As postagens desse blog são em caráter informal, de apego ao saber popular, com seu entusiasmo, exageros, ingenuidade, acertos e erros.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Coleção Sítio do Picapau Amarelo - Monteiro Lobato 6

Fábulas (1922)
O livro é de 1922, entre os primeiros sobre o Sítio. Vemos histórias que seriam retocadas e republicadas em obras como "Reinações de Narizinho" e "Viagem ao Céu".
Em linhas gerais, o jeito lobatiano de adaptar um contexto (como história, literatura ou ciência) valorizando aspectos da cultura local e, o que é interessante, de forma provocativa aos jovens leitores.
A atenção foi para as fábulas, contadas por Dona Benta em gostosas narrativas de vó para a turminha. São cerca de setenta, sendo a maioria de La Fontaine e Esopo, mas tem também do folclore e da cachola de Dona Benta. A turminha se expressa no que entendeu, concordou (ou não), manifestando seu agrado ou desagrado e estendendo a aprendizagens em exemplos observados no convívio de sua realidade. 

Claro que tem também a torneirinha de asneiras da Emília e, aqui e acolá, pitacos científicos do Visconde, percepções ingênuas da Tia Nastácia, o romantismo aventureiro e sonhador de Pedrinho e Narizinho e, através da Dona Benta, paralelos entre antiguidade e modernidade, que o autor estende para a percepção da linguagem e cultura.
Ah, mas sem dúvidas um dos aspectos mais legais fica mesmo por conta dos pitacos da Emília, às vezes, refinada esperteza. Principalmente quando propõe finais diferentes, como o desenlace que deu para "O Lobo e o Cordeiro". Falando nessa, Lobato afirmou que entre todas é a fábula mais conhecida. Para mim, seriam a da "Cigarra e a formiga", "A raposa e as uvas" e "A assembleia dos ratos". 

Talvez essas fábulas não fossem tão conhecidas pela garotada, ainda mais por algumas apresentarem contexto originalmente violento (apesar da época não fazer distinções como hoje). Redobra-se o valor do autor, que reconta para a garotada e a turminha não se limita a dizer se gostou ou não. Dá também os porquês.
As fábulas em boa parte retratam cenário de opressão do forte sobre o fraco, onde a esperteza (ou sabedoria ou informação) é a maneira de se livrar disso.
A que mais gosto é a do "Velho, o menino e a mulinha". Uma graça, cheia de ironia com o relativismo e indefinições de posicionamento na vida. "A morte e o lenhador" também é paidégua ! Gosto também de "O cão e o lobo" e de... Ah, de várias!

É, mas as de maior impacto no livro são as que exacerbam a injustiça, tipo "O Lobo e o Cordeiro", "O julgamento da ovelha" e "Liga das nações". Essa e outras vão em um contexto de retrato político, que Lobato faz a turminha se deparar, refletir e se manifestar.

Curiosidades banais a parte: faltou aquela fábula do gato que ensinou a onça a saltar menos "o pulo do gato" (que foi lembrada pela Emília), O Elias turco é mencionado como pai de uma menina (não recordo se isso foi explorado em outros livros ou seriado) e "Os animais e a peste" (a fábula de onde veio o Burro Falante - o Conselheiro).
Belo livro! No final podemos comprovar mais um ponto: algo já feito não esgota a possibilidade de explorações diferentes e legais.

Valeu, Lobato!


