As postagens desse blog são em caráter informal, de apego ao saber popular, com seu entusiasmo, exageros, ingenuidade, acertos e erros.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Coleção Sítio do Picapau Amarelo - Monteiro Lobato 5

O Picapau Amarelo (1939)
Sabe aquele filme do Shrek, em que personagens das fábulas invadem o pântano a convite do Burro? É o que acontece neste livro do Lobato, quando o Polegar leva essa turma para morar no Sítio. Ah, pelo menos pediu autorização para Dona Benta. Oba! Aleatoriamente acabei acertando algo! O livro se passa depois do Poço do Visconde, minha última leitura, quando enricaram com o petróleo e aproveitaram para comprar terras nas cercanias do Sítio. Esse foi o primeiro destaque, que teve a sagacidade da Emília para comprar a terra dos vizinhos. Depois vemos uma série de aventuras na interação dos picapaus com personagens das fábulas (curiosas, inusitadas e divertidas). Ah, e tem também personagens da mitologia grega e literatura universal. Gostei e cito: as maluquices do Dom Quixote (que via ações do famigerado mago Fresnom supostamente transfigurado em criaturas como o pobre do Quindim); a narrativa de Belerofonte sobre o embate com a Quimera; a turma do Sítio enfrentando os terríveis piratas liderados pelo Capitão Gancho; e a gulodice do Sancho Pança (pau a pau com a do Rabicó). Lobato novamente valorizou as fábulas e mitologia em apresentação para tenros leitores, naquela dinâmica de conhecer e brincar com as descobertas. Para o autor não basta expor, é interessante também uma brincadeira interativa.   
Tem coisa que não curti e vou registrar. No início da obra há uma abordagem sobre mitos e ficção onde o autor subentende o ateísmo. É só uma observação de minha parte, que me ajuda a pontuar o que conheço sobre o autor. Referenciando algo mais do livro:
- Capitão Gancho perde o famigerado Hiena do Mares para a turminha, que o reforma como o Beija-Flor das Ondas
- Tia Nastácia apaixonada... Ah, não se explicou pelo que ou por quem, evidenciando-se a paixão como um sentimento de êxtase. O fato resultou de artimanha da Emília com flechas do Cupido.
- O casamento de Branca de Neve com o Príncipe Codadade e uma nova visitação de crianças no Sítio, ávidas por conhecer os picapaus.

Termina com um mistério, o desaparecimento de Tia Nastácia, assunto para o próximo livro: O Minotauro.  
Essa é a essência da obra, passando a percepção de descobertas com interação curiosa e divertida no mundo da leitura.

