Mais um texto antigo mostrando um pouco da história dos bairros. O autor é Izael Marinho e foi publicado no jornal "O Liberal", de 04 de maio de 1997. Todas as informações referem-se a esta época. Nota-se que muitas coisas relatadas não condizem com a realidade hoje. Outro dia ainda vou registrar a realidade presente. No momento, este é o bairro Jesus de Nazaré, em uma visão no século passado, lá nos idos de 1997.
BAIRRO NÃO PERDE JEITO ARISTOCRÁTICO
PERTO DO CENTRO, JESUS DE NAZARÉ TEM SUSTOS E ORGULHOS
Os problemas urbanos também fazem parte da paisagem do Jesus de Nazaré,
embora a maior parte do bairro seja bem urbanizada. (Foto: Gilmar Nascimento)
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Nos
idos de 50 a 60 ele foi o bairro mais aristocrático da cidade. Lá habitavam os
servidores de staff governamental, os funcionários públicos, numa época
em que ser barnabé era motivo de orgulho e sinônimo de prosperidade. Os
empregados mais graduados do governo (do ex-Território) tinham casa ali. Até
uma vila foi construída só para eles – a Vila do Ipase. O bairro se chamava, na
época, Jacareacanga. Por quê? Ninguém se atreve a responder. Aliás, nem os
moradores mais antigos gostavam do nome – motivo de chacota e maledicências dos
habitantes de outras regiões da capital.
O
nome Jesus de Nazaré – mais pomposo e agradável aos ouvidos dos moradores –
adveio dos primeiros religiosos católicos (padres e freiras) que instalaram no
bairro uma igreja, um convento e um seminário. “É um bom nome. Jacareacanga era
ruim até de pronunciar”, lembra a professora aposentada Nádia Filomena
Cavalcante, 69 anos, mais de 30 só de Jacareanga.
O
passar dos anos não tirou de Jesus de Nazaré o jeito de bairro nobre, onde 60%
dos moradores – cerca de 5.000 pessoas – estão acima da linha que separa a
pobreza da classe média. Miséria e miseráveis há, mas em número bem menor do
que nos demais bairros da cidade.
Mesmo
nas áreas de invasão – a mais famosa é a “Vila Pica-pau”, atrás do aeroporto –
a classe baixa mantém um padrão de vida invejável para qualquer miserável de
outra capital brasileira. “Nosso maior problema é moradia. Nossas casas é que
são uma vergonha. Mas fome ninguém passa, não senhor”, atesta o pintor Eduardo
Meira Filho, 44 anos, que está há 16 anos morando em um barraco do tipo
palafita construído atrás do muro do aeroporto.
Numa
coisa Meira tem razão: no Jesus de Nazaré não há mendigos, menores abandonados
ou gente morando na rua, como acontece em outros bairros de periferia. Uma
curiosidade: há poucos desempregados em todo o bairro. Mesmo nos casebres mais
pobres, as pessoas têm um televisor em cores, uma geladeira, um aparelho de som
(ou rádio) e uma máquina de lavar roupas. Muitos se dão ao luxo de possuir até
vídeo-cassete de última geração.
Nem
tudo são flores nesse aparente mar de tranqüilidade em que vivem os moradores
do Jesus de Nazaré. Apesar de possuir duas delegacias de polícia – uma de
defesa dos direitos da mulher e outra da Polícia Federal – os habitantes não se
sentem seguros.
O
índice de criminalidade, proporcional ao número de habitantes, é baixo. Nem por
isso deixa de assustar a população. Há anos não ocorrem crimes de morte na
região. Em compensação, as gangues aterrorizam as famílias.
Para
fugir da ação dos grupos organizados de rua, os moradores mais abastados
contratam segurança particular (vigias). Quem não tem dinheiro para esse gasto
arranja um cachorro – de raça ou não – para se encarregar da proteção.
Mas
é rara a noite em que uma casa não é arrombada, um muro ou fachada não aparece
pichado. As gangues estão se especializando em promover badernas nas ruas e
espancamento de pessoas inocentes.
As
tradicionais brigas de gangues foram substituídas pela ação conjunta dos delinqüentes
contra qualquer cidadão, pelo simples prazer de atemorizar e infernizar a vida
das pessoas. O consumo de drogas também aumentou e as primeiras “bocas-de-fumo”
começam a aparecer na região.
Ainda
assim, as estatísticas policiais confirmam o que os moradores já sabiam: O
Jesus de Nazaré é um dos poços bairros da cidade onde o cidadão ainda encontra
paz e sossego. Mas não é fácil descobrir quem queira vender ou alugar uma casa
por aquelas bandas.