História do mundo para crianças (1933)
Belíssima obra! Extraordinária pelas informações e detalhamentos em um passeio curioso  pela história da humanidade, contada em serões de Dona Benta com a turminha. O autor fala de civilizações, personagens significativas na história, arte, ciência, política, modernidade, filosofia, religião e outros aspectos. Aquela dinâmica conhecida se repete, da turminha interagir com as informações em opinião, reflexão e paralelos na visão da atualidade.
Foi publicada em 1933, mas certamente foi retocada pelo autor, que descreve fatos ocorridos na década seguinte, como a Segunda Guerra Mundial e a explosão da bomba atômica em Hiroshima.
Tem tanta coisa interessante, no sentido de fomentar discussões, que teria despertado incômodo ao Estado Novo e igreja. Dona Benta fala contra opressão do povo, Lobato em certo momento dá a entender ser simpatizante do antigo regime monárquico e a turminha discute sobre pontos relacionados à religiosidade, como as Cruzadas, a Inquisição, a ruptura no Cristianismo, massacres entre católicos e protestantes, além da valorização das teorias evolucionistas de Darwin.
A valorização é para a História como é contada nos livros didáticos e afins. Importante ressaltar, pois a história muitas vezes é mutável com novas aprendizagens, e algumas coisas se estabeleceram estrategicamente por induções e manobras interesseiras. O princípio valorizado parte da total aceitação dos fatos outrora registrados, desdobrando-os para reflexões.
Outra coisa importante é que o autor novamente trouxe para a perspectiva dos picapaus algo já estabelecido no contexto de época. É o caso do livro Child's History of the World (História do mundo para crianças), publicado em 1924 pelo professor americano V. M. Hillyer, que rapidamente se tornou importante obra da literatura infantil. Lobato não omite e cita o livro no início - quando Dona Benta o recebeu pelo correio, ficou instigada e resolveu dividir esse saber com a garotada. Ah, mas garanto que tem muito marmanjo que vai se surpreender também com essa valorosa publicação.
Claro que tem o toque pessoal no olhar abrasileirado e, partindo ou não do autor, gostei dos sutis momentos de valorização a saberes em sua etimologia ou correlação com momento histórico. Como a origem de palavras como estoicismo, quando falou da Grécia antiga, ou protestante, no contexto que gerou essa denominação para os reformadores na igreja.
A parte do Darwinismo (que não creio) é o pontapé inicial das histórias de Dona Benta e daí vamos avançando em diversos momentos da história da humanidade. Egito, Grécia, Israel, Mesopotâmia, Roma, Idade Média, Navegações, e só estou citando alguns.
Outra coisa que despertou atenção. Em resenhas anteriores lamentei a ausência e viajei em como seriam incursões de Lobato pela literatura bíblica. E não é que esse livro tem! Específicas em pelo menos dois capítulos (sobre a história dos Judeus conforme o Antigo Testamento e sobre Jesus nos Evangelhos). Provavelmente Lobato apenas reproduziu a obra de Hillyer, mas são suas as impressões na turminha, principalmente na reflexão sobre a história da cristandade. Senti o autor desiludido por conta do comportamento humano, sendo esse aspecto o que o direcionou em sua visão sobre Deus. Oh! Olhemos para Jesus, se quisermos realmente encontrar Deus. Olhemos para Jesus e sua mensagem, porque o testemunho dos homens muitas vezes só tende a incentivar cegueira e desânimos por conta de ações contrárias a fé professada.
Os relatos bíblicos estão um tanto borocoxôs. O autor descreve contentando-se e dando atenção só para o elemento humano. A presença de Deus em suas ações não é valorizada. Só uma vez aparece a palavra Senhor. Bem se vê percepções e conclusões marcantes a partir da centralização do homem como norteador de vida. Olhemos para Jesus Cristo!
Falando em reações, os picapaus demonstram revoltas com as injustiças e empolgam-se com descobertas e aprendizagens, mas passei a ter outra imagem sobre Narizinho. Emília, Pedrinho e Visconde parecem ver as coisas no que gostariam de vivenciar (pelo prazer da aventura, vontade de corrigir algo devido visão incômoda, desejo de testemunhar algo, tudo num plano com egocentrismo, sem ser ruim). Mas com Narizinho a coisa é diferente. A menina parece demonstrar percepção mais humanista, de ver as coisas num plano onde se insere e sofre com a injustiça por ter um olhar mais abrangente, de valorização do outro e não essencialmente de sua vontade. O livro sugestiona isso. Será que estou conseguindo explicar o que sinto... Vale a tentativa. Em vários momentos a menina tem quase um desmaio de revolta, passa mal e Dona Benta tem que interromper a história para seu restabelecimento diante do impacto que sofrera. Aconteceu com as narrativas sobre o Nero em suas perversidades, na descoberta da mitologia dos Fenícios (sobre o deus Moloque e Asterate, que recebiam sacrifícios de crianças, citados também na Bíblia), a escravidão, Joana D'Arc e outros momentos. É dela que partem sempre as observações mais interessantes ao lado de Dona Benta.
Na parte da escravidão Lobato manifesta seu repúdio, referenciando como um cancro na história humana.
Vou deixar em registro também o capítulo "A era dos milagres", apenas por ter a primeira parte rotineiramente reproduzida em livros escolares, pelo menos no meu tempo de estudante.
O Lobato era adepto do comunismo? Não sei, mas tem capítulo em que parece criar uma expectativa com a Revolução Russa. O texto fala de dar tempo para ver resultados, se positivos ou não (Ora! Comunismo só oprimiu, roubou, torturou e matou, em todas as experiências mundo afora).
Enfim, uma viagem sensacional.  