O Minotauro (1939)
Conheci essa obra através do antológico Sítio do Picapau Amarelo versão anos 70. A percepção era de uma história de terror, assustadora para a garotada em cada aparição do monstro que, mesmo com uma figura super tosca, dava medo por conta do suspense potencializado nas perseguições no famoso labirinto, imagens obscuras e trilha sonora cabulosa. Curioso que na versão do segundo milênio, que também acompanhei, a história não teve o mesmo impacto.
Comparativamente ao livro, há algumas diferenças e a principal é o foco. No seriado o Minotauro era o principal personagem no desenrolar da história, e no livro o destaque maior é a Grécia, em uma viagem de descobertas e curiosidades.
Os picapaus (designação que o Lobato dava para a turma do Sítio) embarcam no Beija-Flor das Ondas (o navio confiscado e reformado do Capitão Gancho) para resgatar Tia Nastácia, que fora raptada na festa de casamento do Príncipe Codadade com Branca de Neve, quando houve a invasão de monstros das fábulas em episódio descrito no livro anterior (O Picapau Amarelo).
Quem gosta dessa obra certamente manifesta algum interesse na visão da Grécia antiga, porque a maior parte são aspectos históricos e mitológicos.
A parte específica sobre o Minotauro, para quem tem a imagem construída pelo seriado, desaponta um pouco. Além de rápida, não enfatiza a questão do terror. É bem assim: será que conto? nããããão! leia o livro.
Particularmente, gostei mais da parte histórica expressa no encontro com personagens famosos como Péricles, Fídias, Sócrates e Sófocles (respectivamente, destacados como estadista, escultor, filósofo e dramaturgo). Esse desenrolar tem o protagonismo de Dona Benta, que dá show em curiosidades para o leitor.
Há algumas questões interessantes que também vão aparecendo, evidenciando a cultura grega ter influenciado o desenvolvimento da modernidade. 
Olha que sensacional! Em certo momento de diálogo com Péricles (famoso pela liderança e oratória) o estadista fala de liberdade e esta ser uma das coisas de maior valorização entre os gregos. A sagaz velhinha observa então que o conceito de liberdade expressa na vontade do povo muitas vezes resulta da capacidade de manipulação de seus líderes. O que seria sua vontade, pode ser a consequência daquilo a que está sugestionada, reproduzindo, no final das contas, o interesse dos líderes (dito isso para o convincente orador Péricles e coincidentemente publicado no ano em que certos líderes insuflaram o povo para a famigerada segunda guerra).
A carismática vó embala o conceito de liberdade, chamando também a atenção para o sistema de escravidão que existia entre os gregos, desmistificando o que eles atribuíam como sociedade perfeita. Havia escravidão em paralelo a nobres ideais.
E por aí vão os encontros, com direito a momentos um tanto hilários, na admiração dos antigos pelos milagres de nossa modernidade, como uma simples caixa de fósforos (quando existia uma lenda hiper dramática de como o fogo chegou aos homens).
Há reflexões sobre a profundidade do conhecimento, sobre a valorização das artes, sobre o progresso aflorar em aspectos miraculosos e em paralelo, às vezes, ocorrer a degeneração de certas coisas (o uso).
Enfim, gostei e me diverti bastante com esse momento. Ah, e tem certas curiosidades desconhecidas. Por exemplo, não sabia que Péricles tinha uma anomalia na cabeça, que fazia com que fosse alongada e por isso suas reproduções (pintura e escultura) o mostravam sempre com um elmo. Pesquisa aí no Google Imagens se duvidar.
A parte da mitologia é protagonizada pelo Pedrinho em interação aventureira. O destaque vai para história sobre Hércules, mas Lobato dá só um gostinho, pois as façanhas são abordadas em outra obra. Não gostei muito do momento e preferia que o protagonismo fosse encabeçado pela Emília em suas mirabolantes curiosidades e posicionamentos. Seria mais legal!
Estranhei o Lobato não ter dado destaque para Visconde, que quase não gastou seu conhecimento. Ficou na sombra de Dona Benta. Melhor assim, porque a velhinha é mais sagaz, discutindo situações, e o Visconde manobrável demais. Pergunta para a Emília se não...
Olha o que Lobato trazia em reflexão para as crianças!

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Coleção Sítio do Picapau Amarelo - Monteiro Lobato 4

Peter Pan (1930) 
O desenrolar é subsequente ao Reinações de Narizinho, em um contexto em que o Gato Félix menciona o Peter Pan, instigando Dona Benta a contar suas aventuras para a turminha. Basicamente, é a clássica história com intervenções da turminha, entre um comentário irônico de Emília, admiração de Pedrinho e Narizinho, entendimento de algum aspecto com ajuda do Visconde e um choque cultural nas descobertas de Tia Nastácia.
Ao longo da coleção percebemos que os primeiros livros são os que apresentam mais aspectos criticados pelos comentários considerados racistas. Sendo esse um dos primeiros, há citações nesse sentido, ditas por Emília e até por Dona Benta. 
A modernidade faz com que os tons arcaicos do livro fiquem super explícitos, destoando como algo que não é legal. Tipo assim, vemos uma apresentação super bacana da Emília e de repente um comentário dela pra lá de mau gosto (coisas do contexto de época).
Enfim, passa a mensagem da infância como uma efêmera fase de encantos e descobertas, realçando nostalgia disso ao final.

