Diário da derradeira expedição de Raymond Maufrais, jovem explorador francês desaparecido na Guiana Francesa em 1950.
Sobre o autor, Maufrais acumulara experiências em expedição no Mato Grosso, em 1946, quando juntou-se a equipe brasileira na meta de contato com os Xavantes, redundando na publicação Aventuras em Mato Grosso.
Fato interessante é que fez parte também da resistência francesa na Segunda Guerra, enquanto jovem aspirante ao jornalismo, sendo condecorado com medalha pelas lutas de libertação de Toulon (sua cidade natal).
Após retornar do Brasil, recebeu patrocínio de revista francesa para expedição pioneira na Guiana Francesa, onde atravessaria a colônia no sentido norte-sul, adentrando a selva rumo ao Tumucumaque no Brasil (trajeto desconhecido) de onde pretendia chegar a Belém e ao Maranhão.
O diário tem poucas páginas, sendo encontrado em região erma. Segundo o autor, para que fosse recuperado, quando estava em situação precária e duvidando da sobrevivência.
Os relatos iniciam em Paris, em 17/06/1949, nos preparativos para a expedição, e finda em 13/01/1950, com os últimos registros de Maufrais na fronteira da Guiana Francesa com o Brasil.
Está dividido em quatro partes, que são determinadas por certas etapas da expedição.
Em termos gerais, a primeira parte é curta, destacando o embarque em Paris e o início da expedição no norte guianense, a partir da cidade de Saint Laurent. Destaca-se o entusiasmo do autor, que tinha 24 anos e via nessa jornada reconhecimentos por protagonismo e ineditismo expedicionário no trecho do Tumucumaque. Vemos também visão pessimista de moradores locais, com palavras de desencorajamento e certo vaticínio nas últimas linhas.
A segunda parte corresponde ao trecho até Maripasoula, percorrido através de rios com ajuda de pirogueiros. Os registros mostram dificuldades que pareceram minimizadas durante os preparativos, como as chuvas intensas, trechos com corredeiras em que a embarcação virou, febres que acometeram Maufrais e seus ajudantes, ataques de morcegos vampiros durante a noite, dificuldades no transporte (por conta de equipamentos inadequados, como mochilas frágeis) e escassez de mantimentos.
A parte tem também curiosidades locais, como referências ao samaracás, além de descrições sobre a região (teriam avistado sucuri que calcularam em 12 metros... será?).
A terceira parte corresponde ao direcionamento à região do Tumucumaque, no Amapá, feito inicialmente através de rios e depois em trecho desconhecido, em que o explorador adentrou a selva amazônica apenas em companhia de seu cão Boby, buscando determinado rio.
O texto até então objetivo passa a ter muitas divagações, com Maufrais combalido por fraqueza, fome, reconhecendo descuidos e com certo desespero. Notamos estar perdido e abalado mentalmente. Os relatos finais dessa parte são bastante melancólicos, diante de constatação de erro de avaliação.
A última parte é chocante, como no abate do cão para usar como alimento diante da fome, com exaustão dominante. Maufrais conseguiu chegar ao rio Tamouri, em região pouco explorada, onde mudou a meta para alcançar acampamento de garimpeiros, de relatos não precisos. Fez uma jangada, mas padeceu com a fraqueza, perdendo assim o meio de transporte e equipamentos. Nítido o desconhecimento preponderante da região, além do abalo psicológico.
Um povoado foi alcançado, mas estava abandonado...
Os relatos tem tom de despedida, há reconhecimento de despreparo em muitas medidas adotadas, a fome é intensa, as forças esvaem, o desespero se faz presente, o autor se despede, deixa o diário para que possivelmente seja recuperado e some na selva, para nunca mais ser encontrado.
A notificação do desaparecimento trouxe seu pai para a Guiana Francesa, onde realizou mais de 20 melancólicas expedições em busca do filho, com mergulhos no último rio dos relatos, mensagens e sinais deixados pelo caminho. Tudo sem sucesso, o que levou também a mãe a depressão e internação.
O texto não é rico em detalhamentos da selva e o que essencialmente instiga é a percepção da necessidade de equilíbrio nos projetos, entre disposição e preparativos adequados. Não se sabe a causa exata da morte do explorador, mas esses fatores foram influenciadores.
