As postagens desse blog são em caráter informal, de apego ao saber popular, com seu entusiasmo, exageros, ingenuidade, acertos e erros.

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Casa de Leitura Aracy Mont' Alverne no Museu Sacaca


O Museu Sacaca, localizado na cidade de Macapá, é um espaço de histórias vivas que promove ações museológicas de pesquisa, preservação e comunicação do nosso patrimônio cultural.
A exposição a céu aberto foi construída com a participação de comunidades indígenas, ribeirinhas, extrativistas e produtoras de farinha, mostrando em cada ambientação o seu modo de vida e costumes, valorizando seus conhecimentos tradicionais.
Em suas atividades busca valorizar o saber popular e relacioná-lo com o saber científico, aproximando a sociedade das pesquisas realizadas pelo Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA).

Casa de Leitura Aracy Mont'Alverne
Muita gente não sabe, mas o museu conta também com uma sala de leitura, destinada a pesquisas nas áreas de museologia, arte e cultura, etnologia, botânica e outros assuntos correlacionados à produção científica do IEPA. 

É a Casa de Leitura Aracy Mont'Alverne. Lugar aprazível e de singular beleza, que homenageia a professora paraense que trabalhou como uma das educadoras pioneiras no Território Federal do Amapá. Veja mais informações em:

Além do acervo de livros (pequeno, mas valoroso), o local disponibiliza pesquisas on-line, tem fotos na área de museologia e também um banco de informações digitais.

Olha que legal! No banco de informações encontrei 03 livros raríssimos do Sacaca. Logicamente, na área de medicina caseira. São eles:
- Receituário de Ervas Medicinais (1987)
- As Ervas na Medicina Caseira  (1992)
- A Cura pelas Plantas Medicinais da Região Amazônica (1997) 

Vale um registro que Raimundo dos Santos Souza (o Sacaca) é tema de várias pesquisas e documentos que podem ser encontrados na sala em diferentes formatos, como trabalhos acadêmicos, fotos e recortes de jornais.
- A importância de Raimundo dos Santos Souza, O Sacaca, no Conhecimento das Plantas Medicinais no Município de Macapá - 1970-1999 (Iranilde dos Santos Sarmento - FAMA, 2006)
- Raríssima foto do Sacaca jovem (acervo da família)
- Recorte de Jornal
Outro tema de pesquisas é Waldemiro de Oliveira Gomes, cientista que tem um cantinho especial (memorial) com pertences pessoais e biografia. Conheça um pouco mais sobre ele também em:
porta-retrato-ap.blogspot.com.br

A Casa de Leitura Aracy Mont'Alverne, no Museu Sacaca, é mais um importante centro de pesquisas no Amapá, funcionando de terça a sexta-feira, no horário das 9h às 13h.

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Viagem pelo Amazonas, 1735-1745 (Charles-Marie de La Condamine, 1759)

Legal! Encontrei na Biblioteca SEMA-AP essa obra, em duas edições, com  extraordinária expedição na Amazônia do século XVIII.
Relata, à Academia de Ciências da França, a expedição iniciada em meados de 1743 em Jaén de Bracamoros e finalizada em Belém do Pará em meados de 1744, para o levantamento da carta de curso do Rio Amazonas. Objetiva mais instruir do que divertir dando ênfase aos aspectos da geografia, da astronomia e da física. 