Dom Quixote das Crianças (1936)
O livro é muito legal em uma bela apresentação do Quixote para a turminha. Dona Benta conta em resumo, apresentando o Cavaleiro da Triste Figura em suas mirabolantes aventuras. Foram citadas passagens como: a recuperação do famoso Elmo de Mambrino (a bacia do barbeiro), a intervenção do herói contra os exércitos que se enfrentavam no campo de batalha (rebanhos de ovelha), o governo de Sancho Pança (inusitadamente carismático e aclamado por sábias decisões) e o duelo com o Cavaleiro da Lua (artimanha dos parentes e amigos do Quixote para provocar o regresso ao lar). Textos que tem drama e humor peculiar entre razão e emoção.
Minha maior atenção foi para a percepção da turminha. Pedrinho e Narizinho acompanham a história com dó do herói, enquanto Emília vê algo inspirador que a mobiliza na valorização de seus sonhos, ainda que malucos. E ela fica maluca mesmo, mais que o normal, tendo que ser contida até recuperar o juízo (que aconteceu no choque de realidade expresso em um pequeno acidente, onde viu sua fragilidade ante os arroubos emotivos da empolgação em paralelo ao descuido). No final das contas, rendeu uma aprendizagem legal: a inspiração para viver sonhos, mas de maneira prudente.
Olha que interessante! A valorização dos sonhos fez com que Emília fosse a única a não querer saber do final da história, a morte do Quixote, pois dizia ser imortal. Isso é o que marcou o livro em minha leitura e que guardo em lembrança.
Outras curiosidades para o universo que tento entender do Sítio, é que o Visconde tem mais uma morte, logo no início, ao ser esmagado pelo livro que caiu da estante em cima dele. Justamente o Quixote, a quem a Emília queria conhecer e acidentalmente deixou cair no sabugo. Seria uma mensagem do Lobato? No mínimo, ainda que não planejada, é como se fosse a emoção suplantando a razão - pela representativade do livro e Visconde, desejo e descuido. Uma quixotada!
Ah, vou atrás desse Monteiro Lobato em quadrinhos... Sei que tem e acredito que continuará trazendo mais curtição na leitura. 