sábado, 6 de janeiro de 2018

Incoerência Humana - Naufrágio do Novo Amapá (Francisco Hermes Colares, 2002)

"Desculpe-me, leitor amigo
o que agora vou relatar
é um fato muito chocante
que eu preferia não lembrar
mas decidi descrever
para melhor registrar.

O ano de oitenta passou
e dele ficamos a reclamar
oitenta e um entrou alegre
somente para nos enganar
e em apenas seis dias
nos fazer a todos chorar."
(Versos iniciais do cordel)


Título: Incoerência Humana - Naufrágio do Novo Amapá
Autor: Francisco Hermes Colares
Editora: Gráfica Amapaense
Páginas: 36
Ano: 2002
Gênero: Literatura de Cordel

Histórico cordel publicado em 2002, para leitura e reflexão do valor da vida acima de qualquer interesse. Cada verso exprime tristeza dilacerante, escritos por Francisco Hermes Colares, que acompanhou de perto o desenrolar dos fatos, apresentando exatidão e emotividade na narrativa.
Vemos as expectativas dos viajantes, a superlotação com descaso das autoridades competentes, o drama daquela fatídica noite em 06 de janeiro de 1981, o sofrimento e morte das infelizes almas, as expectativas de notícias no porto de Santana, a mobilização de resgate, o funesto enterro na cova coletiva no cemitério santanense, as homenagens e a dor de todos pela maior tragédia ocorrida nos rios amapaenses.
Para quem não conhece a história, o Novo Amapá naufragou por conta de excesso de passageiros e cargas, quando viajava de Santana (AP) para a Vila de Monte Dourado (PA) através do rio Jari. Mais de 300 pessoas morreram na embarcação preparada para receber cerca de 150 passageiros. Estima-se que estavam a bordo mais de 600 pessoas...
Era uma tragédia anunciada. Viajei nesse barco pouco antes do desastre. Na ocasião, estava superlotado, com o casco quase todo afundado, tendo pavimento de passageiros rente ao nível da água (e ainda lembro de carros na parte de cima da embarcação). Prenúncios de uma tragédia! Que se confirmou pouco depois, marcando para sempre a história da navegação da Amazônia e deixando famílias enlutadas e com uma dor sem medidas em várias cidades. Testemunhei choro e comoção em Monte Dourado, onde me encontrava na ocasião. Muitos, em um mecanismo de defesa, até negavam, diante de informações imprecisas.
O fato foi também decisivo para o fim do Projeto Jari na direção do magnata americano Daniel Ludwig (que passava por insucessos em projetos e enfrentando propagandas negativas encabeçadas pelo governo militar). A maioria dos passageiros era de trabalhadores da Jari.
Uma curiosidade funesta para o ano de 1981 é que em 19/08 naufragou também o Sobral Santos, que fazia linha entre Santarém e Manaus, com um número de vítimas semelhante a tragédia do Novo Amapá.

A obra pode ser consultada 
na Biblioteca Ambiental da SEMA em Macapá.

Veja também: 
- Morte nas águas: A Tragédia do Cajari (1981 - Livro) 
- Novo Amapá: A maior tragédia fluvial da Amazônia

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Coleção Sítio do Picapau Amarelo - Monteiro Lobato 5