Viagem pelo Amazonas, 1735-1745 (Charles-Marie de La Condamine) 
Edição: Nova Fronteira/EDUSP - 1992
Nos primeiros contatos com os europeus, a Amazônia foi palco de expedições extraordinárias. Inicialmente com desbravadores e missionários, que deixaram relatos fantasiosos ou imprecisos, entusiastas a um mundo de mistérios e instigantes descobertas. Baseando-se neles, no segundo momento vieram aventureiros no encalço de lendas e conquistas como o Eldorado ou a tribo das guerreiras amazonas.
Esse livro tem o registro de um terceiro momento, representado por expedição científica, pioneira entre 1735 e 1745. O autor foi o francês Charles-Marie de La Condamine, naturalista e um dos líderes dessa expedição, que teve aval da Academia Científica de Paris. Interessante que em paralelo, houve outra rumo à Lapônia para medições geodésicas sobre o formato achatado da Terra nos polos. Ambas tinham em comum a confirmação dessa teoria, ainda não comprovada, com comparativos de medições nos polos e próximo ao equador (nem me arrisco a dizer mais que isso, pois esse é um assunto que não entendo em seus pareceres técnicos).
Passagem pela Amazônia
A expedição de La Condamine durou dez anos, entre a partida e retorno para a Europa, e contou com diversos estudiosos (naturalistas, geólogos e matemáticos). O registro é voltado principalmente para o período na Amazônia, que se estabeleceu entre 1743 e 1745. 
No trajeto, desceram o rio Amazonas desde o Peru, chegaram à foz no Atlântico, contornaram a costa amapaense, passaram pelas Guianas e retornaram à Europa. 
Os anos anteriores apresentaram a passagem por Martinica, transposição para o Oceano Pacífico através da América Central e entrada no continente sul-americano pelo Equador, onde começou a expedição do relato (1743).
O livro traz também um relato sobre levante no Peru, em 1739, em que ocorreram desavenças. Isso se estendeu também no retorno à Europa, onde houve disputas pelo direito das informações. Não me aprofundei nisso e apenas deixo o registro.
O formato é de um grande relato sem tópicos ou capítulos, em estilo que já observei em outros livros antigos. Isso tende a ser chato e, se não fosse a vontade de vislumbrar a Amazônia em parecer de outros tempos, não me empolgava com a leitura em texto pouco didático (comparativamente aos padrões atuais). 
Uma crítica à edição da Nova Fronteira/EDUSP: não curti a opção de não deixar os tópicos do sumário em destaque na parte do livro onde são citados (seria um cabeçalho).
A parte inicial é dominada por especificações técnicas, geodésicas, coisa e tal e o texto, na minha leitura, foi ficando interessante da metade em diante, com descrições da região, da fauna, flora e populações nativas. Curioso que, mesmo sendo uma expedição científica, havia expectativas de encontrar coisas extraordinárias relacionadas às lendas (Eldorado e amazonas guerreiras). Bom, não podemos dizer que não encontraram coisas extraordinárias também...
Imagina adentrar aquela floresta grandiosa, em um rio já considerado o maior do mundo, com seres até então nunca descritos na Ciência, em suas caracterizações distintas e únicas. Af! O povo de fora fica embasbacado até hoje, imagina para aqueles gringos de outros tempos.
Há relatos de locais de difícil acesso, onde tiveram que enfrentar corredeiras ou andar pelas florestas. Desta maneira foram descobrindo centenas de aspectos novos. Senti entusiasmo dos naturalistas nas descrições da anta, do poraquê, dos morcegos vampiros, dos jacarés (citados como feras que atacavam as canoas), das sucuris, dos macacos, dos quatis, das aves, entre outros. 
A flora foi também contemplada e estudada. Esses cabras devem ter sido os primeiros biopiratas nessas bandas, levando sementes da seringueira para a Ásia. Vemos descrições da borracha, do óleo de copaíba e do uso do quino em enfermidades. 
Os expedicionários teceram pareceres também sobre as populações indígenas encontradas, obviamente dominados pela visão antropológica europeia. Relataram que eram glutões, preguiçosos e tiveram pena das mulheres, descritas com conotação de escravas.
Olha que legal! Passaram por minha cidade (Macapá) com rápidas descrições, pois era só um entreposto, e conheceram o local onde seria construída uma nova fortaleza (hoje, orgulho amapaense, bem aqui em nossa orla). 
Costeando o Amapá, citaram a ilha de Maracá e conheceram a foz do Araguari, onde dedicaram interessantes observações para a lendária pororoca (se a passagem fosse hoje, não veriam mas nada - acabaram com a pororoca do Araguari, devido o impacto de três hidrelétricas e outras ações danosas ao meio ambiente). Citaram doenças tropicais (alguns morreram na expedição) e a obra, por essas e outras, teve impacto para o conhecimento científico da época.
Finalizando, curti o empolgante mergulho no passado de minha região. Ainda hoje grandiosa em revelações, apesar de alterações ocorrendo a passos assustadoramente rápidos e destrutivos. Ah, lamentei que o livro não trouxesse o grafismo registrado na expedição, coisa de praxe. Só mostrou dois mapas (do trajeto completo e específico da passagem pela Amazônia).

