Opa! Não é hoje o Dia Nacional do Livro Infantil? Sim, sim, em homenagem ao nascimento de Monteiro Lobato, quem começou a dar atenção especial a este segmento no nosso país. Vou deixar em registro algumas resenhas sobre a fabulosa coleção do Sítio do Picapau Amarelo. É uma lembrança, e apenas isso, sobre obras que precisam ser redescobertas pelas turminhas, seja no meu Amapá ou outro canto qualquer do Brasil.
O Picapau Amarelo (1939)
Sabe aquele filme do Shrek, em que seu pântano é invadido por personagens fabulosos a convite do Burro? É o que acontece neste livro, quando o Pequeno Polegar leva a mesma turma para morar no Sítio. Ah, pelo menos pediu autorização para Dona Benta, né!
Aleatoriamente acabei acertando algo. O livro se passa depois do Poço do Visconde, minha última leitura da série, quando ficaram ricos com o petróleo e aproveitaram a bufunfa para comprar terras nas cercanias. E esse é o primeiro destaque, por conta da engenhosidade da Emília para comprar a terra dos vizinhos. Sagaz, a maluquinha! Só lendo para entender...
Daí em diante temos uma série de pequenas aventuras na interação da galerinha com personagens das Fábulas. Histórias curiosas, inusitadas e divertidas, abrangendo também famosos da Mitologia Grega e Literatura Universal.
Vale os registros do Dom Quixote e suas alucinações com o mago Fresnom; a narrativa de Belerofonte sobre o embate com a Quimera; a turma do Sítio enfrentando terríveis piratas liderados pelo Capitão Gancho; e a gula do Sancho Pança (pau a pau com a do Rabicó). Opa! E tem mais coisas ainda para diversão na leitura.
Lobato novamente valorizou as fábulas e mitologia em apresentação do tema para tenros leitores, naquela dinâmica de conhecer e brincar com as descobertas. Para o autor, não basta expor, é interessante também uma intimidade interativa.
Tem coisa que não curti e vou registrar. No início da obra há uma abordagem sobre mitos e ficção, onde o autor subtende seu ateísmo. É só uma observação de minha parte, que ajuda a pontuar o que conheço sobre o Lobato. E vamos em frente que acabou não, moçada! Tem mais aventura ainda...
As histórias continuam em plano curioso de liberdades surreais. Entre elas:
- Capitão Gancho perde o Hiena do Mares para a turminha, que o reforma como o Beija-Flor das Ondas. Eita! O pirata tenta revidar com a ajuda de valentões que conhecera na venda do turco Elias, e vão por aí as maluquices...
- Tia Nastácia apaixonada! Ah, só não se explica pelo que, evidenciando-se a paixão como um sentimento de êxtase. O fato resultou de artimanha da Emília com flechas do Cupido.
- O casamento de Branca de Neve com o Príncipe Codadade, e nova visita de crianças, ávidas por conhecer a turminha.
Termina com um mistério, o desaparecimento de Tia Nastácia, mas isso é assunto para o próximo livro: O Minotauro.
É a essência da obra, passando a percepção de descobertas e interação curiosa com o mundo da leitura.
O Minotauro (1939)
Conheci essa obra através da antológica série do Sítio do Picapau Amarelo versão anos 70. A percepção era de uma história de terror, assustadora para a garotada em cada aparição do monstro que, mesmo com uma figura super tosca, dava um medão por conta do suspense potencializado em perseguições no famoso labirinto, imagens obscuras e trilha sonora cabulosa, genial neste quesito. Curioso que na versão do segundo milênio, que também acompanhei, a história não teve o mesmo impacto.
Comparativamente ao livro há algumas diferenças e a principal é o foco. No seriado o Minotauro era o principal personagem no desenrolar da história, e no livro o destaque maior é a Grécia, em uma viagem de descobertas e curiosidades.
Os Picapaus (designação que Lobato dava para a turma do Sítio) embarcam no Beija-Flor das Ondas (o navio confiscado e reformado do Capitão Gancho) para resgatar Tia Nastácia, que fora raptada na festa de casamento do Príncipe Codadade com Branca de Neve, quando houve a invasão de monstros das fábulas em episódio descrito no livro anterior (O Picapau Amarelo).
