As postagens desse blog são em caráter informal, de apego ao saber popular, com seu entusiasmo, exageros, ingenuidade, acertos e erros.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Tradição Secular: Início do Ciclo do Marabaixo (Abril de 2012)

Texto do Jornal dos Municípios do Amapá
de 12/04/2012.
Na Igreja de São Benedito, missa integra programação do marabaixo.
 Ciclo do Marabaixo 2012 inicia com festas na Favela e Laguinho
   
É tempo de fogos, flores, cantos, saias, caldo crianças, jovens, idosos, homens e mulheres nos bairros Laguinho e Favela. Começou o Ciclo do Marabaixo, maior combinação de fé, tradição, respeito e religiosidade, onde o preconceito e ignorância são descartados para que a principal identidade do povo amapaense ganhe espaço nas rodas.
Em cada bairro, os festejos se dividem entre duas famílias tradicionais, multiplicando em quatro as opções para quem quer conhecer e participar das festas do Ciclo do Marabaixo, que só acaba no Domingo do Senhor, em junho. A programação iniciou no dia 07 de abril.
Em Macapá, Favela (hoje chamado de Santa Rita) e Laguinho, nascidos da migração dos moradores negros do centro da cidade, reúnem pessoas de todos os cantos do Amapá nas casas de Tia Biló, Mestre Pavão, dona Dica do Congó e Natalina. Elas são descendentes dos primeiros moradores de Macapá, que moravam próximo à Igreja São José e tiveram que migrar para que o governador Janary Nunes construísse as casas oficiais e prédios públicos.
  
Ladrões retratam fase do povoamento de Macapá 
 
Dona Gertrudes Saturnino e Julião Ramos se dividiram para iniciar o povoamento do Laguinho e Favela. Memória: "Pra onde tu vais rapaz, por estes caminhos sozinho, vou fazer minha morada, lá nos campos do Laguinho...", composição de Raimundo Ladislau, e "...pelo jeito que estou vendo, querem me deixar sozinho, uns vão para a Favela e outros vão para o Laguinho...", de Gertrudes Saturnino, foram feitas para contar essa mudança do Centro para lugares mais afastados.
São versos, chamados de "ladrões", que desde o princípio contavam o dia-a-dia das famílias, que cantam a mudança e são repetidas nas noites de festa. Durante os festejos, a história dessa nação é cantada e "roubada" entre os cantadores que ainda fazem ladrões do cotidiano para não esquecerem suas raízes.
MATRIARCAS do Ciclo do marabaixo mantém tradição viva no Amapá.
Tia Biló é um exemplo de prosperidade, fé e dedicação ao marabaixo
  
As mudanças para manter viva a memória são entendidas pela matriarca do Laguinho, a Tia Biló, 87 anos, única filha viva do Mestre Julião e prima de Mestre Pavão. Na casa dela, assim como a dos demais festeiros, vive-se o marabaixo em cada canto. desde o ofertório, até as cozinhas com imensas panelas onde fazem o caldo, passando pelos quartos, com muitas saias e flores.
Tia Biló acompanhou a transformação do marabaixo tradicional ao atual espetáculo que hoje chama atenção de turistas e é reconhecido como a maior manifestação cultural do Amapá.
        
Preconceito vencido com música, flores e tambores

As famílias de Mestre Pavão, Tia Biló, dona Gertrudes e Dica do Congó tiveram que quebrar preconceitos e lutar para que a tradição não fosse sepultada pela ignorância. Enfrentaram com música, flores e tambores o preconceios de homens da Lei, de vizinhos que não aceitam a cultura secular e até de membros de Igrejas, mesmo sendo uma cultura popular sincronizada com a religião católica.
Mestre Pavão contava que após saírem do centro da cidade, alguns padres consentiam que eles dançassem marabaixo, desde que fora da Igreja de São José. Há três anos, um padre chegou a negar que as imagens dos santos festejados ficassem na Igreja São Benedito e tentou fechar as portas da Igreja para que os marabaixeiros não entrassem. "Nas últimas décadas houve quem chamasse a polícia, fizesse denúncias, recorressem à imprensa e até dessem tiros em frente às festas, sem contar que na Igreja cortaram  nosso microfone, mas não conseguiram nos abalar. Sabemos que não são todos os fiéis que agem assim. Nossa fé e respeito à tradição é mais forte e superamos tudo isso", conta Danniela Ramos.
No caso da Igreja São Benedito, o bispo da Diocese de Macapá, Dom Pedro José Conti, se envolveu e pediu que o padre se retratasse e hoje as portas voltaram a se abrir para a tradição. O padre italiano, que causou o transtorno, após o episódio, volta para a Itália e foi substituído pelo padre Daniel, que respeita e participa dos festejos.

