As postagens desse blog são em caráter informal, de apego ao saber popular, com seu entusiasmo, exageros, ingenuidade, acertos e erros.

segunda-feira, 21 de março de 2016

O lugar errado (Ray Cunha)

Froteur, frottage, palavras bonitas, mas que na prática revelam comportamento doentio. O livro aborda esse tema - sexo frottage
Cada um com suas preferências, é lícito ao livre arbítrio e satisfações, mas no plano de abuso do outro, como a obra mostrou, não é legal. Por isso não tive empatia com o livro. Qual é? O que posso dizer ou pensar de personagem que manifesta desejos e ações pedófilas, em atitude pérfida e devassa. O cara entra no ônibus e se põem a encochar crianças e adolescentes, com discurso doentio (refiro-me à mentalidade da personagem) das intenções e justificativas, em uma conversa fiada sobre Vladimir Nabokov.
Em linhas gerais, o livro mostra certo professor em Belém, Agostinho, que tem desestruturação psicológica, de origens na família, que vê nessa tara um escape a seus tormentos. Reconhece a prática errada e sente-se deprimido e atormentado com ela, mas permanecendo no vício.
O lugar errado mostra o protagonista nessa luta interior - entre razão, loucura e prazer - amando e odiando suas escolhas. Um drama sobre vícios, e loucura.



Título: O lugar errado 
Autor: Ray Cunha 
Editora: CEJUP 
Ano: 1996
Páginas: 221 
ISBN: 85-338-0339-7 
Tema: Pará / Romance / Drama

Descobri essa história em outro livro do autor, Na boca do jacaré-açú (publicado em 2013) que a resume sem evidenciar o drama específico da personagem, como ocorre nessa obra. Tem dois momentos. Em Belém vemos o desajuste para o tal froteur pedófilo, e, na Ilha de Marajó, percebemos o direcionamento dos anseios para a caça, romances e tentativa de ser justiceiro (contra um padre pedófilo e um traficante de crianças - não há uma ironia aí?).
A obra tem uma proposta de reflexão, de entrar em conflitos secretos, sobre devassidão da alma... Doentio.


Biblioteca Pública Elcy Lacerda
Sala da Literatura do Amapá e da Amazônia 

Macapá - Bairro Central

quinta-feira, 17 de março de 2016

Marajó (Dalcídio Jurandir)

Olha, meus amigos! Um romance renomado na Literatura do Norte! Alguns autores o tem na conta dos mais significativos e importantes. Acompanhe aí... 

"Considerado um dos maiores romances da Literatura Nortista, Marajó mostra o drama do caboclo marajoara explorado e marginalizado, envolto em superstições e crendices, em uma Amazônia grandiosa com sua violência telúrica." (Fausto Cunha)

"Marajó é um belo romance, pois ninguém melhor do que Dalcídio Jurandir nos comunica a sensação de deserto, do lobo, do calor deliqüescente daquela imensa solidão de nuvens baixas e verdes malhadas que é Marajó. O estilo empolga, com as suas asperezas, seus regionalismos, suas soluções poéticas de um primitivismo expressivo, sua ausência de malícia.” (Sérgio Milliet) 

"Marajó é um volume feito com a verdade cotidiana, com a paisagem exata, com as fisionomias possíveis da existência. E o seu melhor elogio para um etnógrafo.” (Luís da Câmara Cascudo)

Título: Marajó
Autor: Dalcídio Jurandir
Editora: Cátedra
Ano: 1978 (a primeira edição é de 1947)
Páginas: 360
Tema: Romance / Amazônia

Ah! Por essas e outras também quis conhecer 
e, em um parecer simplista, fiquei com as seguintes impressões:

