As postagens desse blog são em caráter informal, de apego ao saber popular, com seu entusiasmo, exageros, ingenuidade, acertos e erros.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

BAIRROS DE MACAPÁ - Jesus de Nazaré (Parte 1 - Jornal de 1997)

Mais um texto antigo mostrando um pouco da história dos bairros. O autor é  Izael Marinho e foi publicado no jornal "O Liberal", de 04 de maio de 1997. Todas as informações referem-se a esta época. Nota-se que muitas coisas relatadas não condizem com a realidade hoje. Outro dia ainda vou registrar a realidade presente. No momento, este é o bairro Jesus de Nazaré, em uma visão no século passado, lá nos idos de 1997.
BAIRRO NÃO PERDE JEITO ARISTOCRÁTICO
PERTO DO CENTRO, JESUS DE NAZARÉ TEM SUSTOS E ORGULHOS
Os problemas urbanos também fazem parte da paisagem do Jesus de Nazaré, 
embora a maior parte do bairro seja bem urbanizada. (Foto: Gilmar Nascimento)
     Nos idos de 50 a 60 ele foi o bairro mais aristocrático da cidade. Lá habitavam os servidores de staff  governamental, os funcionários públicos, numa época em que ser barnabé era motivo de orgulho e sinônimo de prosperidade. Os empregados mais graduados do governo (do ex-Território) tinham casa ali. Até uma vila foi construída só para eles – a Vila do Ipase. O bairro se chamava, na época, Jacareacanga. Por quê? Ninguém se atreve a responder. Aliás, nem os moradores mais antigos gostavam do nome – motivo de chacota e maledicências dos habitantes de outras regiões da capital.
     O nome Jesus de Nazaré – mais pomposo e agradável aos ouvidos dos moradores – adveio dos primeiros religiosos católicos (padres e freiras) que instalaram no bairro uma igreja, um convento e um seminário. “É um bom nome. Jacareacanga era ruim até de pronunciar”, lembra a professora aposentada Nádia Filomena Cavalcante, 69 anos, mais de 30 só de Jacareanga.
     O passar dos anos não tirou de Jesus de Nazaré o jeito de bairro nobre, onde 60% dos moradores – cerca de 5.000 pessoas – estão acima da linha que separa a pobreza da classe média. Miséria e miseráveis há, mas em número bem menor do que nos demais bairros da cidade.
     Mesmo nas áreas de invasão – a mais famosa é a “Vila Pica-pau”, atrás do aeroporto – a classe baixa mantém um padrão de vida invejável para qualquer miserável de outra capital brasileira. “Nosso maior problema é moradia. Nossas casas é que são uma vergonha. Mas fome ninguém passa, não senhor”, atesta o pintor Eduardo Meira Filho, 44 anos, que está há 16 anos morando em um barraco do tipo palafita construído atrás do muro do aeroporto.
     Numa coisa Meira tem razão: no Jesus de Nazaré não há mendigos, menores abandonados ou gente morando na rua, como acontece em outros bairros de periferia. Uma curiosidade: há poucos desempregados em todo o bairro. Mesmo nos casebres mais pobres, as pessoas têm um televisor em cores, uma geladeira, um aparelho de som (ou rádio) e uma máquina de lavar roupas. Muitos se dão ao luxo de possuir até vídeo-cassete de última geração.
     Nem tudo são flores nesse aparente mar de tranqüilidade em que vivem os moradores do Jesus de Nazaré. Apesar de possuir duas delegacias de polícia – uma de defesa dos direitos da mulher e outra da Polícia Federal – os habitantes não se sentem seguros.
     O índice de criminalidade, proporcional ao número de habitantes, é baixo. Nem por isso deixa de assustar a população. Há anos não ocorrem crimes de morte na região. Em compensação, as gangues aterrorizam as famílias.
     Para fugir da ação dos grupos organizados de rua, os moradores mais abastados contratam segurança particular (vigias). Quem não tem dinheiro para esse gasto arranja um cachorro – de raça ou não – para se encarregar da proteção.
     Mas é rara a noite em que uma casa não é arrombada, um muro ou fachada não aparece pichado. As gangues estão se especializando em promover badernas nas ruas e espancamento de pessoas inocentes.
     As tradicionais brigas de gangues foram substituídas pela ação conjunta dos delinqüentes contra qualquer cidadão, pelo simples prazer de atemorizar e infernizar a vida das pessoas. O consumo de drogas também aumentou e as primeiras “bocas-de-fumo” começam a aparecer na região.
     Ainda assim, as estatísticas policiais confirmam o que os moradores já sabiam: O Jesus de Nazaré é um dos poços bairros da cidade onde o cidadão ainda encontra paz e sossego. Mas não é fácil descobrir quem queira vender ou alugar uma casa por aquelas bandas. 
     “Problema nós temos, mas tenho certeza de que pouca gente gostaria de sair daqui para morar noutro lugar. Nós ainda temos o privilégio de colocar cadeiras em frente de casa, no final da tarde, e bater  um longo papo com os vizinhos”, festeja Dona Senhorinha da Conceição, 72 anos, uma pensionista que diz ter vivido metade de sua vida naquele bairro, e de onde não sai por dinheiro nenhum.

