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terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Viagem pelo Amazonas, 1735-1745 (Charles-Marie de La Condamine, 1759)

Legal! Encontrei na Biblioteca SEMA-AP essa obra, em duas edições, com  extraordinária expedição na Amazônia do século XVIII.
Relata, à Academia de Ciências da França, a expedição iniciada em meados de 1743 em Jaén de Bracamoros e finalizada em Belém do Pará em meados de 1744, para o levantamento da carta de curso do Rio Amazonas. Objetiva mais instruir do que divertir dando ênfase aos aspectos da geografia, da astronomia e da física. 

Viagem pelo Amazonas, 1735-1745 (Charles-Marie de La Condamine) 
Edição: Nova Fronteira/EDUSP - 1992
Nos primeiros contatos com os europeus, a Amazônia foi palco de expedições extraordinárias. Inicialmente com desbravadores e missionários, que deixaram relatos fantasiosos ou imprecisos, entusiastas a um mundo de mistérios e instigantes descobertas. Baseando-se neles, no segundo momento vieram aventureiros no encalço de lendas e conquistas como o Eldorado ou a tribo das guerreiras amazonas.
Esse livro tem o registro de um terceiro momento, representado por expedição científica, pioneira entre 1735 e 1745. O autor foi o francês Charles-Marie de La Condamine, naturalista e um dos líderes dessa expedição, que teve aval da Academia Científica de Paris. Interessante que em paralelo, houve outra rumo à Lapônia para medições geodésicas sobre o formato achatado da Terra nos polos. Ambas tinham em comum a confirmação dessa teoria, ainda não comprovada, com comparativos de medições nos polos e próximo ao equador (nem me arrisco a dizer mais que isso, pois esse é um assunto que não entendo em seus pareceres técnicos).
Passagem pela Amazônia
A expedição de La Condamine durou dez anos, entre a partida e retorno para a Europa, e contou com diversos estudiosos (naturalistas, geólogos e matemáticos). O registro é voltado principalmente para o período na Amazônia, que se estabeleceu entre 1743 e 1745. 
No trajeto, desceram o rio Amazonas desde o Peru, chegaram à foz no Atlântico, contornaram a costa amapaense, passaram pelas Guianas e retornaram à Europa. 
Os anos anteriores apresentaram a passagem por Martinica, transposição para o Oceano Pacífico através da América Central e entrada no continente sul-americano pelo Equador, onde começou a expedição do relato (1743).
O livro traz também um relato sobre levante no Peru, em 1739, em que ocorreram desavenças. Isso se estendeu também no retorno à Europa, onde houve disputas pelo direito das informações. Não me aprofundei nisso e apenas deixo o registro.
O formato é de um grande relato sem tópicos ou capítulos, em estilo que já observei em outros livros antigos. Isso tende a ser chato e, se não fosse a vontade de vislumbrar a Amazônia em parecer de outros tempos, não me empolgava com a leitura em texto pouco didático (comparativamente aos padrões atuais). 
Uma crítica à edição da Nova Fronteira/EDUSP: não curti a opção de não deixar os tópicos do sumário em destaque na parte do livro onde são citados (seria um cabeçalho).
A parte inicial é dominada por especificações técnicas, geodésicas, coisa e tal e o texto, na minha leitura, foi ficando interessante da metade em diante, com descrições da região, da fauna, flora e populações nativas. Curioso que, mesmo sendo uma expedição científica, havia expectativas de encontrar coisas extraordinárias relacionadas às lendas (Eldorado e amazonas guerreiras). Bom, não podemos dizer que não encontraram coisas extraordinárias também...
Imagina adentrar aquela floresta grandiosa, em um rio já considerado o maior do mundo, com seres até então nunca descritos na Ciência, em suas caracterizações distintas e únicas. Af! O povo de fora fica embasbacado até hoje, imagina para aqueles gringos de outros tempos.
Há relatos de locais de difícil acesso, onde tiveram que enfrentar corredeiras ou andar pelas florestas. Desta maneira foram descobrindo centenas de aspectos novos. Senti entusiasmo dos naturalistas nas descrições da anta, do poraquê, dos morcegos vampiros, dos jacarés (citados como feras que atacavam as canoas), das sucuris, dos macacos, dos quatis, das aves, entre outros. 
A flora foi também contemplada e estudada. Esses cabras devem ter sido os primeiros biopiratas nessas bandas, levando sementes da seringueira para a Ásia. Vemos descrições da borracha, do óleo de copaíba e do uso do quino em enfermidades. 
Os expedicionários teceram pareceres também sobre as populações indígenas encontradas, obviamente dominados pela visão antropológica europeia. Relataram que eram glutões, preguiçosos e tiveram pena das mulheres, descritas com conotação de escravas.
Olha que legal! Passaram por minha cidade (Macapá) com rápidas descrições, pois era só um entreposto, e conheceram o local onde seria construída uma nova fortaleza (hoje, orgulho amapaense, bem aqui em nossa orla). 
Costeando o Amapá, citaram a ilha de Maracá e conheceram a foz do Araguari, onde dedicaram interessantes observações para a lendária pororoca (se a passagem fosse hoje, não veriam mas nada - acabaram com a pororoca do Araguari, devido o impacto de três hidrelétricas e outras ações danosas ao meio ambiente). Citaram doenças tropicais (alguns morreram na expedição) e a obra, por essas e outras, teve impacto para o conhecimento científico da época.
Finalizando, curti o empolgante mergulho no passado de minha região. Ainda hoje grandiosa em revelações, apesar de alterações ocorrendo a passos assustadoramente rápidos e destrutivos. Ah, lamentei que o livro não trouxesse o grafismo registrado na expedição, coisa de praxe. Só mostrou dois mapas (do trajeto completo e específico da passagem pela Amazônia).