O Picapau Amarelo (1939)
Sabe aquele filme do Shrek, em que personagens das fábulas invadem o pântano a convite do Burro? É o que acontece neste livro do Lobato, quando o Polegar leva essa turma para morar no Sítio. Ah, pelo menos pediu autorização para Dona Benta. Oba! Aleatoriamente acabei acertando algo! O livro se passa depois do Poço do Visconde, minha última leitura, quando enricaram com o petróleo e aproveitaram para comprar terras nas cercanias do Sítio. Esse foi o primeiro destaque, que teve a sagacidade da Emília para comprar a terra dos vizinhos. Depois vemos uma série de aventuras na interação dos picapaus com personagens das fábulas (curiosas, inusitadas e divertidas). Ah, e tem também personagens da mitologia grega e literatura universal. Gostei e cito: as maluquices do Dom Quixote (que via ações do famigerado mago Fresnom supostamente transfigurado em criaturas como o pobre do Quindim); a narrativa de Belerofonte sobre o embate com a Quimera; a turma do Sítio enfrentando os terríveis piratas liderados pelo Capitão Gancho; e a gulodice do Sancho Pança (pau a pau com a do Rabicó). Lobato novamente valorizou as fábulas e mitologia em apresentação para tenros leitores, naquela dinâmica de conhecer e brincar com as descobertas. Para o autor não basta expor, é interessante também uma brincadeira interativa.   
Tem coisa que não curti e vou registrar. No início da obra há uma abordagem sobre mitos e ficção onde o autor subentende o ateísmo. É só uma observação de minha parte, que me ajuda a pontuar o que conheço sobre o autor. Referenciando algo mais do livro:
- Capitão Gancho perde o famigerado Hiena do Mares para a turminha, que o reforma como o Beija-Flor das Ondas
- Tia Nastácia apaixonada... Ah, não se explicou pelo que ou por quem, evidenciando-se a paixão como um sentimento de êxtase. O fato resultou de artimanha da Emília com flechas do Cupido.
- O casamento de Branca de Neve com o Príncipe Codadade e uma nova visitação de crianças no Sítio, ávidas por conhecer os picapaus.

Termina com um mistério, o desaparecimento de Tia Nastácia, assunto para o próximo livro: O Minotauro.  
Essa é a essência da obra, passando a percepção de descobertas com interação curiosa e divertida no mundo da leitura.

O Minotauro (1939)
Conheci essa obra através do antológico Sítio do Picapau Amarelo versão anos 70. A percepção era de uma história de terror, assustadora para a garotada em cada aparição do monstro que, mesmo com uma figura super tosca, dava medo por conta do suspense potencializado nas perseguições no famoso labirinto, imagens obscuras e trilha sonora cabulosa. Curioso que na versão do segundo milênio, que também acompanhei, a história não teve o mesmo impacto.
Comparativamente ao livro, há algumas diferenças e a principal é o foco. No seriado o Minotauro era o principal personagem no desenrolar da história, e no livro o destaque maior é a Grécia, em uma viagem de descobertas e curiosidades.
Os picapaus (designação que o Lobato dava para a turma do Sítio) embarcam no Beija-Flor das Ondas (o navio confiscado e reformado do Capitão Gancho) para resgatar Tia Nastácia, que fora raptada na festa de casamento do Príncipe Codadade com Branca de Neve, quando houve a invasão de monstros das fábulas em episódio descrito no livro anterior (O Picapau Amarelo).
Quem gosta dessa obra certamente manifesta algum interesse na visão da Grécia antiga, porque a maior parte são aspectos históricos e mitológicos.
A parte específica sobre o Minotauro, para quem tem a imagem construída pelo seriado, desaponta um pouco. Além de rápida, não enfatiza a questão do terror. É bem assim: será que conto? nããããão! leia o livro.
Particularmente, gostei mais da parte histórica expressa no encontro com personagens famosos como Péricles, Fídias, Sócrates e Sófocles (respectivamente, destacados como estadista, escultor, filósofo e dramaturgo). Esse desenrolar tem o protagonismo de Dona Benta, que dá show em curiosidades para o leitor.
Há algumas questões interessantes que também vão aparecendo, evidenciando a cultura grega ter influenciado o desenvolvimento da modernidade. 
Olha que sensacional! Em certo momento de diálogo com Péricles (famoso pela liderança e oratória) o estadista fala de liberdade e esta ser uma das coisas de maior valorização entre os gregos. A sagaz velhinha observa então que o conceito de liberdade expressa na vontade do povo muitas vezes resulta da capacidade de manipulação de seus líderes. O que seria sua vontade, pode ser a consequência daquilo a que está sugestionada, reproduzindo, no final das contas, o interesse dos líderes (dito isso para o convincente orador Péricles e coincidentemente publicado no ano em que certos líderes insuflaram o povo para a famigerada segunda guerra).
A carismática vó embala o conceito de liberdade, chamando também a atenção para o sistema de escravidão que existia entre os gregos, desmistificando o que eles atribuíam como sociedade perfeita. Havia escravidão em paralelo a nobres ideais.
E por aí vão os encontros, com direito a momentos um tanto hilários, na admiração dos antigos pelos milagres de nossa modernidade, como uma simples caixa de fósforos (quando existia uma lenda hiper dramática de como o fogo chegou aos homens).
Há reflexões sobre a profundidade do conhecimento, sobre a valorização das artes, sobre o progresso aflorar em aspectos miraculosos e em paralelo, às vezes, ocorrer a degeneração de certas coisas (o uso).
Enfim, gostei e me diverti bastante com esse momento. Ah, e tem certas curiosidades desconhecidas. Por exemplo, não sabia que Péricles tinha uma anomalia na cabeça, que fazia com que fosse alongada e por isso suas reproduções (pintura e escultura) o mostravam sempre com um elmo. Pesquisa aí no Google Imagens se duvidar.
A parte da mitologia é protagonizada pelo Pedrinho em interação aventureira. O destaque vai para história sobre Hércules, mas Lobato dá só um gostinho, pois as façanhas são abordadas em outra obra. Não gostei muito do momento e preferia que o protagonismo fosse encabeçado pela Emília em suas mirabolantes curiosidades e posicionamentos. Seria mais legal!
Estranhei o Lobato não ter dado destaque para Visconde, que quase não gastou seu conhecimento. Ficou na sombra de Dona Benta. Melhor assim, porque a velhinha é mais sagaz, discutindo situações, e o Visconde manobrável demais. Pergunta para a Emília se não...
Olha o que Lobato trazia em reflexão para as crianças!

