As postagens desse blog são em caráter informal, de apego ao saber popular, com seu entusiasmo, exageros, ingenuidade, acertos e erros.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Os Cabras de Lampião (Manoel D’Almeida Filho)

Os Cabras de Lampião é o clássico cordel de Manoel D’Almeida Filho. Foi um trabalho preparado pelo mestre poeta (nascido em Alagoa Grande-PB, em 1914) com muita pesquisa, muita delicadeza poética, muita lucidez. 

Título: Os cabras de Lampião
Autor: Manoel D’Almeida Filho
Editora: Prelúdio / Luzeiro
Ano: 1966
Páginas: 48

Fui surpreendido pelo cordel. Não o conhecia e, em primeiro momento de buscas referenciais, encontrei informações que o classificavam como a epopeia dos sertões. Mais que isso, como uma obra-prima de reconhecimento internacional. Para alguns literatos, entre as principais narrativas do século XX. 
Conhecia o Pavão Misterioso como o mais famoso cordel do país, mas este aqui, embora não seja tão conhecido quanto o outro, em representatividade supera além da conta. O diferencial é que narra a história de Lampião com riqueza de detalhes. A descrição, no geral, é histórica, com versos elegantes e simples, de leitura muito instigante. Há também a parte mítica, expressa principalmente na morte de Lampião. A descrição parece ter sido a inspiração para uma famosa minissérie na TV na década de 1980.
Outro diferencial é que os cordéis não costumam ser longos e este tem mais de 500 estrofes, organizadas na edição que li em 48 páginas divididas em duas colunas. Em todas, um passeio sensacional pela realidade do cangaço, vendo-se a violência e rusticidade do cenário cotidiano, a motivação ao banditismo, o espírito aguerrido dos homens e descrição de fatos históricos (como o encontro com a Coluna Prestes e a derrocada em Mossoró), além de particularidades de alguns cangaceiros do bando (Zé Baiano, Corisco, Jararaca e Zabelê) e outras curiosidades que de fato dão uma conotação muito preciosa à obra.
Foi publicado na década de 1960, com o vigor dos relatos ainda vivos em muitas testemunhas dos fatos contados.
Só não gostei do título, que não passa a ideia imediata de ser uma biografia diferenciada de Lampião. 
Obra para ser redescoberta no meio literário. Sem dúvidas, o melhor cordel que já li.


Disponível para leituras em

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

A Bicicleta (Júlio Victor dos Santos Moura)

Mais uma das criações literárias de Júlio Victor dos Santos Moura (membro da Academia Paraense de Letras e das Academias de Letras Jurídicas do Pará e do Amapá), desta feita, no gênero novela, levando ao leitor uma história de enredo linear direcionado a um desfecho surpreendente, que a expectativa da leitura não pode imaginar, tendo como cenário a vida encerrada no cotidiano do povo paraense.
Título: A Bicicleta
Autor: Júlio Victor dos Santos Moura
Editora: Estação das Letras
Ano: 2017
Páginas: 96



Registro no SKOOB
Vidas que se entrelaçam na cidade das mangueiras, em narrativa de Natal direcionada a mensagem sobre escolhas e influências. Uma novela paraense, de poucas páginas e com diferencial curioso: a vida é a narradora. Já vi antagonismo disso em badalado romance, mas nesta singela obra, diante de dramas reconhecíveis na realidade, a vida se encarrega de provocar o leitor na percepção de sua transitoriedade e desdobramentos impactantes diante de más escolhas.
Em linhas gerais, conhecemos Dona Cotinha, uma lavadeira sofrida com as desilusões e dificuldades vivenciadas, e seu filho Diquinho, adolescente prestes a completar 15 anos, esperançoso que enfim se realize o tenro sonho de ganhar uma bicicleta no Natal. Entram em cena também Seu Oliveira com a esposa Dona Candinha (casal de aposentados, vizinhos da lavadeira, comovidos em realizar o sonho do garoto no Natal que se aproxima); Orozimbo e Cacimbaba (espertalhões seduzidos por ambições no lucro de vida fácil) e Zé Bedel (adolescente amigo de Diquinho, há muito tempo seduzido também por ambições de ganho desonesto).
Não há preciosismo em detalhamentos e a narrativa é linear, acompanhando crescentes transformações no adolescente, despertadas por visão de mundo ilusória em influências de amigos que, no final das contas, não são tão amigos assim. Essas coisas vão sendo contadas pela vida, em história que parte de melancolia ingênua para um drama trágico, de desapego ao bom senso em caminhos de sedução ilusória.
Está claro uma mensagem de ética cristã em ilustração de histórias que vivem se repetindo, apesar dos avisos que a vida, de diferentes maneiras, vai nos acenando.