O poço do Visconde (1937)
Acredito que seja o livro mais politizado de Lobato na coleção do Sítio. O autor expressa seu projeto de desenvolvimento do país propondo a extração do petróleo.
A história desperta a consciência para esse patrimônio natural e tem cunho didático, onde se explica a origem e peculiaridades do produto, a forma de extração, os benefícios econômicos associados à exploração, a importância da industrialização e necessidade de melhorias na infraestrutura (portos, rodovias, ferrovias). Lobato não é um simples entusiasta ou sonhador e procurou racionalizar sua visão com informações científicas e do contexto da economia mundial, destacando o projeto como uma possibilidade viável e transformadora.
Percebemos a dimensão do livro quando vemos o momento em que foi publicado. As palavras e disposições entusiastas na história eram reais na luta pioneira de Lobato na extração de petróleo no Brasil. Porém, enquanto que no livro havia a adesão e investimento, na mobilização de Lobato surgiam muitos empecilhos para que levasse avante o projeto, sendo até preso no governo de Getúlio Vargas.
A visão de modernidade e industrialização proposta era algo que enfrentava resistência por parte do governo sujeito à influência submissa à outras nações. Prevaleciam velhos conceitos, ligados a um modo de produção secular, onde se destacava a política café com leite, pouco interessada na abertura de concorrências ou que descentralizasse o capital em múltiplos empreendimentos de desenvolvimento na infraestrutura.
Interessante que em paralelo ao nosso conservadorismo econômico, outras nações fortaleciam suas economias investindo nas indústrias e infraestrutura associada, não incentivando essas coisas em nosso governo.
A parte que mais gostei foi o capítulo IV (Petróleo! Petróleo!), o ápice da visão de Lobato sobre o projeto, em um texto empolgante de incentivo e adesão ao progresso proposto.
Em linhas gerais, é assim:  o Sítio idealiza o país, Pedrinho e Narizinho representam pequenos empresários lidando com velhos e calejados homens de negócio (se destacando em suas ações), Visconde é a ciência que apoia o progresso (apontando novos caminhos), Emília representa a sociedade que adere ao ideal proposto e Tia Nastácia prefigura o povo simples que é impactado e beneficiado pela economia forte.
Lobato ilustrou também o conservadorismo na disposição turrona de um fazendeiro chamado Chico Pirambóia (resistente à importância dos bancos, no que acabou se dando mal, devido velhos conceitos) e no compadre Teodorico (foi à falência aplicando o capital em projetos por conta própria, sem um aval científico, em outras palavras, caiu em conto do vigário).
Há locais em que se instalaram indústrias petrolíferas que fracassaram (a fazenda do Chico Pirambóia) e isso é tratado como uma possibilidade, mas que não é um quadro comum diante do potencial existente.
Outra coisa que achei interessante, na ideia do Sítio representar o país, é que a história dá um salto para a década de 1950, onde as projeções de Lobato se confirmavam. Vemos o antigo arraial de Tucano como uma cidade grande e desenvolvida, com os picapaus bem sucedidos como empresários.
A história encerra com discursos efusivos de algumas personagens, diante do sucesso. Visconde exalta a Ciência, Pedrinho e Narizinho a avó (uma empreendedora), Tia Nastácia o amor por Dona Benta e pelo Sítio (o apoio ao empreendedorismo), Quindim a liberdade que recebera e Emília propõe um desfile de Triunfo de Dona Benta, referente a um costume na antiga Roma. Certamente, naquela visão ilustrativa de um país, o nosso país, é a perspectiva de progresso e melhoria de vida ao povo.
É um livro utópico, mas que tem algo importante para o progresso isso tem: a visão de economia fortalecida na indústria e no desenvolvimento da infraestrutura.
Grande Lobato! Grande livro! Grande leitura!

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Coleção Sítio do Picapau Amarelo - Monteiro Lobato 3

Emília no País da Gramática (1934) - Registro no Skoob em 11/07/2017
Entre a diversão do texto e meu entrave com a retórica gramatical, acabou prevalecendo o segundo aspecto na minha leitura. Não curti. Por mais que o autor tente transformar a Gramática numa brincadeira de descobertas e entusiasmo didático, a obra deixa o carisma das personagens do Sítio em segundo plano (até a Emília está muito passiva) e o que prevalece é uma avalanche de considerações formais e chatas.
Não quero ser imprudente passando a imagem de um livro desinteressante. Nada disso, falo de meus gostos pessoais.
Inicia de maneira empolgante, com o Quindim parecendo que vai dar show em coisas bacanas, mas depois ele some na narrativa, passando despercebido em boa parte. E toma-te retórica!
Gosto da questão da etimologia, significado das palavras e neologismos, mas não me diverti com a forma apresentada. Cá com meus botões, tem parte da Gramática que, embora seja importante, remete a um formalismo maçante, expresso em estudos, por exemplo, da conjugação dos verbos. Uma tabuada retórica de indicativo, subjuntivo, próclise, ênclise e por aí, que nunca gostei.
Algo que desapontou também foi a questão da linguagem coloquial, chamada na obra de provincianismo. Essa temática é sedutora, mas foi pouco explorada e com muito formalismo.
Enfim, Lobato é um de meus autores prediletos por isso não quero me estender em uma resenha negativa. O livro tem sua beleza e é uma obra-prima para leitores muito especiais. Tentei ser feliz na leitura, mas não foi o caso dessa vez.
Uma observação final que talvez despertasse atenção do escritor... De maneira curiosa, ele apresentou a maior palavra da língua portuguesa na época: anticonstitucionalisticamente. Mas agora esta perdeu para pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico (cruz credo! boca suja!).

