As postagens desse blog são em caráter informal, de apego ao saber popular, com seu entusiasmo, exageros, ingenuidade, acertos e erros.

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Coleção Sítio do Picapau Amarelo - Monteiro Lobato 2

Histórias Diversas (1947) - Registro no Skoob em 06/05/2017
Bela obra! Infelizmente a derradeira na coleção do Sítio do Picapau Amarelo (falo como fã) com coletânea de histórias curtas que exemplificam bem a proposta do Lobato, da seguinte maneira: o livro tem 14 narrativas, evidenciando momentos em que o autor traz personagens famosos do imaginário infantil para interação com as crianças, inserindo estas no mundo de diversão e aprendizagens na literatura, ciência, história, folclore, aspectos em evidência na época, natureza, mitologia grega, modernidade, entre outras coisas para serem descobertas na empolgante leitura. Tem um pouco disso tudo, destacando-se, em minha visão, uma narrativa cabal no paralelo que fazem entre Lobato e o racismo. Sobre isso acredito apenas em equívocos de contexto que poderia ser melhor trabalhado.
Me diverti bastante e vão aí alguns registros:
- As botas de setes léguas - Pequeno Polegar percebe que o problema que tinha não era tão grande assim. Vou até escrever a última frase: "Incrível que haja no mundo quem se aperte por tão pouco..." (frase de Emília, a Marquesa de Rabicó).
- A Rainha Mabe - Aquele momento de instigar a criançada na literatura e mitologia clássica. Dona Benta fala um tiquinho de A Tempestade (Shakespeare, meu filho) e pega um gancho em Romeu e Julieta para falar sobre a Rainha Mabe (uma fada relacionada à realização de sonhos - não sei mais que isso e toma-te Shakespeare de novo na inspiração da narrativa).
- A violeta orgulhosa - O texto mais curioso. Essa história, teoricamente relacionada ao orgulho vão, nas entrelinhas é um manifesto contra o racismo. Avalie aí... Uma flor branca nasceu em um canteiro de roxas, é chamada de Ariana e passa a menosprezar as outras julgando-se superior e melhor. No desdobramento leva uma senhora lição do Visconde e Emília, que tem argumentos que levantam a autoestima das flores menosprezadas e acabam com as pretensões de visão superior da Ariana.
Pensei em fazer ratificação à uma colocação científica do Visconde nesse conto (rapaz, do Visconde!), mas não vale a pena diante da mensagem maior do texto.
- A segunda jaca - Valoriza o folclore, trazendo a sacizada de volta para as aventuras. E ainda tem uma presepada que ocorre com a Emília (a mesma que ocorrera em outro momento com o Visconde). Acho que o Lobato quis quebrar um pouco a pose de boçalidade dela.
- A reinação atômica - É também curiosa e reflete ecos da bomba atômica, a essa altura conhecida pelo mundo em suas famigeradas detonações. Emília faz uma rápida visita a um local de testes, em segredo, e começa a ficar careca, o que fez o Visconde direcionar para radiação. Acho que era o contexto de medos e especulações no mundo, e o Lobato não deixou de mostrar isso para as crianças, que de um jeito ou outro tomavam conhecimento. O que se explicitou foi o terror que causavam, a ponto de coisas apavorantes (como árvores retorcidas). A história também tem uma cena muito bonita entre a Tia Nastácia e a Emília (não esqueçamos que foi o último livro sobre o Sítio).
Essas são algumas histórias e as outras tem também aspectos curiosos: Pedrinho cogita da Emília ser uma Fada; Lobato deixa uma história incompleta (O Centaurinho) que parece introdução para futuras aventuras; um paralelo entre sagacidade e ingenuidade diante de histórias espetaculosas (ocorrida entre Dona Benta e Tia Nastácia); personagens da cultura americana em projeção (Pato Donald e Mickey); fantasia; teatro, etc e tal.
Ah, tem uma coisa que preciso entender. A Emília é citada como ex-boneca. Eita! Em algum momento ela humanizou, tipo o Pinóquio. Será que dá para descobrir onde, na coleção...
O último Sítio do Pica Pau Amarelo... Ô dó! Não sabia (ou lembrava) quando escolhi para leitura.
Cada vez que leio só aumenta meu gosto por essa coleção. Lobato marcou muito e fico invocado quando, naquela pergunta de citar autor nacional, o povão muitas vezes (não estou generalizando e nem desmerecendo) vai no modismo de rasgar a seda para Machado, Alencar, Jorge Amado, Graciliano, mas às vezes não conhece seus livros intimamente, enquanto sabe muita coisa do Sítio e foram impactadas na infância por ele, sendo instigadas em interessantes histórias ou impulsionadas para a leitura. Aí o Lobato, que não é muito citado por polêmicas da atualidade, quando é, vem alguém e o resume ao racismo. Ah, vai se lascar! O que vemos em sua obra? O que revela?