COMO NOS BONS TEMPOS DE JACAREACANGA
A igreja, no coração do bairro, 
é hoje uma das maiores referências
À primeira vista, quem visita o Jesus de nazaré tem a impressão de que os moradores de lá não sofrem os problemas comuns aos demais habitantes da cidade: falta de água, luz, saneamento, segurança, saúde. Mero engano, asseguram os moradores.
     "É claro que podemos nos dar ao luxo de possuir boas escolas, repartições públicas excelentes, um serviço de saneamento básico de relativa qualidade. Mas há pontos do bairro onde as pessoas sofrem com a falta d'água e até de luz elétrica", conta o empresário Jonas Mariano Teixeira, de 39 anos, dono de um supermercardo, e que há 8 anos trocou o Buritizal pelo Jesus de Nazaré. Ele diz não ter se arrependido da decisão.
     O que Jonas não conta é um dos graves problemas da população é a ausência de um posto médico no bairro. As autoridades  de saúde pública argumentam que devido à proximidade do Jesus de Nazaré com o centro administrativo da capital, onde estão localizados os hospitais Geral, Pediatria, Maternidade e até o Pronto Socorro (além do HEMOAP), não há necessidade de novas unidades de saúde na região. "De lá para cá são menos de três minutos de carro e, no máximo, dez minutos a pé", frisa um médico do Hospital Geral.
     Para compensar essa ausência  do sistema público de saúde, no bairro, as clínicas particulares começam a se instalar por aquelas bandas.
     Por conta disso, o sistema de ambulâncias "1520" da Prefeitura, tem sido bastante acionado pelos moradores, principalmente pelas pessoas que habitam as baixadas e áreas de invasão.
     Dificuldade, mesmo, têm os "sem-teto". morando em barracos erguidos sobre alçagados, expostos a constante risco de inundação, essas pessoas não vêem a hora de serem removidas para áreas firmes. Uma promessa antiga tanto do Governo quanto da Prefeitura.
     "Já fomos várias vezes à Prefeitura e até à Secretaria de Obras. Poucas foram as audiências em que fomos recebidos por alguém que realmente decidisse alguma coisa. Na maioria das vezes saímos de lá com mais dúvidas do que quando entramos. É sempre a mesma conversa: não dá pra aterrar  as baixadas porque são ressacas, e isso causaria um desequilíbrio ambiental. Então, por que não tiram logo a gente daqui e colocam num lugar seco?", indaga, indignada, a dona-de-casa Rosália da Silva (35 anos), uma espécie de líder comunitária dos invasores.
     A casa que divide com 5 filhos e com o marido (desempregado) está prestes a cair sobre o lago. Dona Rosália diz não ter para onde ir, nem dinheiro para consertar o barraco. Aguarda que uma alma generosa lhe estenda a mão e doe um terreno noutro lugar. "Até lá pra Piçarreira eu vou", diz ela, referindo-se ao recém-implantado bairro do Infraero, na divisa do São Lázaro com o Jardim Felicidade, na saída da cidade, para onde foram transferidas centenas de famílias de desabrigados das enchentes.
Embora pacato, o bairro tem problemas 
com gangues de rua, 
que sujam muros e portões das casas
     Os primeiros moradores chegaram ao então Jacareacanga numa época em que Prefeitura e Governo pouco ligavam para o crescimento desordenado da cidade. Como terreno era coisa sem muito valor, à época, qualquer pessoa podia apossar-se de quanta terra quisesse ou tivesse  condições de cuidar. Talvez por isso os moradores mais antigos possuam hoje lotes que vão de uma rua a outra. O pai de família demarcava seu terreno e mais uns três - um para cada filho. Isso nunca foi motivo de briga ou disputa judicial.
     O atual Jesus de Nazaré mantém muitas das características do antigo Jacareacanga: ruas largas e arborizadas, casas espaçosas e no mais elegante estilo clássico ou moderno, jardins (ainda que pequenos, em quase todas as casas), quintais tomados por árvores frutíferas.
     À noite, como o bairro não tem muitos barzinhos ou mesmo boates, é comum observar rodadas de vizinhos em frente às casas em conversas animadas ou, aos domingos, ouvindo o jogo do dia.
O Liberal - 04/05/1997
PADEIROS - No Jesus de Nazaré - talvez o único local da cidade onde isso ainda é possível - não é difícil o visitante  se deparar com um padeiro, de caixa na garupa da bicicleta, oferecendo pão quentinho de porta em porta. O tradicional paneiro de palha de buriti foi substituído por uma caixa de compensado forrada com material impermeável. O característico grito de "pa-a-dei-ro" acabou sendo trocado por uma infernal buzina de pipoqueiro. O horário também mudou. O padeiro não passa mais de madrugada e, sim, às 3 horas da tarde, na hora em que a dona-de-casa se prepara para o religioso café. Mas o charme da profissão continua.
     "É bem mais prático comprar o pão na porta de casa do que sair pára comprá-lo na padaria. Se bem que lá, na padaria, há mais opções...", comenta a doméstica Laura Crespo, 38 anos.
     Outra característica do Jacareacanga que se mantém atual no Jesus de Nazaré é a prestação de serviços. É comum ver eletricistas, encanadores, pedreiros, pintores, tocando as campainhas das casas e oferecendo seus préstimos profissionais a um preço bem menor do que cobram as empreiteiras. Como é gente conhecida no bairro, a maioria dos moradores confia seus trabalhos a eles. 

Venha conhecer!