Viagem na América Meridional (Charles-Marie de La Condamine) 
Edição: Senado Federal - 2000
Relato da expedição científica do naturalista francês La Condamine, no século XVIII. A primeira a descer o rio Amazonas, do Peru à foz, fazendo parte de um projeto da Academia Científica de Paris, que buscava medições da Terra em comprovação do formato achatado nos polos, ainda não comprovado cientificamente. A expedição se estendeu entre 1735 a 1745, contando os anos a partir de 1743 como específicos à navegação no rio Amazonas (o relato valorizado nesse livro).
Li na edição da EDUSP, de 1992, por ter sido a primeira que me foi oportunizada. Ambas tem o relato na íntegra, com diferentes tradutores, mas a principal diferenciação está na organização metodológica. A EDUSP apresenta o relato sem interrupções, de forma inteiriça, com possíveis tópicos mostrados apenas no sumário. Já nessa edição, o texto foi divido em capítulos e sub-tópicos, em uma caracterização mais interessante para a leitura e visão geral. Gostei dessa dinamização, pois a leitura torna-se muito mais interessante e favorável ao entendimento. O leitor vai avançando no relato sempre alertado para o que vai encontrar, o que permite redobrar a atenção. Convenhamos que é bem melhor! Na primeira obra tive que voltar constantemente ao sumário e isso tendia a ser desanimador e pouco instigante.
Outra diferença é o acréscimo de anexos na edição do Senado, que se direcionam para dois assuntos: o levante ocorrido no Equador em 1739 e breve relato de Godin de Odenais sobre a expedição de sua esposa.
Visão geral da expedição de La Condamine
No primeiro aspecto, o fato está nas duas edições, mas a segunda desenvolve mais o ocorrido com outros textos. Em linhas gerais, um médico da expedição foi assassinado em Cuenca no Equador e houve uma incitação do povo contra os expedicionários. A história teve relações com o envolvimento do médico com uma mulher e, apesar dos acréscimos, não é uma parte interessante. Os textos adicionais são perfeitamente dispensáveis, como fez a EDUSP. Essencialmente mostram depoimentos no julgamento. Chatos!
Já o anexo mostrado como carta de Godin de Odonais à La Condamine (em 1773) é interessantíssimo e exclusivo à essa edição. Na carta, o tal Godin relata o ocorrido à sua esposa, que após alguns anos da expedição de La Condamine resolveu trilhá-la também. Porém, com total insucesso. Mas também, olha só... Enquanto La Condamine era cercado por especialistas em sua comitiva, a esposa de Godin parece que foi mais no entusiasmo, cercando-se de parentes e perigos não calculados. Não deu outra. Perderam suprimentos, alguns índios que a acompanhavam como guias e ajudantes deram no pé, naufragaram em uma balsa e, do total de quase 50 pessoas (contando com irmão e filho), só ela sobreviveu na mata, onde perambulou perdida por vários dias. O relato é burocrático, pois o autor privilegia mais as ações desenvolvidas por ele que a história da mulher em si. Ele nem cita seu nome. O que!? 
Imagens ilustrativas encontradas na internet
Ora, rapaz! Diante de tão fantástica história pesquisei um pouco mais. Na internet encontramos relatos mais detalhados. Isabel Godin de Odonais (registro no Wikipedia) foi quase à loucura, permanecendo nos primeiros dias próxima aos corpos até se aventurar na mata, perdida e exaurida, onde foi resgatada por índios que a levaram para uma missão. De lá, conseguiu chegar à foz do Amazonas, onde enfim reencontrou o esposo depois de um tempo longo (anos). Gostaria de conhecer melhor essa história... Será que tem algum livro? Merece e deve ter sim. O relato de Godin, apesar de instigar, é muito pobre em informações para os mais ávidos. Péssimo contador de histórias...
Finalizando, a edição do Senado traz também um índice. Ninguém lê, nem é para isso, mas quando você precisa faz uma diferença fundamental, principalmente em textos longos, multifacetados e sem muitas divisões metodológicas.