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Coleção Sítio do Picapau Amarelo - Monteiro Lobato 4

Peter Pan (1930) 
O desenrolar é subsequente ao Reinações de Narizinho, em um contexto em que o Gato Félix menciona o Peter Pan, instigando Dona Benta a contar suas aventuras para a turminha. Basicamente, é a clássica história com intervenções da turminha, entre um comentário irônico de Emília, admiração de Pedrinho e Narizinho, entendimento de algum aspecto com ajuda do Visconde e um choque cultural nas descobertas de Tia Nastácia.
Ao longo da coleção percebemos que os primeiros livros são os que apresentam mais aspectos criticados pelos comentários considerados racistas. Sendo esse um dos primeiros, há citações nesse sentido, ditas por Emília e até por Dona Benta. 
A modernidade faz com que os tons arcaicos do livro fiquem super explícitos, destoando como algo que não é legal. Tipo assim, vemos uma apresentação super bacana da Emília e de repente um comentário dela pra lá de mau gosto (coisas do contexto de época).
Enfim, passa a mensagem da infância como uma efêmera fase de encantos e descobertas, realçando nostalgia disso ao final.

Dom Quixote das Crianças (1936)
O livro é muito legal em uma bela apresentação do Quixote para a turminha. Dona Benta conta em resumo, apresentando o Cavaleiro da Triste Figura em suas mirabolantes aventuras. Foram citadas passagens como: a recuperação do famoso Elmo de Mambrino (a bacia do barbeiro), a intervenção do herói contra os exércitos que se enfrentavam no campo de batalha (rebanhos de ovelha), o governo de Sancho Pança (inusitadamente carismático e aclamado por sábias decisões) e o duelo com o Cavaleiro da Lua (artimanha dos parentes e amigos do Quixote para provocar o regresso ao lar). Textos que tem drama e humor peculiar entre razão e emoção.
Minha maior atenção foi para a percepção da turminha. Pedrinho e Narizinho acompanham a história com dó do herói, enquanto Emília vê algo inspirador que a mobiliza na valorização de seus sonhos, ainda que malucos. E ela fica maluca mesmo, mais que o normal, tendo que ser contida até recuperar o juízo (que aconteceu no choque de realidade expresso em um pequeno acidente, onde viu sua fragilidade ante os arroubos emotivos da empolgação em paralelo ao descuido). No final das contas, rendeu uma aprendizagem legal: a inspiração para viver sonhos, mas de maneira prudente.
Olha que interessante! A valorização dos sonhos fez com que Emília fosse a única a não querer saber do final da história, a morte do Quixote, pois dizia ser imortal. Isso é o que marcou o livro em minha leitura e que guardo em lembrança.
Outras curiosidades para o universo que tento entender do Sítio, é que o Visconde tem mais uma morte, logo no início, ao ser esmagado pelo livro que caiu da estante em cima dele. Justamente o Quixote, a quem a Emília queria conhecer e acidentalmente deixou cair no sabugo. Seria uma mensagem do Lobato? No mínimo, ainda que não planejada, é como se fosse a emoção suplantando a razão - pela representativade do livro e Visconde, desejo e descuido. Uma quixotada!
Ah, vou atrás desse Monteiro Lobato em quadrinhos... Sei que tem e acredito que continuará trazendo mais curtição na leitura. 

