As postagens desse blog são em caráter informal, de apego ao saber popular, com seu entusiasmo, exageros, ingenuidade, acertos e erros.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Histórias da Vó Nikita: Meuã de uma guariba (Parte 1)

Guariba Vermelha
(Foto: estradasecaminhos.blogspot.com)
Nas altas copas desfila sua maestria de acrobata, não temendo alturas e se movimentando confiante nas sumaúmas, angelins ou ipês. Canta também como artista da mata, um aviso de quem tem o senhorio por ali, em apresentações conhecidas no final das tardes. Chamam-na de Arawata, Akyky, Arãta ou Alawata; às vezes é Singe rouge, Brulaap, Guianan red howler monkey, Roter Brüllaffe ou Araguato; também é Bugio e eu a conheço por Guariba. Nome familiar no Norte que, na raíz tupi-guarani, refere-se a um indivíduo feio. Não me importa, é o nome entre todos que me soa mais bonito, enchendo a boca numa expressão de amazonidade
"Os uivos característicos são uma boa forma para a espécie preservar energia, indicando sua presença e evitando conflitos com outros grupos. São impressionantes e resultam de uma modificação do osso hióide na garganta. O animal é de natureza pacífica." (Fonte: une-saison-en-guyane.com)

Vive em bando de uns 10 indivíduos chefiados pelo mais forte, a quem aprendi chamar de capelão, buscando pelos frutos, pelas sementes, flores, ovos e até cupinzeiros. Tem da espécie vermelha e da espécie preta, sendo a mais comum a primeira, também chamada de ruiva ou loira. O bicho tem fama de ladino e esperto, quem sabe não foi daí que surgiu a expressão guaribada, sugerindo uma enganação com algo rapidamente feito. Não sei de nada, são conjecturas... 
Guariba Preta
(Foto: ninha.bio.br)
Vamos ver o que a sabedoria popular nos ensina também. 
O caboclo da Amazônia é observador e vai guardando tudo o que espia e escuta dessas matas e rios, seja fruto de verdades, equívocos ou de deslavadas mentiras. Não é de hoje a fama de matreira da guariba. É um bicho ajuizado e esperto, acompanhe: aprecia os bons frutos, como o taperebá, tendo sempre o cuidado de enfiar no fiofó o caroço, antes de engoli-lo inteiro. Se passar, engole. Por isso jamais padece de entupimentos, como é comum em muitos meninos com a goiaba. E não para por aí não!! Como tem o fiofó daqueles que é porrudo, quando vai nadar em travessia a algum igarapé, tem aquele caprichoso cuidado de vedar tudo com folhagem e assim sai nadando despreocupada, com o rabo te-tei de folhas... mas protegido. É lendária sua sabedoria, mas eu deixo para experimentares isso, se quiseres... depois me conta tudo se de fato foi de boa medida. 
Há quem entre nestas matas com o propósito de dar cabo dos bichos, se ainda fosse para se alimentar  por precisão... Vão atrás movidos por seus instintos de ogro e até para atender o bel-prazer de outros que nem moram nos interiores. Já ouvi falar de festas regadas à maldita cachaçada onde os pratos principais são as caças. 
Vó Ana, em 05/11/2012
Pior que isso só as atitudes imbecis dos homens que pagam para entrar em muitos cantos do mundo para ter o prazer de dar um tiro bem na cara de um animal indefeso e em seu habitat natural, como as onças na Amazônia ou outros muitos na África
A guariba é também destes bichos visados e, reza a lenda, pode descer da árvore, se livre de um tiro mortal, virando meuã, com dentes, unhadas e pau ou pedras na mão. Quando atingida de raspão, passa folhas sobre o ferimento e esconde-se sem quem a encontre. É o que brota no imaginário...
Essas coisas são conhecidas na Amazônia. Vou lhes contar mais uma delas, ocorrida nas matas do Amapá. Vou lhes contar mais uma História da Vó Nikita...