Programação é bem diversificada e mantém tradição
Jovens cantadeiras são o futuro da tradição secular.
Além das rodadas de marabaixo, que são cinco, incluindo os dedicados à Santíssima Trindade e Divino Espírito Santo, quando os mastros são levantados após uma noite de festa, tem ainda a retirada dos mastros e das folhas de murtas, nas matas do Curiaú, missa, novenas e bailes.
No Laguinho, os dançadores e tocadores circulam nas ruas anunciando os festejos e espalhando as murtas, que espantam o mau-olhado. Gengibirra não pode faltar, assim como o caldo com muita verdura. É a vitória da tradição que hoje consegue levar para a festa pessoas de todas as idades e classes sociais.
Na casa em que morou Julião Ramos, onde o Grupo Raimundo Ladislau dança, crianças de 5 anos até idosos de 80 anos de idade participam de todo o processo da festa. As moças têm orgulho em vestir as saias rodadas e colocar flor na cabeça, as cantadeiras têm lugar de destaque. Na casa do Mestre Pavão, os 10 filhos e muito netos se revezam nos preparos. Na Favela, as famílias de dona Dica do Congó e dona Gertrudes, nos panelões  preparam com antecedência os caldos.


Fonte: Jornal dos Municípios do Amapá, de 12/04/2012 (página 8)

Referências para pesquisas

A Biblioteca Ambiental da SEMA-AP em Macapá disponibiliza para consultas os seguintes materiais sobre a cultura do Marabaixo.

"Marabaixo - Amapá Folclore" - Folheto de 33 páginas escrito e ilustrado pelo artista plástico R. Negrão, em 1990. 
Na publicação encontramos algumas melodias do marabaixo, datas principais, breve descrição da história e costumes. 
A principal referência da obra é a descrição do marabaixo (algumas de suas principais características) no formato de História em Quadrinhos (são 15 páginas dedicadas a isto). Esse material também pode ser encontrado nas Bibliotecas do SESC-Centro, Municipal de Macapá e Estadual Elcy Lacerda

Ilustração da página 19.

"O Marabaixo no Amapá: um estudo sobre o processo de mudança sócio-cultural e do artificialismo folclórico" 
Estudo de Fernando Canto apresentado como TCC no Curso de Ciências Sociais, na UFPA (1980).
Em 51 páginas encontramos informações como: origens e influências, lugares da dança, coreografia, marco teórico, mudança cultural, a posição da Igreja Católica, Marabaixo no Laguinho, Mazagão Velho e Curiaú, manipulação do Estado sobre o Folclore, estilização, etc.
"O Tema escolhido tem por finalidade estudar o folclore negro do Amapá (marabaixo) e suas relações sócio-culturais nas comunidades onde ele é manifestado" 
(Fernando Canto)
  


"Modernidade e Marabaixo - Luzes e Sombras na Perspectiva do Projeto  Rumo ao Novo Milênio"  

Breve Ensaio do Padre Aldenor Benjamim dos Santos (42 páginas) de cunho histórico-pastoral sobre as raízes da religiosidade e identidade cultural.

"Assumo como proposição final mostrar que é possível viver uma relação não conflitiva entre a Igreja e o Marabaixo; e descobrir dentro do marabaixo pegadas da Semente do Verbo que podem ser transformadas em conteúdo teológico, litúrgico, pastoral e catequético".  
(Pe. Aldenor B. dos Santos)


"Maracima, Marabaixo: De ladrão em ladrão a saga de uma nação"
Livro de Nilson Montoril publicado em 2004. São 73 páginas. A obra representa um estudo para o enredo apresentado pela Escola de Samba Boêmios do Laguinho, em 1997. Faz um passeio na vida amapaense, principalmente no que se refere a história do negro nesta terra amazônida. Encontramos capítulos como: o negro no Brasil, importância, o negro na Amazônia, no Amapá, influência no folclore, etc.
O Marabaixo tem seu destaque com a apresentação bem detalhada do calendário, fatos históricos e personagens.


"Marabaixo, dança afrodescendente: significando a identidade étnica do negro amapaense"
No livro a autora, Piedade Lino Videira, chama de dança afro todas que têm expressões africanas e afrodescendentes, realizadas principalmente em comunidades de maioria afrodescendentes. O marabaixo - dança dramático-religiosa de cortejo afrodescendente - está inserido na definição de dança afro por representar a história e a cultura do afroamapaense. A autora buscou (pelo viés da vivência histórica, social e cultural) os elementos constitutivos de sua trajetória e suas construções sociais, políticas e identitárias, utilizando-se de suas narrativas e das próprias observações e análises. São 285 páginas. 
(Texto: editora.ufc.br)



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