É uma obra interessante e emocionante, provocativa a reflexão e de leitura fácil e construtiva.

"Sou eu, a vida. Você se esqueceu de mim? Sou eu, a vida,
 cheia de lutas e de desacertos. Às vezes com muita tristeza. E é preciso pagar pedágio para passar pelos meus caminhos repletos de ônus."

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Meninas da Noite (Gilberto Dimenstein, 1992)

"Durante seis meses, Gilberto Dimenstein investigou a rota do tráfico de meninas na Amazônia, viajando pelo submundo da prostituição infantil. O resultado é um livro que dá a sensação de estar diante de um filme de suspense policial. Cada passo da investigação e relatado com detalhes, mostrando como foi possível encontrar traficantes e um cativeiro de meninas-escravas protegidos pela selva amazônica. Uma reportagem investigativa com repercussão dentro e fora do Brasil." Descrição no livro


Título: Meninas da Noite - A Prostituição de Meninas-Escravas no Brasil 
Autor: Gilberto Dimenstein
Editora: Ática
Ano: 2000 (16ª edição)
Páginas: 165
Tema: Sociologia, Prostituição Infantil, Amazônia

A obra é de 1992, mas a realidade apresentada, apesar dos anos que se passaram, é algo que persiste na sociedade.
Contextualizando, o livro traz uma reportagem investigativa sobre a prostituição infantil na Amazônia, passando por várias cidades no Norte, Nordeste e Centro-Oeste em um período de seis meses, com a metodologia de encontrar as adolescentes dando voz ao que vivenciavam. A abordagem não se prende a referenciais teóricos em sociologia, os relatos das meninas são provocativos a essa percepção nas causas e consequências.
Entre as causas, evidenciam-se fatores como a desestruturação familiar (violência, ausência dos pais, conflitos gerados pelo alcoolismo, conivência com a corrupção no lar); o abandono do poder público em garantir direitos essenciais (como a educação e proteção) e a falta de oportunidades em um cenário de carências diversas, suscetível a ação de aliciadores.
Nas consequências, a constatação de uma realidade que escraviza e destrói (física e emocionalmente), predispondo desdobramentos para o tráfico de mulheres, drogas, violência, gravidez precoce, abortos, doenças e mortes.
Os relatos chocam, falando de venda de crianças pelos pais, leilões de virgindade e impunidades diversas, envolvendo também elementos da esfera governamental.
O que me pareceu mais melancólico foi a visão de mundo forçada nas meninas, que muitas vezes resumem nesse meio a única forma de sobrevivência.
Há coisas deprimentes sobre exploração e o objetivo do livro é instigar a transformação do impacto, na sociedade e autoridades, em ações contra essa realidade.
O livro tem acervo fotográfico, com imagens que falam por si mesmas ao contrastar a inocência da infância com a perversidade do mundo da prostituição.
Registro também uma observação que chamou minha atenção, sobre a Amazônia ser conhecida internacionalmente em movimentação contra a sua devastação, mas ser pouco conhecida quanto a vidas devastadas que nela habitam,
Do ponto de vista sociológico, é uma obra importante de ser difundida e conhecida. O conhecimento expresso é ainda realidade presente e não se restringe ao cenário de cá.
O que não me pareceu coerente (aspecto que não concordei) é que o autor, no ponto de vista histórico, baseou algumas conclusões em considerações pejorativas, irreais com a verdadeira identidade dos fatos. Não por ser amapaense, pois reconheço a realidade descrita, mas fazer redução do antigo Beiradão (hoje Laranjal do Jari) como cidade criada para fornecer mulheres para o Projeto Jari é desconhecer e ignorar a história e chega a ser até mesmo um tanto irresponsável. É como dizer que as favelas foram criadas para o tráfico e que todo brasileiro é malandro (em face da visão pejorativa no exterior). Não se trata de bairrismo, pois a mesma observação em relação a realidade dos fatos também aplico a Rondônia, que teve sua economia e desenvolvimento associados, em sua maior parte, ao tráfico de drogas no registro do autor. Não é o aspecto principal do livro, mas achei importante expressar no que quero guardar em percepções sobre a obra.
Leitura importante, principalmente pelo tema ainda ser presente, seja na Amazônia, seja no país como um todo: a prostituição infantil.


