve ação genocida na Amazônia em histórias terríveis; o padre Prudêncio comandou eventos de vingança e foi mentor de mortes violentas; o governo da Regência de Feijó fez planos de unir forças com franceses e ingleses para extermínio maior na região amazônica; o Padre Antônio Vieira manobrou muita coisa na Europa e Brasil para favorecer seu zelo e regalias nas missões (como a libertação dos indígenas do jugo da escravidão a custo da sugestão da escravatura dos africanos); entre outras coisas que a História permite discutir, aceitar ou discordar. 

Informações do livro: 
Título: Chão Cametaense
Autor: Victor Tamer
Editora: Edição do Autor
Ano: 1987 
Páginas: 30 
Tema: Discurso / Cabanagem / História / Pará / Amazônia

Foram as coisas que me instigaram na leitura. Não concordas? É positivo. Quero aprender também. Pegue o livro, faça sua leitura e tenha suas conclusões. Posicione-se. Leia, busque, estude.

A obra está no acervo da
 Biblioteca Pública Elcy Lacerda
Sala da Literatura do Amapá e da Amazônia 
Macapá - Bairro Central