Muito nativos temiam a selva devido a desinformação e o despreparo para lidar com as situações, fortalecendo crendices e medo em resposta. Algo que Maufrais não conseguiu superar, pois diante de seu desafio, respondeu com desinformações e despreparo para situações que deveriam ter sido previstas. O registro traz essa percepção, como na falta de mapas (quando alegou que os que teria acesso foram roubados de livros da biblioteca em que buscava informações). Há lamentos também pelas mochilas inadequadas, falta de alimento, falta de cobertores ideais para proteger do frio, a questão de não ter previsto e se preparado para ataque dos morcegos vampiros, as doenças tornaram-se mais suscetíveis, ocorreu perda de equipamentos, dificuldade com armas, dinheiro insuficiente, desconhecimento brutal da região... Enfim, gigantesca falha no planejamento.
Não é obra empolgante por relatos extraordinários sobre a natureza, mas como reflexão sobre a vida e seus desafios.
Tenho crítica ao tradutor, Carlos Chaves, que vale também para os editores. O texto preserva muita coisa da linguagem francesa, no que se refere a designações à natureza e até mesmo a objetos. Se escolheram não "abrasileirar" a informação, que tivesse então notas referenciais. O livro é pobre delas, podendo-se conta-las nos dedos de uma mão.
Cito exemplos da falha na edição: o autor fala dos gimnotos (não poderiam escrever poraquês?) e conta do temor de nativos pelos aimarás (que descobri serem os trairões). Esses são os que descobri o significado, mas fiquei sem saber o que seriam os paranas (que tipo de macaco é esse?), os masailles com porte de pavão, os iaiás (peixinhos de sei lá que espécie), os pecaris (peca o que?), além de apetrechos como anorak de caça...
Vou deixar em registro frase nos escritos finais de Raymond Maufrais:
Sobre o autor, Maufrais acumulara experiências em expedição no Mato Grosso, em 1946, quando juntou-se a equipe brasileira na meta de contato com os Xavantes, redundando na publicação Aventuras em Mato Grosso.
Fato interessante é que fez parte também da resistência francesa na Segunda Guerra, enquanto jovem aspirante ao jornalismo, sendo condecorado com medalha pelas lutas de libertação de Toulon (sua cidade natal).
Após retornar do Brasil, recebeu patrocínio de revista francesa para expedição pioneira na Guiana Francesa, onde atravessaria a colônia no sentido norte-sul, adentrando a selva rumo ao Tumucumaque no Brasil (trajeto desconhecido) de onde pretendia chegar a Belém e ao Maranhão.
O diário tem poucas páginas, sendo encontrado em região erma. Segundo o autor, para que fosse recuperado, quando estava em situação precária e duvidando da sobrevivência.
Os relatos iniciam em Paris, em 17/06/1949, nos preparativos para a expedição, e finda em 13/01/1950, com os últimos registros de Maufrais na fronteira da Guiana Francesa com o Brasil.
Está dividido em quatro partes, que são determinadas por certas etapas da expedição.
Em termos gerais, a primeira parte é curta, destacando o embarque em Paris e o início da expedição no norte guianense, a partir da cidade de Saint Laurent. Destaca-se o entusiasmo do autor, que tinha 24 anos e via nessa jornada reconhecimentos por protagonismo e ineditismo expedicionário no trecho do Tumucumaque. Vemos também visão pessimista de moradores locais, com palavras de desencorajamento e certo vaticínio nas últimas linhas.
A segunda parte corresponde ao trecho até Maripasoula, percorrido através de rios com ajuda de pirogueiros. Os registros mostram dificuldades que pareceram minimizadas durante os preparativos, como as chuvas intensas, trechos com corredeiras em que a embarcação virou, febres que acometeram Maufrais e seus ajudantes, ataques de morcegos vampiros durante a noite, dificuldades no transporte (por conta de equipamentos inadequados, como mochilas frágeis) e escassez de mantimentos.
A parte tem também curiosidades locais, como referências ao samaracás, além de descrições sobre a região (teriam avistado sucuri que calcularam em 12 metros... será?).
