As postagens desse blog são em caráter informal, de apego ao saber popular, com seu entusiasmo, exageros, ingenuidade, acertos e erros.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

BRUMASA, Avanço Industrial da Amazônia (ICOMI)

"Em 1968, foi instalada em Santana a empresa Bruynzeel Madeira S.A. - BRUMASA. Tal empreendimento, originado de um acordo entre a ICOMI e um grupo de empresários holandeses, teve como atividade principal a fabricação de compensados a partir dos recursos florestais locais, como também a exploração da virola (Virola surinamensis). Com esses investimentos, em 1970 o setor extrativismo vegetal correspondeu a 32,4% do valor de produção da economia amapaense.
A BRUMASA foi a segunda empresa, depois da ICOMI, a ter uma participação fundamental no comércio exterior do Amapá no período de 1973 a 1982, chegando a posicionar-se como a 11ª empresa de laminados no ranking nacional, em 1977. Foi desativada em 1988 devido ao esgotamento da virola no Amapá e suas instalações foram integradas às da fábrica de cavacos da Amapá Celulose S.A. (AMCEL)."
Texto de Jadson Luís Rebelo Porto, extraído do livro Amapá: Principais Transformações Econômicas e Institucionais (1943-2000).

A obra a seguir foi publicada pela ICOMI. A data não foi identificada, mas remete à época de instalação da BRUMASA, constituindo-se, em termos gerais, em breve apresentação.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Coleção Sítio do Picapau Amarelo - Monteiro Lobato 6

Fábulas (1922)
O livro é de 1922, entre os primeiros sobre o Sítio. Vemos histórias que seriam retocadas e republicadas em obras como "Reinações de Narizinho" e "Viagem ao Céu".
Em linhas gerais, o jeito lobatiano de adaptar um contexto (como história, literatura ou ciência) valorizando aspectos da cultura local e, o que é interessante, de forma provocativa aos jovens leitores.
A atenção foi para as fábulas, contadas por Dona Benta em gostosas narrativas de vó para a turminha. São cerca de setenta, sendo a maioria de La Fontaine e Esopo, mas tem também do folclore e da cachola de Dona Benta. A turminha se expressa no que entendeu, concordou (ou não), manifestando seu agrado ou desagrado e estendendo a aprendizagens em exemplos observados no convívio de sua realidade. 

Claro que tem também a torneirinha de asneiras da Emília e, aqui e acolá, pitacos científicos do Visconde, percepções ingênuas da Tia Nastácia, o romantismo aventureiro e sonhador de Pedrinho e Narizinho e, através da Dona Benta, paralelos entre antiguidade e modernidade, que o autor estende para a percepção da linguagem e cultura.
Ah, mas sem dúvidas um dos aspectos mais legais fica mesmo por conta dos pitacos da Emília, às vezes, refinada esperteza. Principalmente quando propõe finais diferentes, como o desenlace que deu para "O Lobo e o Cordeiro". Falando nessa, Lobato afirmou que entre todas é a fábula mais conhecida. Para mim, seriam a da "Cigarra e a formiga", "A raposa e as uvas" e "A assembleia dos ratos". 

Talvez essas fábulas não fossem tão conhecidas pela garotada, ainda mais por algumas apresentarem contexto originalmente violento (apesar da época não fazer distinções como hoje). Redobra-se o valor do autor, que reconta para a garotada e a turminha não se limita a dizer se gostou ou não. Dá também os porquês.
As fábulas em boa parte retratam cenário de opressão do forte sobre o fraco, onde a esperteza (ou sabedoria ou informação) é a maneira de se livrar disso.
A que mais gosto é a do "Velho, o menino e a mulinha". Uma graça, cheia de ironia com o relativismo e indefinições de posicionamento na vida. "A morte e o lenhador" também é paidégua ! Gosto também de "O cão e o lobo" e de... Ah, de várias!

É, mas as de maior impacto no livro são as que exacerbam a injustiça, tipo "O Lobo e o Cordeiro", "O julgamento da ovelha" e "Liga das nações". Essa e outras vão em um contexto de retrato político, que Lobato faz a turminha se deparar, refletir e se manifestar.

Curiosidades banais a parte: faltou aquela fábula do gato que ensinou a onça a saltar menos "o pulo do gato" (que foi lembrada pela Emília), O Elias turco é mencionado como pai de uma menina (não recordo se isso foi explorado em outros livros ou seriado) e "Os animais e a peste" (a fábula de onde veio o Burro Falante - o Conselheiro).
Belo livro! No final podemos comprovar mais um ponto: algo já feito não esgota a possibilidade de explorações diferentes e legais.