A Chave do Tamanho (1942) - Registro no Skoob em 26/05/2017

Grandiosa obra de Lobato, publicada em período recente após bombardeio em Londres na Segunda Guerra Mundial. O fato foi citado no início, impactando e inspirando a Emília na busca de uma solução para a guerra, gerando essa aventura que metaforicamente tenta mostrar a origem dos conflitos. Porquês que certamente são primeiros e essenciais passos para se buscar o apaziguamento.
Há aprendizagens que se fazem notar (ou se dá importância) apenas pela experimentação. Por isso Lobato sujeitou a humanidade, indistintamente, à percepção de sua pequenez e fragilidade, de maneira literal e conclusiva para a necessidade de união e acordos para sobrevivência. Essa é a mensagem principal de A chave do tamanho e na falta dessa sensibilidade encaminham-se as guerras.
O livro é espetacularmente surreal, com várias possibilidades de interpretação. Emília é como Alice em um País de Maravilhas (ou terror - ambas possibilidades por conta do inusitado), é Robson Crusoé em um mundo de adaptações para garantir a sobrevivência, é Gulliver na terra dos gigantes, é a humanidade consciente de sua fragilidade, atenta para a busca de união e acordos para a manutenção da vida.
A história tem aventura, suspense, terror, filosofia, política e humor em diferentes momentos (à critério de avaliação do leitor). As partes que mais chamaram a atenção foram o entusiasmo e encanto com a natureza no início (ilustrado pelo idílico pôr-do-sol de trombetas - ô Lobato, que escolha sua na vida, pois manifestou-se aqui o Salmo 19); a visão turrona e cega do major e família na aproximação do "Manchinha" (episódio assustador, crítico à percepções de  conservadorismo); a revolta contra o Homo sapiens, quem mais atrapalhava a existência dos bichos (leia-se a natureza ou a vida); a visitação à Alemanha e Japão, onde Emília encontra o Grande Ditador e o Imperador, apesar de não revelar nomes (nos dois momentos há divagações sobre a pequenez e mesquinhez da ambição humana); o encontro com o coronel Teodorico (momento hilário); o repúdio ao fogo, mostrado como grande destruidor (parece uma alusão às bombas, pois Emília fala de explosões e chamas destrutivas em Londres), Essa última referência é muito interessante, com um diálogo onde a boneca vê o fogo em uso pessimista e certo cientista mostra benefícios para a humanidade (nas entrelinhas, questionamento sobre direcionamentos em impactantes invenções). E o livro tem também uma discussão sobre a nova ordem mundial gerada pela aventura, onde tudo se decidiria democraticamente (todos precisam de ajuda mútua para a sobrevivência).
Legal! Uma leitura instigante, curiosa e genial para diferentes leitores. Se fizessem um filme seria sensacional.
Nos registros para a cronologia do Sítio, relata a morte do Tio Barnabé e, brincando com a fantasia criada por Lobato, por quê Emília foi afetada pela chave do tamanho, já que era boneca e só a humanidade seria afetada? A-há! É uma das últimas obras do Sítio e na última o autor diz que ela havia se tornado gente.
Leitura altamente prazerosa, ilustrando também o porquê da Marquesa de Rabicó ser uma das mais carismáticas personagens da Literatura Brasileira.