É isso. As duas edições estão no acervo da Biblioteca da SEMA em Macapá. Uh, sumano! Foi mais uma leitura das antigas muito paidégua, que você pode conferir também!

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Otoniel Alves de Alencar - O Apóstolo da Amazônia (Oton Alencar, 2017)

Está em suas mãos uma das principais obras da literatura evangélica recente, a biografia de Otoniel Alves de Alencar, eminente pastor expoente da Assembleia de Deus no Brasil.
A história de vida do Pastor Otoniel Alencar, hoje considerado O Apóstolo da Amazônia, é uma verdadeira saga de cunho universal, eternizada por meio dessa obra, de autoria do filho Pastor Oton Alencar.
Ainda menino, indagava os pais sobre a origem da Terra e do Universo. Aos quinze anos, ainda adolescente, converteu-se ao protestantismo e logo se tornou fervoroso evangelista a semear a palavra de salvação.
Bem, a partir daí você vai ler e saber de toda essa história.
 
BESALIEL RODRIGUES

INFORMAÇÕES DO LIVRO
Título: Otoniel Alves de Alencar - O Apóstolo da Amazônia
Autor: Oton Miranda de Alencar
Editora: Gráfica JC
Ano: 2017
Páginas: 196


O ano de 2017 é diferenciado para os evangélicos no Amapá. Além dos 500 anos da Reforma Protestante, celebramos também o centenário da chegada dos evangélicos em nosso estado, representados em primeiro momento pela Igreja Evangélica Assembleia de Deus, e o centenário do pastor Otoniel Alves de Alencar, que com méritos ficou conhecido entre os assembleianos como O Apóstolo da Amazônia.
Esse livro foi um dos marcos no cronograma de festejos, apresentando a biografia de Otoniel Alencar, resgatada pelo pastor Oton Alencar, filho e atual presidente da Assembleia de Deus A Pioneira.
Literatura preciosa, ressaltando vários aspectos do cenário histórico da Amazônia e Amapá no século 20. Esse contexto foi uma das coisas que mais gostei, onde vemos uma trajetória de empenho, lutas, superação e abnegação em histórias edificantes para a cristandade, revelando detalhes curiosos e emocionantes, que se fundem com a consolidação da Igreja Assembleia de Deus no Amapá.
Merecem destaque na leitura: o início do pastorado no Maranhão, o estabelecimento em Cruzeiro do Sul, no Acre, e a chegada em Macapá no ano de 1962, quando a igreja local tinha apenas o templo sede e uma congregação, expandindo por todo o estado nos 32 anos de ministério do pastor Otoniel.
O pastor passou por vários estados e no Norte foi o único a ser presidente da Assembleia de Deus em três capitais (Boa Vista, Manaus e Macapá).
Interessantes também os contrastes que percebemos na igreja, vendo-se caracterizações no início, como a necessidade dos pastores receberem o batismo pentecostal (razão do pastor Otoniel ser efetivado no pastorado dez anos após a conversão, mesmo trabalhando com afinco na obra - certamente um período de preparação para as experiências que passou em seu ministério).
Leitura imprescindível para quem deseja descobrir boas e edificantes histórias no viver cristão. Fantásticas e emocionantes pela disposição ao IDE de Jesus.
O único ponto que não gostei foi a ausência de uma linha temporal. Pastor Oton tem um texto bonito, elegante e instigante, de agradável leitura, pontuando muito bem os relatos. Mas a datação fica um pouco dispersa, não ficando tão evidente para o leitor. Penso que a linha temporal valorizaria mais o livro.
A obra traz também acervo fotográfico e testemunhos dos filhos.
 