"Marajó" mostra a grandiosidade do lugar em suas peculiaridades. A natureza tem uma beleza descrita de maneira poética, onde os dramas do homem são histórias comuns e reconhecíveis Amazônia adentro. Muito disso se deve à identidade do autor, marajoara, que tem visão jornalística associada a lembranças em suas inspirações.
A descrição é o ponto forte do livro em minha visão, destacando o cotidiano em suas características naturais e influenciáveis, seja de forma positiva ou dramática. A Amazônia marajoara é apresentada de maneira tão grandiosa que se constitui no principal elemento na obra, mais importante que qualquer personagem identificável. Diga-se de passagem que o romance é diferenciado no sentido de não ter protagonistas destacados ou focados o tempo todo pelo autor ao longo da narrativa. Tive uma certa dificuldade de identifica-los e notar suas inter-relações no início. Vou fazer uma comparação que pode soar como bobagem (meio ridícula, mas importante em minha percepção). Se você já navegou pelo Google Earth sobre uma região, em um plano geral aberto, não vai ver muito além da grandeza do lugar. Mas ao se aproximar estrategicamente, vão se revelar um mundão de comunidades, que tem suas histórias próprias. Assim foi o romance para mim, com o homem engolido por aquela região e com coisas importantes para revelar quando o autor o traz mais intimamente ao leitor. Histórias na grande Marajó, como ecos da floresta em realidades a se descobrir...
Ressalto que a obra foi publicada em 1947 e faz parte de um ciclo no Norte como uma das primeiras a expor o cenário amazônico fidedignamente, com a credibilidade e empatia de um genuíno filho dessa terra.
Encerrando essa parte de descrição, diz aí se não tenho razão ao encontrar textos como: 
"O rio, uma cobra de prata, se desenrolava na sombra e ia urrar na baía. A curicaca deslizava no vigor da cobra de prata, a maré enchendo trazia o bafo áspero de mato podre e de bichos. O estirão foi se distanciando, com ele o medo daquelas trovoadas que arremessavam árvores contra os homens..." (trecho dos primeiros parágrafos no capítulo 41)
Já no aspecto referente aos dramas humanos, as personagens são dispersas na narrativa, sendo apresentadas em um momento e deixadas de lado em outros. Mas todas representativas da realidade naquele contexto. Não há destaques comparativamente ao andamento comum dos romances, mas dá para notar singularidades e significância social em muitas, como: 
Coronel Coutinho (um típico fazendeiro mandachuva na região, que trata tudo, terra e povo, como sua possessão); 
Missunga (o filho do coronel, um jovem idealista em algumas concepções, porém, dominado pela indolência e desejos carnais); 
Alaíde, Orminda e Guíta (apaixonantes e sofridas caboclas cobiçadas e marcadas por dramas pessoais, pelo que despertam e pelas injustiças sofridas); 
Nhá Leonardina e Mestre Jesuíno (típicos representantes da cultura apegada a tradições da terra, sendo respeitados ou odiados pela pajelança);
Ramiro (vaqueiro e poeta que versa sobre as injustiças). 
Esses são alguns, engolidos por Marajó.
A história em si foi se revelando confusa na minha experimentação, sem aquele andar de empatia costumeiro dos romances. Fundamentalmente se vê um cotidiano sem devaneios, árduo em sua realidade. 
Em um primeiro momento não gostei da obra, que, por sua peculiaridade e veracidade, é celebrada por muitos como o mais importante romance do Norte (por todas as coisas somadas em seu contexto e pioneirismo). 
Muita coisa fica em evidência, como: a riqueza e poder diante da exploração; o apego a tradições, e a realidade nua e crua de uma terra desconhecida e, até então, vista de forma idílica. 
O autor não apenas traz a realidade cotidiana, como menciona fatos da história que valorizam isso, como a referência ao coronel José Julio. O mesmo foi contemporâneo da época do romance, com fama de maior latifundiário do mundo no norte do Pará (arquétipo de coronéis Coutinho).
No final da edição que li (Editora Cátedra, 1978) tem um texto em anexo intitulado "Chão de Dalcídio" (de Vicente Sales), que resenha sobre a obra e importância literária do autor. Recomendo, principalmente, a Parte 3 desse texto, que encerra tudo o que realmente gostaria de saber escrever na percepção do livro.
Li e entendi nesses termos. Quem quiser que conte outra...

 Biblioteca Pública Elcy Lacerda
Sala da Literatura do Amapá e da Amazônia 

Macapá - Bairro Central

terça-feira, 15 de março de 2016

Caminhos de Rios... (Luíz Fernando Liveira)

Um livro bonito, com mais de cem poesias expressando entusiasmo, descobertas e exaltação no cenário amazônico. Os textos tem uma simplicidade tocante, de identificação com a poesia popular, sendo realçados individualmente por ilustrações, que variam entre fotos à desenhos surreais. O paraense Luíz Fernando Liveira apresenta-se como um andarilho e observador minucioso, retratando cada um dos estados nortistas em percepções que mostram o ambiente urbano, natural e cultural. Um passeio poético, como se evoca no título, onde cada curva desse rio desdobra-se em peculiaridades atrativas ao leitor. Vemos a natureza, mitos, o homem, o entusiasmo ao amor e à fé em Deus. A obra tem um apelo didático, por isso o autor instiga o saber com palavras não tão usuais (organizadas em vocabulários), e notas diversas sobre os temas abordados.
Gostei da obra, lançada no Amapá em 2012. Destas que poderiam ser exploradas nas escolas amazônicas, principalmente entre jovens leitores.