Quem gosta dessa obra certamente manifesta algum interesse na visão da Grécia antiga, porque a maior parte (cerca de 90%) trata disso, em aspectos históricos e mitológicos.
A parte específica sobre o Minotauro, para quem tem a imagem construída pelo seriado, desaponta um pouco. Além de rápida, não enfatiza a questão do terror. É bem assim... Será que conto? Nããããão! Leia o livro.
Particularmente, gostei mais da parte histórica, expressa no encontro da turma com personagens famosos, como Péricles, Fídias, Sócrates e Sófocles (respectivamente, destacados como estadista, escultor, filósofo e dramaturgo). Esse desenrolar tem o protagonismo de Dona Benta, que dá show em curiosidades para o leitor.
Há questões interessantes, tipo, a cultura grega ter influenciado o desenvolvimento da modernidade. Essa importância Lobato destacou para os tenros leitores.
Olha que sensacional! Em certo momento de diálogo com Péricles (famoso pela liderança e oratória), o estadista fala de liberdade como uma das coisas de maior valorização entre os gregos. O povo é livre para suas escolhas. A sagaz Dona Benta observou então que muito do conceito de liberdade expressa na vontade do povo resulta da capacidade de manipulação de seus líderes. O que seria a vontade do povo, muitas vezes é consequência daquilo a que está sugestionado, reproduzindo, no final das contas, o interesse dos líderes. Povo livre, manobrado para algo que subtende interesses escusos. Mas rapaz! É exatamente o que vemos hoje, onde está escancarada a tal democracia em nosso Congresso como um grupo fechado de corruptos manipulando as coisas a seu favor, fingindo que encarnam a vontade do povo. Não é o que esses mafiosos estão fazendo? E o que os interesses de certos líderes manobraram para que fosse deflagrado no mesmo ano de publicação desse livro?
A velhinha (falo com carinho) embala o conceito de liberdade, também, chamando a atenção para o sistema de escravidão que existia naquele povo, desmistificando o que eles atribuíam como sociedade perfeita.
E por aí vão os encontros, com direito a momentos um tanto hilários, na admiração dos gregos pelos milagres de nossa modernidade, como uma simples caixa de fósforos, quando existia uma lenda hiperdramática de como o fogo chegou aos homens.
Há reflexões sobre a profundidade do conhecimento, sobre a valorização das artes, sobre o progresso aflorar em aspectos miraculosos e em paralelo ocorrer a degeneração de certas coisas... No plano prático, se exemplifica numa conquista da Ciência e uso aterrador, para a maldade.
Enfim, gostei e me diverti bastante com essa parte. Ah, e tem certas curiosidades desconhecidas. Não sabia que Péricles tinha uma anomalia na cabeça, que fazia com que fosse alongada e por isso suas reproduções (pintura e escultura) o mostravam sempre com um elmo. Pesquisa aí no Google Imagens se duvidar.
A parte da mitologia é protagonizada pelo Pedrinho, em interação aventureira. O destaque desse momento vai para história de Hércules, mas Lobato dá só um gostinho no tema, pois isso será tratado em outra obra. Não gostei muito dessa parte e preferia que o protagonismo fosse encabeçado pela Emília em suas mirabolantes curiosidades e posicionamentos. Seria mais legal!
Estranhei o Lobato não ter dado destaque para Visconde, que quase não gastou seu conhecimento. Ficou na sombra de Dona Benta. Melhor assim, porque a velhinha é mais sagaz e o Visconde manobrável demais. Pergunta para a Emília se não...
Essa é a obra. Olha o que Lobato contava para as crianças!
Devaneando um pouco, fugindo do contexto do livro, ainda fico imaginando como seria extraordinária uma viagem que o autor fizesse com os Picapaus pela Literatura Bíblica. Eita! Mas o homem tinha outra escolha de vida...
Gostei bastante da leitura e vou atrás da adaptação em quadrinhos.
Legal que podemos encontrar essas obras na maioria das bibliotecas públicas. Assim acontece em Macapá com a nossa Biblioteca Elcy Lacerda. Visite e descubra as fabulosas criações de Monteiro Lobato.