Página 193, exemplificando o acervo fotográfico do livro.

Veja um trecho (resumido) para percepção de cada capítulo, 
na apresentação do autor:


Alguns fatos aqui contados foram narrados por ele próprio, outros eu vivi com ele quando passei me entender por gente. Outros episódios foram narrados pelos seus irmãos.
No Capítulo I, vou buscar nos escaninhos da minha mente as primeiras lembranças na convivência com o meu pai. O foco é Cruzeiro do Sul, cidade perdida no interior do Acre, lugar onde lampejou as primeiras reminiscências do meu existir. Foram 4 anos de provas e aprendizagens nos quais o pastor Otoniel foi testado no cadinho das provas que se habilitam os chamados para Deus.
No Capítulo II, mergulho na busca dos seus ancestrais.
No Capítulo III, abordo o seu nascimento e infância. 
No Capítulo IV, falo da sua iniciação religiosa. Falo da sua conversão aos 15 anos e sua devoção para com as coisas de Deus. 
No Capítulo V, discorro sobre o seu casamento e a sua vida nômade. 
Já no Capítulo VI discorro sobre as igrejas abertas e a perseguição religiosa. Talvez esse capítulo entre os outros seja o mais comovente.
No Capítulo VII narro a sua saída do meio da parentela, tal qual Abraão, atende o chamado de Deus e vai evangelizar o norte e nordeste brasileiro. Foi o primeiro e único pastor a pastorear 3 capitais do norte do Brasil. Por isso o título lhe cabe bem - O Apóstolo da Amazônia.
No Capítulo VIII, descrevo sua vida em Cruzeiro do Sul. Ao ler esse capítulo, o leitor vai descobrir que o pastor Otoniel viveu verdadeiras epopeias. É um capítulo para ler e reler.
Depois vem o Capítulo IX. O pastor Otoniel vai pastorear a aprazível cidade de Parnaíba - a Princesa do Mar (seguindo-se outras histórias).
Já o Capítulo X vem com o tema: Macapá - A outra metade do seu ministério. Como esse período é muito longo, eu divido por décadas.
Capítulo XI, falo dos fatos ocorridos na década de 60.
No Capítulo XII, falo da década de 70.
Já no Capítulo XIII, uni as décadas de 80 e 90.
O epílogo é composto por depoimentos dos 9 filhos sobre o pastor Otoniel. Depoimentos eivados de um misto de verdade e emoção.


Emocionante, interessante e edificante! 
Olha, até rimou! 

domingo, 12 de novembro de 2017

O controle social exercido pela ICOMI como estratégia de usos e ação sobre o território no Amapá, de 1960 à 1975 (Elke Daniela Rocha Nunes)

As abordagens e conceitos sobre a ICOMI, em um contexto popular, ressaltam sua importância com saudosismo e ênfase ao desenvolvimento promovido, geralmente resultantes de experiências vivenciadas nos áureos tempos da Empresa.
O direcionamento nesse livro está na valorização da investigação histórica, onde se evidenciam aspectos não tão conhecidos e que, de certa forma, surpreendem e propõem visão diferenciada.
A autora, ELKE DANIELA ROCHA NUNES, professora da UNIFAP, aborda a ICOMI na perspectiva do capitalismo que a movimentou e levou a criação de estratégias para manter o domínio na região. Um governo fechado em paralelo ao governo territorial, que apresentou uma série de influências sobre o meio social em mecanismos de controle para sua ação.