Título: Caminhos de Rios...
Autor: Luiz Fernando Liveira
Editora: Gráfica Amapaense
Ano: 2011 
Páginas: 395 
Tema: Poesia / Amazônia
A obra é prefaciada por três pessoas. Eis algumas linhas:
"Com uma linguagem peculiar ao povo aqui nascido, muitas vezes figurada e reforçada com belas gravuras, o autor consegue enfocar o cotidiano único dessa gente, vivido nas mais diversas localidades banhadas por rios e igarapés da gigantesca Hiléia. O autor se sai muito bem ao abordar em seus textos nuances do sentimento, crendices e costumes do homem amazônico."
FERNANDO CEZAR (Oficial da Marinha, Pedagogo e Teólogo)

"Os poemas do marinheiro-poeta têm versos de um poeta-marinheiro experimentado que cumpre sua missão de educar pela poesia. Liveira dá aos seus leitores o bônus de se deleitarem com as viagens feitas por ele, nesse trabalho que considero pedagógico e eivado de amor pelo povo da Amazônia e seus encantos."
FERNANDO CANTO (Escritor, Músico e Sociólogo)

"O escritor e poeta Luíz Fernando Liveira nos dá, de forma real, contundente e mágica, o sentido definitivo de que nossas estórias caboclas se misturam, nos oferecendo o encanto de sermos parte da Mãe-Amazônia, orgulhosamente."
NILSON CHAVES (Músico)
 
 Menina do Matapi 
(Páginas: 164 e 165 / Ilustração: Jair Penafort)
Mas também não, quem não se apaixonaria...

Biblioteca Pública Elcy Lacerda
Sala da Literatura do Amapá e da Amazônia 

Macapá - Bairro Central

segunda-feira, 14 de março de 2016

Na boca do jacaré-açu (Ray Cunha)

Catorze contos amazônicos ambientados no Pará, publicados em 2013 pelo amapaense Ray Cunha. Há lirismo em O desabrochar das rosas e um sarcasmo em Memorial dos gatos. No geral, as histórias mostram uma busca existencial canalizada ao imediatismo dos prazeres. 
O autor cita Ernest Hemingway em dois momentos, numa referência ao suicídio paralelo a intensidade de vida e melancolia. Pode ser que esses aspectos tenham dado alguma inspiração a essa obra, pois é o que vemos na maioria dos contos, principalmente no que deu nome ao livro.


Título: Na Boca do Jacaré-Açu – A Amazônia como ela é
Autor: Ray Cunha
Editora: Ler Editora 

Ano: 2013
Páginas: 154
ISBN: 978-85-64898-45-5
Tema: Pará / Contos 

Na boca do jacaré-açú, referência a desembocadura do Amazonas, tem como protagonista Agostinho, um arqueólogo paraense, bem estabelecido financeiramente, que aparenta ter frustração na vida. Começam aí os paralelos entre melancolia e ardor nos prazeres como via de escape. 
O conto se desenrola com passagens pela Ilha de Marajó, que tem a natureza apresentada de maneira selvagem, do tamanho da vanglória do caçador, expressa em sucuri de 12 metros, no melhor estilo Titanoboa, puxando búfalo para o rio, cheio jacarés tipo Sarcosuchus, em matas onde as onças não transmitem outra coisa que não seja a imagem de uma besta fera. Enfim, é um cenário onde o personagem torna-se caçador, justiceiro, e tem buscas românticas, deixando em paralelo sua vida melancólica ante a exuberância amazônica. Percebemos dramas pessoais e familiares, onde a figura do pai tem também uma história traumática e impactante em sua vida. O arqueólogo tem essa disposição de conflitos internos, potencializados pelo vazio de Deus em sua mentalidade. A história avança até o mais trágico desfecho aos corações melancólicos. É o que parece sugerir, com sua disposição fatalista, de se entregar e se deixar tragar.  
A leitura foi envolvente enquanto narrativa. Ressalte-se também que o conto faz parte de uma história abordada em outras obras como  O lugar errado (de 1996). 
Conheça, viaje, posicione-se, concorde, discorde, opine sobre as leituras...

Biblioteca Pública Elcy Lacerda
Sala da Literatura do Amapá e da Amazônia 

Macapá - Bairro Central