As postagens desse blog são em caráter informal, de apego ao saber popular, com seu entusiasmo, exageros, ingenuidade, acertos e erros.

sábado, 14 de abril de 2018

Os Mineiros da Floresta (Adalberto Paz, 2014)

Em meados da década de 1940, no extremo norte do país, iniciavam-se os preparativos para a instalação do primeiro projeto de exploração mineral industrial na Amazônia. Este empreendimento relacionava-se com as diretrizes políticas, econômicas e estratégicas estabelecidas durante o Estado Novo para várias regiões do país tidas como periféricas e atrasadas em relação aos centros dinâmicos da economia nacional. Dessa forma, segundo o discurso oficial, a exploração das jazidas de manganês na região de Serra do Navio, situadas no interior do Território Federal do Amapá, criaria as condições necessárias para o desenvolvimento dessa importante área de fronteira, ao mesmo tempo em que contribuiria para a formação de uma verdadeira "civilização equatorial". Contudo, a implantação dessa nova sociedade exigiria a reestruturação dos padrões de sociabilidade vigentes entre uma população basicamente voltada para o extrativismo. Assim, os impactos sobre essa organização social e as diversas transformações ocorridas naquele território, entre as década de 1940 e 1960, são analisados tomando como referência a montagem daquele complexo mineral-exportador, que se destaca por ter projetado duas company towns no interior da floresta amazônica, com as quais a empresa Indústria e Comércio de Minérios S.A. pretendia obter um tipo específico de trabalhador e de família, formando comunidades orientadas por princípios de harmonia entre capital e trabalho.
(ADALBERTO PAZ)


Título: Os mineiros da floresta: modernização, sociabilidade e a formação do caboclo-operário no início da mineração industrial amazônica
Autor: Adalberto Paz
Editora: Paka-Tatu
Ano: 2014
Páginas: 244
Sumário:
Cap. 1 - De caboclo a operário: origem e constituição da mão de obra industrial amapaense (1943-1949)
Cap. 2 - Conflitos e sociabilidades em uma fronteira de mineração industrial (1950-1959)
Cap. 3 - Uma cidade operária no interior da floresta (1960-1964)

Um parecer simples

Estudos sobre a ICOMI são instigantes no Amapá, pela representatividade histórica. Em geral, o assunto desperta empatia em quem vivenciou o período de atividades da empresa. Como também estou nesse grupo entusiasta, o livro proporcionou leitura interessante e prazerosa, caracterizando-se pelo direcionamento sociológico numa visão ao homem em sua realidade e cotidiano antes e após a instalação da empresa. Esse olhar aponta impactos sociais, na economia regional, na urbanização, na modernização, no crescimento demográfico e na especialização do trabalhador.
A obra resultou de um trabalho acadêmico em História, de Adalberto Paz, e foi lançada oficialmente em 2014 em Macapá, abrangendo um recorte temporal entre as décadas de 1940 e 1960, período de instalação e construção da infraestrutura da empresa, assentando-se em documentos e entrevistas que proporcionaram a percepção em três momentos.

Na primeiro, o autor analisa o contexto regional pré ICOMI, onde vemos isolamento, cultura de subsistência e economia baseada no extrativismo. Nesse cenário destacavam-se o seringueiro, garimpeiro e castanheiro, enfatizando-se o modelo econômico exploratório a que estavam sujeitos e a realidade de época em alguns estudos de caso. A cidade de Macapá também é visitada, evidenciando-se nos estudos uma marginalização no cotidiano e desenvolvimento.
O autor resgata a história da ICOMI desde as primeiras descobertas de minério de ferro em Vila Nova, que recebeu prospecção de outra empresa no início da década de 1940, mas não foi levado adiante quando se colocou em paralelo o elevado custo para exploração com os lucros finais. O governador do TFA buscava no potencial natural um meio para desenvolvimento local (quando assumiu o recém-criado Território Federal em 1943) e, ciente da história secular de garimpagem e das potencialidades, abriu concurso para descobertas na área de mineração. É aí que se insere a história de Mário Cruz e o achado das pedras de manganês no rio Amapari. Daí para a frente a história vai se desenrolando com outros aspectos interessantes no estabelecimento da empresa.


Escola de Serra do Navio (ao centro), em 1951. À esquerda, na beira do rio, observa-se a movimentação de pessoas em torno do armazém da mina (Figura 5 - página 95 do livro).
O segundo momento mostra transformações provocadas na região, em relação aos trabalhadores e no processo de modernização de Macapá. Algo que se ressalta é a disciplina que era exigida e monitorada na realidade da companhia em Serra do Navio e Vila Amazonas. Segundo o texto, a modernização da capital foi subsequente às carências da mineradora (como hotel, vila operária e infraestrutura para atender os primeiros trabalhadores). O capítulo apresenta também estudo de caso, de situações diversas em Macapá e Santana, atrelados a um comportamento cultural em paralelo à realidade estimulada pela empresa. Curioso destaque para o caso envolvendo os marinheiros de um navio estrangeiro no Porto de Santana, que tinham costumes estranhos à terra, resultando numa tragédia. Coisas que ficam em paralelo para ressaltar a filosofia que a ICOMI implantou.

Na parte final, a vivência nas company towns. Interessante o processo de modernização dos trabalhadores, que tiveram oportunidades de fazer cursos ou aprender na prática o manuseio de máquinas de última geração na época. A disciplina e organização nas vilas era também um contraponto à realidade amazônica associada à mineração.

Enfim, um livro envolvente e muito legal para se conhecer e entender um pouco do entusiasmo de quem conheceu e vivenciou o que representou a ICOMI nos áureos tempos. Ressalte-se que o livro excede as informações aqui apresentadas e a ICOMI é um campo de estudos com pontos positivos e negativos em sua trajetória no Amapá.


Leia também o parecer de Jessica Marinho
Livro conta a história de operários que atuaram na exploração de Manganês em Serra do Navio NESTE LINK.


A obra está disponível para consultas em Macapá na
Biblioteca Pública Elcy Lacerda e
Biblioteca Ambiental da SEMA-AP.