Histórias de Tia Nastácia (1937) - Registro no Skoob em 25/07/2017
Histórias folclóricas em que Lobato procura mostrar, ou entender, as origens e caracterizações comuns. A percepção se dá de maneira informal, como uma aula brincando.
Tia Nastácia é instigada pela curiosidade das crianças em relação ao folclore e desfila seu repertório de histórias, seguindo-se observações da turminha sobre pontos inusitados, fatores que teriam influenciado ou a simples referência se gostaram ou não. Tudo em um clima de descobertas e zoação. Destaques para Dona Benta, em uma participação tipo orientadora pedagógica, e para a Emília em sua habitual espontaneidade, ora inusitadamente coerente, ora maluca, mas sempre carismática. Senti falta do Visconde. Estranho que ele não apareça e justamente em momentos ideais para se destacar...
Sobre as histórias, há aquelas que são surreais, parecendo uma mistureba de informações malucas, oníricas e aparentemente sem lógica, encontradas entre as primeiras no livro. E outras que são curtas e mais atrativas, encerrando gracejos da sabedoria popular ou uma lição.
Nas observações da turminha vemos referências à ingenuidade interpretativa do saber popular, percepção de interferências na narrativa original através da transmissão oral ao longo do tempo, reprodução de um saber que se impõe em ciclo desencadeante de várias histórias para mesmo tema, observação de fator inconsciente inspirado na realidade, adaptação de saberes externos ou apenas brincadeira. Esse fatores se intercalam nas discussões em justificativa para as histórias. Destes, o que chamou mais minha atenção foi a reprodução do inconsciente. Lobato pegou histórias que parecem muito antigas (talvez desaparecidas da oralidade e conhecidas apenas em livros) e as apresenta causando percepção que descamba para a extravagância sem sentido na atualidade, mas que reproduziam algo importante em sua época. Aquilo do inconsciente se vê, por exemplo, na opressão representada por gigantes ou madrastas, e o desejo de libertação difícil muitas vezes toma a forma de algo mágico, como um sonho fácil de resolver...
Ainda sobre as histórias, tem algumas que remontam à minha infância, quando conheci O pulo do gato, O cágado na festa do céu e João e Maria (embora com alterações sutis ou drásticas). Curti estas e outras que para mim foram inéditas, como O macaco e o coelho, O macaco, a onça e o veado e A formiga e a neve. Esta última foi a que mais gostei, tendo desenrolar parecido àquela história cantada de A velha debaixo da cama (para finos conhecedores). Entre as surreais e escalafobéticas do início me chamou atenção O homem pequeno, por ter coisas metafóricas ao D. João, que dá também as caras como personagem.
Achei interessante a dinâmica do livro, mas por outro lado, em que espero ser preciso na colocação, são narrativas que não expressam a verdadeira identidade nacional enquanto histórias folclóricas. O que vem na mente quando falamos de cultura popular? Aí o Lobato me vem com histórias oriundas de livros estrangeiros ou no mínimo adaptadas. Não é a genuína mitologia do pais... Obviamente, tem um contexto aí, pois Lobato foi um dos pioneiros em valorizá-las e possivelmente pautou seu posicionamento no que havia de circulante em termos literários. Ele cita um pesquisador popular e seu livro, subtendendo que talvez tenha buscado inspirações nessa fonte. Em outras palavras, cadê o Boto, os mitos indígenas, cadê o Boitatá, a Cobra Grande (ei! me respeita o cabra que pensar bobagem), cadê a Matinta, o Curupira, o Negrinho do Pastoreio? Bem verdade que dão as caras em outro livro, mas é super estranho não se fazerem presentes nas narrativas da Tia Nastácia, representante maior da cultura popular no Sítio. Fiquei ainda mais convicto que buscava-se um entendimento no contexto de época sobre a caracterização de certas histórias.
Não curti algumas coisas. Na real, o livro aparentemente sugestiona, mas Lobato não deu o destaque merecido à Tia Nastácia. Vemos poucos diálogos em interação dela com a turminha e no final o protagonismo é repassado para Dona Benta, que conta histórias declaradamente estrangeiras, desaparecendo sumariamente a Tia Nastácia de qualquer referência. Ô Lobato! Pisou na bola e não gostei dessa valorização ou falta dela.
Outra coisa, tenho a coleção em edições antigas da Brasiliense e que raios de capa mais infeliz essa! Cadê a Tia Nastácia? Não acredito que preferiram a imagem de um dos contos de menos destaque (Manuel da Bengala). Na coleção antiga da Brasiliense que estou lendo, representada pelas ilustrações das capas, a Tia só aparece de relance na capa de um dos 24 títulos. Pisada na bola esse desprestígio onde ela deveria ser o centro das atenções. Tem uma ilustração muito bonita no meio do livro, deveria ser a capa.
O que não gostei mesmo, principalmente, foi a história do tal bom diabo. Aqui Lobato transparece seu ateísmo e as personagens do Sítio menosprezam, ainda que não seja a intenção, o conhecimento sobre Deus. Em meio a essa situação, achei tocante e singelo o capítulo encerrando com a solitária e desprezada fé em Tia Nastácia. Tem algo ali de sensível que se destaca.
E finalizando, tinha a impressão que era o livro que mais questionavam naquela questão em torno do racismo. Não é, ainda que exista uma ou outra colocação da Emília na conta de sua ignorância.
Ah, é o que vi. Certamente tem outras revelações, mas de minha parte, fui! 