Se você quiser consultar e ter seu parecer, concordando ou não com o que referenciei, o livro está disponível para consultas (para a galera em Macapá) na Biblioteca Ambiental da SEMA-AP.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

O Amapá d'Outrora (Elfredo Távora Gonsalves, 2015)

"A história dos primeiros anos de Amapá Território ainda não foi contada ou escrita completamente. Obviamente não poderia fazê-lo a contento, porque não sou historiador. Todavia, propus-me a citar os fatos vividos por mim nestes longos anos de vida no Território (maio de 1943 a 2012). A maioria são impressões que mais ficaram na memória; os demais, alguns problemas ligados às imensas riquezas do Amapá, ainda não explorados devidamente e, além disso, um esclarecimento sobre a verdade do contrato do manganês. Procuro alinhar algumas das muitas riquezas que o Amapá possui e que o público sabe que existem, mas não tem consciência de seu valor intrínseco. O cidadão comum precisa inteirar-se das suas potencialidades, para que se possa pressionar os seus representantes a lutar por medidas necessárias à exploração racional desse patrimônio que, a meu ver, continua esquecido ou ignorado." ELFREDO TÁVORA GONSALVES
Informações gerais:
Título: O Amapá d'Outrora
Autor: Elfredo Távora Gonsalves
Editora: Tarso
Ano: 2015
Páginas: 176
Tema: Memórias, História do Amapá, ICOMI