Valeu, Lobato!


História do mundo para crianças (1933)
Belíssima obra! Extraordinária pelas informações e detalhamentos em um passeio curioso  pela história da humanidade, contada em serões de Dona Benta com a turminha. O autor fala de civilizações, personagens significativas na história, arte, ciência, política, modernidade, filosofia, religião e outros aspectos. Aquela dinâmica conhecida se repete, da turminha interagir com as informações em opinião, reflexão e paralelos na visão da atualidade.
Foi publicada em 1933, mas certamente foi retocada pelo autor, que descreve fatos ocorridos na década seguinte, como a Segunda Guerra Mundial e a explosão da bomba atômica em Hiroshima.
Tem tanta coisa interessante, no sentido de fomentar discussões, que teria despertado incômodo ao Estado Novo e igreja. Dona Benta fala contra opressão do povo, Lobato em certo momento dá a entender ser simpatizante do antigo regime monárquico e a turminha discute sobre pontos relacionados à religiosidade, como as Cruzadas, a Inquisição, a ruptura no Cristianismo, massacres entre católicos e protestantes, além da valorização das teorias evolucionistas de Darwin.
A valorização é para a História como é contada nos livros didáticos e afins. Importante ressaltar, pois a história muitas vezes é mutável com novas aprendizagens, e algumas coisas se estabeleceram estrategicamente por induções e manobras interesseiras. O princípio valorizado parte da total aceitação dos fatos outrora registrados, desdobrando-os para reflexões.
Outra coisa importante é que o autor novamente trouxe para a perspectiva dos picapaus algo já estabelecido no contexto de época. É o caso do livro Child's History of the World (História do mundo para crianças), publicado em 1924 pelo professor americano V. M. Hillyer, que rapidamente se tornou importante obra da literatura infantil. Lobato não omite e cita o livro no início - quando Dona Benta o recebeu pelo correio, ficou instigada e resolveu dividir esse saber com a garotada. Ah, mas garanto que tem muito marmanjo que vai se surpreender também com essa valorosa publicação.
Claro que tem o toque pessoal no olhar abrasileirado e, partindo ou não do autor, gostei dos sutis momentos de valorização a saberes em sua etimologia ou correlação com momento histórico. Como a origem de palavras como estoicismo, quando falou da Grécia antiga, ou protestante, no contexto que gerou essa denominação para os reformadores na igreja.
A parte do Darwinismo (que não creio) é o pontapé inicial das histórias de Dona Benta e daí vamos avançando em diversos momentos da história da humanidade. Egito, Grécia, Israel, Mesopotâmia, Roma, Idade Média, Navegações, e só estou citando alguns.
Outra coisa que despertou atenção. Em resenhas anteriores lamentei a ausência e viajei em como seriam incursões de Lobato pela literatura bíblica. E não é que esse livro tem! Específicas em pelo menos dois capítulos (sobre a história dos Judeus conforme o Antigo Testamento e sobre Jesus nos Evangelhos). Provavelmente Lobato apenas reproduziu a obra de Hillyer, mas são suas as impressões na turminha, principalmente na reflexão sobre a história da cristandade. Senti o autor desiludido por conta do comportamento humano, sendo esse aspecto o que o direcionou em sua visão sobre Deus. Oh! Olhemos para Jesus, se quisermos realmente encontrar Deus. Olhemos para Jesus e sua mensagem, porque o testemunho dos homens muitas vezes só tende a incentivar cegueira e desânimos por conta de ações contrárias a fé professada.
Os relatos bíblicos estão um tanto borocoxôs. O autor descreve contentando-se e dando atenção só para o elemento humano. A presença de Deus em suas ações não é valorizada. Só uma vez aparece a palavra Senhor. Bem se vê percepções e conclusões marcantes a partir da centralização do homem como norteador de vida. Olhemos para Jesus Cristo!
Falando em reações, os picapaus demonstram revoltas com as injustiças e empolgam-se com descobertas e aprendizagens, mas passei a ter outra imagem sobre Narizinho. Emília, Pedrinho e Visconde parecem ver as coisas no que gostariam de vivenciar (pelo prazer da aventura, vontade de corrigir algo devido visão incômoda, desejo de testemunhar algo, tudo num plano com egocentrismo, sem ser ruim). Mas com Narizinho a coisa é diferente. A menina parece demonstrar percepção mais humanista, de ver as coisas num plano onde se insere e sofre com a injustiça por ter um olhar mais abrangente, de valorização do outro e não essencialmente de sua vontade. O livro sugestiona isso. Será que estou conseguindo explicar o que sinto... Vale a tentativa. Em vários momentos a menina tem quase um desmaio de revolta, passa mal e Dona Benta tem que interromper a história para seu restabelecimento diante do impacto que sofrera. Aconteceu com as narrativas sobre o Nero em suas perversidades, na descoberta da mitologia dos Fenícios (sobre o deus Moloque e Asterate, que recebiam sacrifícios de crianças, citados também na Bíblia), a escravidão, Joana D'Arc e outros momentos. É dela que partem sempre as observações mais interessantes ao lado de Dona Benta.
Na parte da escravidão Lobato manifesta seu repúdio, referenciando como um cancro na história humana.
Vou deixar em registro também o capítulo "A era dos milagres", apenas por ter a primeira parte rotineiramente reproduzida em livros escolares, pelo menos no meu tempo de estudante.
O Lobato era adepto do comunismo? Não sei, mas tem capítulo em que parece criar uma expectativa com a Revolução Russa. O texto fala de dar tempo para ver resultados, se positivos ou não (Ora! Comunismo só oprimiu, roubou, torturou e matou, em todas as experiências mundo afora).
Enfim, uma viagem sensacional.  