História das invenções (1935) - Registro no Skoob em 29/06/2017
Uma das obras no ápice da proposta educativa de Lobato na idealização do Sítio, publicada em 1935. Em linhas gerais, é um livro de história esmiuçando informações curiosas, reveladoras e instigantes para jovens leitores.
Mentes tacanhas podem dizer que Lobato foi oportunista, mas os fatos apontam um educador atualizado com as novidades de momento ao adaptar um livro recém lançado e de destaque no cenário mundial para o universo do Sítio do Picapau Amarelo. O livro em questão é "História das Invenções - O homem, o fazedor de milagres", do historiador Hendrik Van Loon, até hoje valorizado para estudos. Curiosidade à parte, vasculhando um pouco a net, percebi que esse autor explorou temas sobre as artes, história, educação e também investigação bíblica (aspecto que Lobato praticamente descartou).
Encontramos elementos reconhecíveis em outras obras da série, com valores do presente em paralelo com aprendizagens no passado, além de perspectivas futuristas. Tudo com criticidade em sacadas sutis. Repetitivo dizer, mas o autor era muito antenado com seu presente e procurava difundir as informações.
O conhecimento desenrola-se na prosa encabeçada por Dona Benta, que traduz o livro de Hendrik. O predisponente foi os chuvosos dias no mês de fevereiro, que levaram a garotada a buscar novas aventuras, descobertas nas narrativas da Vó, em suas elucubrações (estou estreando essa palavra em meu vocabulário, que aprendi outro dia ouvindo um orador que admiro, e se não sabes vai aprender também).
Espaço para nostalgia... Vivi a época de visitações de vendedores de livros nas casas, quando traziam malas recheadas de obras que impactavam. Eram como Marco Polo contando novidades para seus ouvintes, se preferirem pode ser também uma Sherazarde, e acho que o embevecimento provocado, que também sentia, devia ser o que Pedrinho e companhia experimentava com as histórias da Dona Benta (opa! mais uma palavra que aprendi com o mesmo orador, percebestes qual?).
Ponto em comum nas histórias sobre as invenções é que a simpática velhinha destaca a necessidade em paralelo com a criatividade. Norteadores do progresso.
O que achei legal mesmo, foram as inferências (ca-ham!) de Lobato no desenrolar de alguns fatos. Olha! Mais uma vez ele mostra seu lado visionário e projeta nova guerra, quando fala do desenvolvimento das armas para fins bélicos e a crise de momento. Era o uso da lógica. Outro momento de criticidade é quando mostra o medo como desencadeante de mecanismos de proteção em aparatos inventivos.
O texto mais interessante foi o capítulo VII (Últimas mãozadas) que tem criticidade fantástica. Entre outras coisas, Dona Benta fala de eras glaciais como motivação ao progresso humano na busca de sobrevivência (algo positivo nascido da catástrofe em mecanismos de desenvolvimento), o que não se observa com a catástrofe da guerra (motivacional ao desenvolvimento de coisas terríveis na história humana). O capítulo é muito interessante. Só lendo...
Enfim, gostei, me diverti e embalei pensamentos. Chamo a atenção que requer leitura pausada. Foi assim comigo, acostumado a ler o Sítio, às vezes, em um dia. Agora tive que ir em marcha lenta ou o encanto que poderíamos encontrar se transformaria em algo chato. Não sei se expressei bem a ideia nesse ponto, mas é um livro de alimento mais sólido, para degustação tranquila. Pode crer!
 

E tem mais...