Registro no Skoob: 
Excepcional livro de Elfredo Távora, jornalista e pioneiro no Território Federal do Amapá, publicado em 2015, ano de seu falecimento. Um relato de amor a terra, valorizando a história (interessante em sua percepção como pioneiro), riquezas e, principalmente, reflexões em conceitos que se estabeleceram sobre o desenvolvimento amapaense.
O primeiro momento é de ênfase às riquezas, se estendendo em diferentes recursos naturais. Potencialidades correlacionadas à ocupação e exploração da terra, em história revisitada desde os tempos coloniais.
A descrição é didática e prática, abordando a importância científica e o contexto de exploração no Amapá.
O autor tem visão muito interessante. Bauxita, cassiterita, ouro, ferro, caulim (você sabe onde é explorado e quem lucra com isso?), produtos madeireiros, entre outros aspectos, são apresentados com direcionamento ao Amapá. Dessa forma, a leitura gera conclusões que desmistificam muitos conceitos (como a visão recorrente sobre a ICOMI), reveladoras também sobre figuras históricas (como Janary Nunes e sua disposição facilitadora à ações contratuais que acabaram sendo prejudiciais ao Amapá).
O paralelo entre o desenvolvimento do Amapá e ação da ICOMI é o aspecto mais interessante do livro. Elfredo Távora chama atenção para importante discussão, onde quem ganha é o povo amapaense, desmistificando visão de que a empresa foi extremamente benevolente e responsável pelo desenvolvimento do estado.
Existe a visão emotiva, nostálgica de quem fez parte, vivenciou e assim de alguma maneira foi beneficiado pelo empreendimento (rotineiramente prestigio algo nesse sentido). Mas tem também a visão de análise da representatividade da empresa para o estado, para o povo amapaense, analisando-se de forma prática essa relação. É a esse segundo aspecto que Elfredo chama a atenção no livro.
Além da percepção como pioneiro desde 1943, ter trabalhado no Território, desenvolvido história jornalística, vivenciando ou conhecendo muitas personagens e fatos, o autor privilegiou também duas fontes de consultas: Quem explorou quem no contrato de manganês (Álvaro da Cunha, 1962) e O Amapá nos tempos do manganês (Drummond e Mariângela, 2007).
Em linhas gerais, o autor reacende a discussão fomentada por Álvaro da Cunha já nos primórdios da ICOMI no Amapá, sobre o acordo que beneficiava mais a empresa do que o Território. Entre outras coisas, esse contrato foi feito em sigilo e pressa, com ditames que na prática geraram isenção de muitos impostos, permitiram ação fechada da empresa sem intervenções governamentais, onde se beneficiou do governo para seus interesses, não apresentando relatórios de balanços financeiros. O autor chama as vilas de guetos sociais, onde a realidade fora desse contexto gerou bolsões de pobreza na periferia, devido a idealização de um Eldorado. A estrutura das vilas, super destacadas da realidade amapaense, foram sobretudo uma iniciativa privada para atender os interesses de produtividade, não uma benevolência. Na prática, além de gueto social, como se referiu o autor, também pareciam sociedade distópica por conta do monitoramento e controle acirrados em vários sentidos.
Essas considerações, não enfatizadas no livro de Drummond e Mariângela, são as principais questões do autor em contraposição. O desenvolvimento amapaense está relacionado à suas potencialidades, onde a ICOMI teve facilitações para explorar, gerando muita injustiça no que se estabeleceu comercialmente para o Amapá e, no imaginário, se tornou uma empresa benevolente que teria sido responsável pelo desenvolvimento. Elfredo enfatiza esses aspectos, que não podem se ausentar ou dissociar no estudo sobre a ICOMI.
As questões são trabalhadas com muita propriedade e a leitura é imprescindível para estudiosos da história amapaense.
No final, tece algumas considerações sobre a Amazônia, destacando outras manobras externas que também espoliaram riquezas (como o roubo das sementes da seringueira no século XIX por inglês, que acabou com o áureo ciclo da borracha).
O único aspecto que não achei interessante, foi a breve consideração sobre o coronelismo. Espoliaram e usufruíram da terra também, com ditames arbitrários em interesses individualistas, como José Júlio de Andrade na Jari. 
Leitura envolvente e instigante.

Em Macapá, o livro pode ser consultado na Biblioteca Pública Elcy Lacerda (Sala da Literatura Amapaense) e Biblioteca SEMA-AP. 

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

BRUMASA, Avanço Industrial da Amazônia (ICOMI)

"Em 1968, foi instalada em Santana a empresa Bruynzeel Madeira S.A. - BRUMASA. Tal empreendimento, originado de um acordo entre a ICOMI e um grupo de empresários holandeses, teve como atividade principal a fabricação de compensados a partir dos recursos florestais locais, como também a exploração da virola (Virola surinamensis). Com esses investimentos, em 1970 o setor extrativismo vegetal correspondeu a 32,4% do valor de produção da economia amapaense.
A BRUMASA foi a segunda empresa, depois da ICOMI, a ter uma participação fundamental no comércio exterior do Amapá no período de 1973 a 1982, chegando a posicionar-se como a 11ª empresa de laminados no ranking nacional, em 1977. Foi desativada em 1988 devido ao esgotamento da virola no Amapá e suas instalações foram integradas às da fábrica de cavacos da Amapá Celulose S.A. (AMCEL)."
Texto de Jadson Luís Rebelo Porto, extraído do livro Amapá: Principais Transformações Econômicas e Institucionais (1943-2000).

A obra a seguir foi publicada pela ICOMI. A data não foi identificada, mas remete à época de instalação da BRUMASA, constituindo-se, em termos gerais, em breve apresentação.