sábado, 6 de janeiro de 2018

Incoerência Humana - Naufrágio do Novo Amapá (Francisco Hermes Colares, 2002)

"Desculpe-me, leitor amigo
o que agora vou relatar
é um fato muito chocante
que eu preferia não lembrar
mas decidi descrever
para melhor registrar.

O ano de oitenta passou
e dele ficamos a reclamar
oitenta e um entrou alegre
somente para nos enganar
e em apenas seis dias
nos fazer a todos chorar."
(Versos iniciais do cordel)


Título: Incoerência Humana - Naufrágio do Novo Amapá
Autor: Francisco Hermes Colares
Editora: Gráfica Amapaense
Páginas: 36
Ano: 2002
Gênero: Literatura de Cordel

Histórico cordel publicado em 2002, para leitura e reflexão do valor da vida acima de qualquer interesse. Cada verso exprime tristeza dilacerante, escritos por Francisco Hermes Colares, que acompanhou de perto o desenrolar dos fatos, apresentando exatidão e emotividade na narrativa.
Vemos as expectativas dos viajantes, a superlotação com descaso das autoridades competentes, o drama daquela fatídica noite em 06 de janeiro de 1981, o sofrimento e morte das infelizes almas, as expectativas de notícias no porto de Santana, a mobilização de resgate, o funesto enterro na cova coletiva no cemitério santanense, as homenagens e a dor de todos pela maior tragédia ocorrida nos rios amapaenses.
Para quem não conhece a história, o Novo Amapá naufragou por conta de excesso de passageiros e cargas, quando viajava de Santana (AP) para a Vila de Monte Dourado (PA) através do rio Jari. Mais de 300 pessoas morreram na embarcação preparada para receber cerca de 150 passageiros. Estima-se que estavam a bordo mais de 600 pessoas...
Era uma tragédia anunciada. Viajei nesse barco pouco antes do desastre. Na ocasião, estava superlotado, com o casco quase todo afundado, tendo pavimento de passageiros rente ao nível da água (e ainda lembro de carros na parte de cima da embarcação). Prenúncios de uma tragédia! Que se confirmou pouco depois, marcando para sempre a história da navegação da Amazônia e deixando famílias enlutadas e com uma dor sem medidas em várias cidades. Testemunhei choro e comoção em Monte Dourado, onde me encontrava na ocasião. Muitos, em um mecanismo de defesa, até negavam, diante de informações imprecisas.
O fato foi também decisivo para o fim do Projeto Jari na direção do magnata americano Daniel Ludwig (que passava por insucessos em projetos e enfrentando propagandas negativas encabeçadas pelo governo militar). A maioria dos passageiros era de trabalhadores da Jari.
Uma curiosidade funesta para o ano de 1981 é que em 19/08 naufragou também o Sobral Santos, que fazia linha entre Santarém e Manaus, com um número de vítimas semelhante a tragédia do Novo Amapá.

A obra pode ser consultada 
na Biblioteca Ambiental da SEMA em Macapá.

Veja também: 
- Morte nas águas: A Tragédia do Cajari (1981 - Livro) 
- Novo Amapá: A maior tragédia fluvial da Amazônia