Serões de Dona Benta (1937) - Registro no Skoob em 17/08/2017
A obra foi moderna e inovadora no contexto de publicação, equiparando o saber científico a uma brincadeira de descobertas e admiração para as crianças na exposição informal de Dona Benta. A abordagem passa pelas áreas de física, química, astronomia e geologia. Lobato certamente estudou bastante para conceber.
Particularmente, gostei da parte de considerações sobre a água (onde a vozinha faz uma experiência de condensação, produzindo espanto e entusiasmo infantil de que a problemática da seca seria resolvida com esse processo) e sobre os planetas em um esquema ilustrativo, para ter ideia do Sistema Solar.
Por outro lado, somos da geração de imagens e interações na percepção do saber (trazendo a obra para um contexto atual). Convenhamos, uma aula de ciências naturais só na lábia é um bocado chata. Falo por mim, pois a leitura refletiu isso. Gostei de outras obras com a mesma caracterização, mas eram na área de história e mitologia. Essa não curti. Ademais, a turminha tem uma postura muito passiva. Vemos textos e mais textos de exposição científica e pouca interação da turminha. Visconde não dá as caras e Emília, no geral, tem uma mudez que não é legal, ainda que em bobagens. Em outros livros ocorriam discussões, interferências, opiniões, bobagens, impulsividade. Ah, qual é! Quase só a Dona Benta falando... Enfim, não foi uma aventura como imaginava.
Finalizando, observações banais. Mais uma vez Lobato dá pistas de que Emília tinha virado gente, pois é chamada de ex-boneca e há expressão como do tempo que era de pano. Só não sei onde e como aconteceu essa transformação. É um aspecto banal, mas que me interessa como ardoroso fã do Sítio.
Outra observação, conheci a coleção da Brasiliense na infância A capa dessa edição (na coletânea que tenho) é a única onde aparece a Tia Nastácia, que não foi mostrada nem no livro que leva seu nome, onde deveria haver uma ilustração parecida a esta. Não estou querendo dizer que há alguma mensagem, só uma observação, talvez do fato da maioria dos ilustradores não conhecerem intimamente o conteúdo dos livros, às vezes, nem de forma mínima (falo da capa do livro da Tia Nastácia). Desse jeito são como placas de ruas com erros (tem muito livro por aí nessa também). Af! Tô é escrevendo muita besteira. Fim.