O poço do Visconde (1937)
Acredito que seja o livro mais politizado de Lobato na coleção do Sítio. O autor expressa seu projeto de desenvolvimento do país propondo a extração do petróleo.
A história desperta a consciência para esse patrimônio natural e tem cunho didático, onde se explica a origem e peculiaridades do produto, a forma de extração, os benefícios econômicos associados à exploração, a importância da industrialização e necessidade de melhorias na infraestrutura (portos, rodovias, ferrovias). Lobato não é um simples entusiasta ou sonhador e procurou racionalizar sua visão com informações científicas e do contexto da economia mundial, destacando o projeto como uma possibilidade viável e transformadora.
Percebemos a dimensão do livro quando vemos o momento em que foi publicado. As palavras e disposições entusiastas na história eram reais na luta pioneira de Lobato na extração de petróleo no Brasil. Porém, enquanto que no livro havia a adesão e investimento, na mobilização de Lobato surgiam muitos empecilhos para que levasse avante o projeto, sendo até preso no governo de Getúlio Vargas.
A visão de modernidade e industrialização proposta era algo que enfrentava resistência por parte do governo sujeito à influência submissa à outras nações. Prevaleciam velhos conceitos, ligados a um modo de produção secular, onde se destacava a política café com leite, pouco interessada na abertura de concorrências ou que descentralizasse o capital em múltiplos empreendimentos de desenvolvimento na infraestrutura.
Interessante que em paralelo ao nosso conservadorismo econômico, outras nações fortaleciam suas economias investindo nas indústrias e infraestrutura associada, não incentivando essas coisas em nosso governo.
A parte que mais gostei foi o capítulo IV (Petróleo! Petróleo!), o ápice da visão de Lobato sobre o projeto, em um texto empolgante de incentivo e adesão ao progresso proposto.
Em linhas gerais, é assim:  o Sítio idealiza o país, Pedrinho e Narizinho representam pequenos empresários lidando com velhos e calejados homens de negócio (se destacando em suas ações), Visconde é a ciência que apoia o progresso (apontando novos caminhos), Emília representa a sociedade que adere ao ideal proposto e Tia Nastácia prefigura o povo simples que é impactado e beneficiado pela economia forte.
Lobato ilustrou também o conservadorismo na disposição turrona de um fazendeiro chamado Chico Pirambóia (resistente à importância dos bancos, no que acabou se dando mal, devido velhos conceitos) e no compadre Teodorico (foi à falência aplicando o capital em projetos por conta própria, sem um aval científico, em outras palavras, caiu em conto do vigário).
Há locais em que se instalaram indústrias petrolíferas que fracassaram (a fazenda do Chico Pirambóia) e isso é tratado como uma possibilidade, mas que não é um quadro comum diante do potencial existente.
Outra coisa que achei interessante, na ideia do Sítio representar o país, é que a história dá um salto para a década de 1950, onde as projeções de Lobato se confirmavam. Vemos o antigo arraial de Tucano como uma cidade grande e desenvolvida, com os picapaus bem sucedidos como empresários.
A história encerra com discursos efusivos de algumas personagens, diante do sucesso. Visconde exalta a Ciência, Pedrinho e Narizinho a avó (uma empreendedora), Tia Nastácia o amor por Dona Benta e pelo Sítio (o apoio ao empreendedorismo), Quindim a liberdade que recebera e Emília propõe um desfile de Triunfo de Dona Benta, referente a um costume na antiga Roma. Certamente, naquela visão ilustrativa de um país, o nosso país, é a perspectiva de progresso e melhoria de vida ao povo.
É um livro utópico, mas que tem algo importante para o progresso isso tem: a visão de economia fortalecida na indústria e no desenvolvimento da infraestrutura.
Grande Lobato! Grande livro! Grande leitura!