“Problema
nós temos, mas tenho certeza de que pouca gente gostaria de sair daqui para
morar noutro lugar. Nós ainda temos o privilégio de colocar cadeiras em frente
de casa, no final da tarde, e bater um
longo papo com os vizinhos”, festeja Dona Senhorinha da Conceição, 72 anos, uma
pensionista que diz ter vivido metade de sua vida naquele bairro, e de onde não
sai por dinheiro nenhum.
COMO NOS BONS TEMPOS DE JACAREACANGA
A igreja, no coração do bairro, é hoje uma das maiores referências |
À primeira vista, quem visita o Jesus de nazaré tem a impressão de que os moradores de lá não sofrem os problemas comuns aos demais habitantes da cidade: falta de água, luz, saneamento, segurança, saúde. Mero engano, asseguram os moradores.
"É claro que podemos nos dar ao luxo de possuir boas escolas, repartições públicas excelentes, um serviço de saneamento básico de relativa qualidade. Mas há pontos do bairro onde as pessoas sofrem com a falta d'água e até de luz elétrica", conta o empresário Jonas Mariano Teixeira, de 39 anos, dono de um supermercardo, e que há 8 anos trocou o Buritizal pelo Jesus de Nazaré. Ele diz não ter se arrependido da decisão.
O que Jonas não conta é um dos graves problemas da população é a ausência de um posto médico no bairro. As autoridades de saúde pública argumentam que devido à proximidade do Jesus de Nazaré com o centro administrativo da capital, onde estão localizados os hospitais Geral, Pediatria, Maternidade e até o Pronto Socorro (além do HEMOAP), não há necessidade de novas unidades de saúde na região. "De lá para cá são menos de três minutos de carro e, no máximo, dez minutos a pé", frisa um médico do Hospital Geral.
Para compensar essa ausência do sistema público de saúde, no bairro, as clínicas particulares começam a se instalar por aquelas bandas.
Por conta disso, o sistema de ambulâncias "1520" da Prefeitura, tem sido bastante acionado pelos moradores, principalmente pelas pessoas que habitam as baixadas e áreas de invasão.
Dificuldade, mesmo, têm os "sem-teto". morando em barracos erguidos sobre alçagados, expostos a constante risco de inundação, essas pessoas não vêem a hora de serem removidas para áreas firmes. Uma promessa antiga tanto do Governo quanto da Prefeitura.
"Já fomos várias vezes à Prefeitura e até à Secretaria de Obras. Poucas foram as audiências em que fomos recebidos por alguém que realmente decidisse alguma coisa. Na maioria das vezes saímos de lá com mais dúvidas do que quando entramos. É sempre a mesma conversa: não dá pra aterrar as baixadas porque são ressacas, e isso causaria um desequilíbrio ambiental. Então, por que não tiram logo a gente daqui e colocam num lugar seco?", indaga, indignada, a dona-de-casa Rosália da Silva (35 anos), uma espécie de líder comunitária dos invasores.
A casa que divide com 5 filhos e com o marido (desempregado) está prestes a cair sobre o lago. Dona Rosália diz não ter para onde ir, nem dinheiro para consertar o barraco. Aguarda que uma alma generosa lhe estenda a mão e doe um terreno noutro lugar. "Até lá pra Piçarreira eu vou", diz ela, referindo-se ao recém-implantado bairro do Infraero, na divisa do São Lázaro com o Jardim Felicidade, na saída da cidade, para onde foram transferidas centenas de famílias de desabrigados das enchentes.
Embora pacato, o bairro tem problemas com gangues de rua, que sujam muros e portões das casas |
O atual Jesus de Nazaré mantém muitas das características do antigo Jacareacanga: ruas largas e arborizadas, casas espaçosas e no mais elegante estilo clássico ou moderno, jardins (ainda que pequenos, em quase todas as casas), quintais tomados por árvores frutíferas.
À noite, como o bairro não tem muitos barzinhos ou mesmo boates, é comum observar rodadas de vizinhos em frente às casas em conversas animadas ou, aos domingos, ouvindo o jogo do dia.
O Liberal - 04/05/1997 |
"É bem mais prático comprar o pão na porta de casa do que sair pára comprá-lo na padaria. Se bem que lá, na padaria, há mais opções...", comenta a doméstica Laura Crespo, 38 anos.
Outra característica do Jacareacanga que se mantém atual no Jesus de Nazaré é a prestação de serviços. É comum ver eletricistas, encanadores, pedreiros, pintores, tocando as campainhas das casas e oferecendo seus préstimos profissionais a um preço bem menor do que cobram as empreiteiras. Como é gente conhecida no bairro, a maioria dos moradores confia seus trabalhos a eles.
Texto pesquisado na Biblioteca da Prefeitura Municipal de Macapá.
Venha conhecer!