A terceira parte corresponde ao direcionamento à região do Tumucumaque, no Amapá, feito inicialmente através de rios e depois em trecho desconhecido, em que o explorador adentrou a selva amazônica apenas em companhia de seu cão Boby, buscando determinado rio.
O texto até então objetivo passa a ter muitas divagações, com Maufrais combalido por fraqueza, fome, reconhecendo descuidos e com certo desespero. Notamos estar perdido e abalado mentalmente. Os relatos finais dessa parte são bastante melancólicos, diante de constatação de erro de avaliação.
A última parte é chocante, como no abate do cão para usar como alimento diante da fome, com exaustão dominante. Maufrais conseguiu chegar ao rio Tamouri, em região pouco explorada, onde mudou a meta para alcançar acampamento de garimpeiros, de relatos não precisos. Fez uma jangada, mas padeceu com a fraqueza, perdendo assim o meio de transporte e equipamentos. Nítido o desconhecimento preponderante da região, além do abalo psicológico.
Um povoado foi alcançado, mas estava abandonado...
Os relatos tem tom de despedida, há reconhecimento de despreparo em muitas medidas adotadas, a fome é intensa, as forças esvaem, o desespero se faz presente, o autor se despede, deixa o diário para que possivelmente seja recuperado e some na selva, para nunca mais ser encontrado.
A notificação do desaparecimento trouxe seu pai para a Guiana Francesa, onde realizou mais de 20 melancólicas expedições em busca do filho, com mergulhos no último rio dos relatos, mensagens e sinais deixados pelo caminho. Tudo sem sucesso, o que levou também a mãe a depressão e internação.
O texto não é rico em detalhamentos da selva e o que essencialmente instiga é a percepção da necessidade de equilíbrio nos projetos, entre disposição e preparativos adequados. Não se sabe a causa exata da morte do explorador, mas esses fatores foram influenciadores.
Muito nativos temiam a selva devido a desinformação e o despreparo para lidar com as situações, fortalecendo crendices e medo em resposta. Algo que Maufrais não conseguiu superar, pois diante de seu desafio, respondeu com desinformações e despreparo para situações que deveriam ter sido previstas. O registro traz essa percepção, como na falta de mapas (quando alegou que os que teria acesso foram roubados de livros da biblioteca em que buscava informações). Há lamentos também pelas mochilas inadequadas, falta de alimento, falta de cobertores ideais para proteger do frio, a questão de não ter previsto e se preparado para ataque dos morcegos vampiros, as doenças tornaram-se mais suscetíveis, ocorreu perda de equipamentos, dificuldade com armas, dinheiro insuficiente, desconhecimento brutal da região... Enfim, gigantesca falha no planejamento.
Não é obra empolgante por relatos extraordinários sobre a natureza, mas como reflexão sobre a vida e seus desafios.
Tenho crítica ao tradutor, Carlos Chaves, que vale também para os editores. O texto preserva muita coisa da linguagem francesa, no que se refere a designações à natureza e até mesmo a objetos. Se escolheram não "abrasileirar" a informação, que tivesse então notas referenciais. O livro é pobre delas, podendo-se conta-las nos dedos de uma mão.
Cito exemplos da falha na edição: o autor fala dos gimnotos (não poderiam escrever poraquês?) e conta do temor de nativos pelos aimarás (que descobri serem os trairões). Esses são os que descobri o significado, mas fiquei sem saber o que seriam os paranas (que tipo de macaco é esse?), os masailles com porte de pavão, os iaiás (peixinhos de sei lá que espécie), os pecaris (peca o que?), além de apetrechos como anorak de caça...
Vou deixar em registro frase nos escritos finais de Raymond Maufrais:
"Oh! Guiana! terra desconhecida. Não és tu, nem o esforço que matam o europeu; é ele que se suicida e, como lhe é preciso um pretexto, escolheu-te como bode expiatório."
Registro de 12/01/1950, um dia antes do último.
Registro de 12/01/1950, um dia antes do último.
OBRA ENCONTRADA NO ACERVO DA
BIBLIOTECA PÚBLICA ELCY LACERDA,
EM MACAPÁ.
BIBLIOTECA PÚBLICA ELCY LACERDA,
EM MACAPÁ.