Viagem na América Meridional (Charles-Marie de La Condamine) 
Edição: Senado Federal - 2000
Relato da expedição científica do naturalista francês La Condamine, no século XVIII. A primeira a descer o rio Amazonas, do Peru à foz, fazendo parte de um projeto da Academia Científica de Paris, que buscava medições da Terra em comprovação do formato achatado nos polos, ainda não comprovado cientificamente. A expedição se estendeu entre 1735 a 1745, contando os anos a partir de 1743 como específicos à navegação no rio Amazonas (o relato valorizado nesse livro).
Li na edição da EDUSP, de 1992, por ter sido a primeira que me foi oportunizada. Ambas tem o relato na íntegra, com diferentes tradutores, mas a principal diferenciação está na organização metodológica. A EDUSP apresenta o relato sem interrupções, de forma inteiriça, com possíveis tópicos mostrados apenas no sumário. Já nessa edição, o texto foi divido em capítulos e sub-tópicos, em uma caracterização mais interessante para a leitura e visão geral. Gostei dessa dinamização, pois a leitura torna-se muito mais interessante e favorável ao entendimento. O leitor vai avançando no relato sempre alertado para o que vai encontrar, o que permite redobrar a atenção. Convenhamos que é bem melhor! Na primeira obra tive que voltar constantemente ao sumário e isso tendia a ser desanimador e pouco instigante.
Outra diferença é o acréscimo de anexos na edição do Senado, que se direcionam para dois assuntos: o levante ocorrido no Equador em 1739 e breve relato de Godin de Odenais sobre a expedição de sua esposa.
Visão geral da expedição de La Condamine
No primeiro aspecto, o fato está nas duas edições, mas a segunda desenvolve mais o ocorrido com outros textos. Em linhas gerais, um médico da expedição foi assassinado em Cuenca no Equador e houve uma incitação do povo contra os expedicionários. A história teve relações com o envolvimento do médico com uma mulher e, apesar dos acréscimos, não é uma parte interessante. Os textos adicionais são perfeitamente dispensáveis, como fez a EDUSP. Essencialmente mostram depoimentos no julgamento. Chatos!
Já o anexo mostrado como carta de Godin de Odonais à La Condamine (em 1773) é interessantíssimo e exclusivo à essa edição. Na carta, o tal Godin relata o ocorrido à sua esposa, que após alguns anos da expedição de La Condamine resolveu trilhá-la também. Porém, com total insucesso. Mas também, olha só... Enquanto La Condamine era cercado por especialistas em sua comitiva, a esposa de Godin parece que foi mais no entusiasmo, cercando-se de parentes e perigos não calculados. Não deu outra. Perderam suprimentos, alguns índios que a acompanhavam como guias e ajudantes deram no pé, naufragaram em uma balsa e, do total de quase 50 pessoas (contando com irmão e filho), só ela sobreviveu na mata, onde perambulou perdida por vários dias. O relato é burocrático, pois o autor privilegia mais as ações desenvolvidas por ele que a história da mulher em si. Ele nem cita seu nome. O que!? 
Imagens ilustrativas encontradas na internet
Ora, rapaz! Diante de tão fantástica história pesquisei um pouco mais. Na internet encontramos relatos mais detalhados. Isabel Godin de Odonais (registro no Wikipedia) foi quase à loucura, permanecendo nos primeiros dias próxima aos corpos até se aventurar na mata, perdida e exaurida, onde foi resgatada por índios que a levaram para uma missão. De lá, conseguiu chegar à foz do Amazonas, onde enfim reencontrou o esposo depois de um tempo longo (anos). Gostaria de conhecer melhor essa história... Será que tem algum livro? Merece e deve ter sim. O relato de Godin, apesar de instigar, é muito pobre em informações para os mais ávidos. Péssimo contador de histórias...
Finalizando, a edição do Senado traz também um índice. Ninguém lê, nem é para isso, mas quando você precisa faz uma diferença fundamental, principalmente em textos longos, multifacetados e sem muitas divisões metodológicas.

É isso. As duas edições estão no acervo da Biblioteca da SEMA em Macapá. Uh, sumano! Foi mais uma leitura das antigas muito paidégua, que você pode conferir também!