O primeiro aspecto abordado foi o resgate da história da região serrana, desvinculando da ideologia de que era um lugar abandonado, citando-se cultura extrativista, de subsistência e garimpagem presentes. Atividades que gradativamente se restabelecem, ainda que timidamente, após a saída da ICOMI, em uma história que fora obliterada.
Segundo a publicação, uma das estratégias de propaganda da Empresa foi de construir uma imagem de abandono e desocupação da região, com necessidade de sua instalação em condições irrestritas para promoção do progresso e benefícios. Nesse ponto, o Amapá é citado como mais benevolente com a Empresa do que o contrário, no ganho que teve. Chama a atenção a argumentação de que o minério explorado, de qualidade excepcional no cenário mundial, que fora escape e fortalecimento aos EUA na Guerra Fria, deveria ser equiparado em valor semelhante ao do petróleo. O que redundou para o território ficou em torno de 4% do que representava no mercado mundial.
A questão da construção das vilas operárias (Serra do Navio e Amazonas) e todo o complexo da ICOMI, na caracterização de sociedades fechadas meticulosamente controladas, é abordada no contexto da ideologia fordista. Uma maneira de potencializar o controle empresarial em prol dos ganhos, com produção em larga escala e controle sem interferências.
O recorte temporal (de maior evidencia desse aspecto) foi registrado pela autora entre 1960 a 1975, correspondendo a fundação das vilas até o momento que esse modelo começou a perder força.
Interessante que o estudo ressalta o controle em muitos e sutis (ou não) detalhes, diretamente ligados à forma de vivência no complexo. Funcionários de níveis diferentes em hierarquia eram separados para não afetar o rendimento no trabalho, por isso a separação em convivência e muitos contrastes, como as casas.
Havia rigidez para muitas coisas, até para festas informais, quando a distribuição de bebidas se dava por barril de chopp, exemplificando outra forma de estabelecer controle sobre a vida social.

Incentivos para maior eficiência incluíam premiações com bens materiais e destaque nas antigas revistas ICOMI.
O cenário é de controle social, rigidez na rotina e exploração, onde os maiores beneficiados eram funcionários vindos do sul e sudeste. A população local privilegiada era apenas dos funcionários, fechando-se essa sociedade para a realidade externa, que na prática vivia à margem do desenvolvimento aclamado. As compras restritas aos funcionários no mercado ilustra isso.
Vemos também pequenas estratégias que os funcionários usavam para fugir do controle rígido, como as compras no cartão para os colonos. Minha mãe fazia isso, como muitos serranos.

As estratégias de governo fechado também são apontadas como causa da involução das vilas após a saída da empresa, por conta da dependência gerada e pouca autonomia do governo territorial nessa região. A dependência da ICOMI impossibilitou o fortalecimento da sociedade. Basicamente, subserviente e sem conquistas em construções democráticas. Tudo era gerenciado e dominado pela empresa sem a participação popular, fadada à dependência em mecanismos pré estabelecidos.

Há referências também à degradação ambiental promovida pela Empresa, onde se destaca o estudo da contaminação no Elesbão em Santana pelos rejeitos de manganês, seja pela infração de ser estocado em larga escala em uma região habitacional ou pelo repasse como material complementar na pavimentação asfáltica.

O capítulo que mais gostei foi o quarto. Tem abordagens sobre a história e peculiaridades das Vilas de Serra do Navio e Amazonas, o Porto de Santana, a Ferrovia e circunvizinhança, como a Baixada do Ambrósio, Vila do Cachaço e Elesbão. T
ambém é excepcional o terceiro, na visão do controle social.

A obra foi publicada em 2014 pela UNIFAP. Uma leitura de descobertas e aprendizagens de maneira interessante e prazerosa.

INFORMAÇÕES DO LIVRO
Título: O controle social exercido pela ICOMI como estratégia de usos e ação sobre o território no Amapá, de 1960 à 1975
Autora: Elke Daniela Rocha Nunes
Editora: UNIFAP
Ano: 2014
Páginas: 172

SUMÁRIO
1) Contextualização da produção mineral na Amazônia
2) Estratégias de poder e apropriação do território: a ICOMI no Amapá
3) O cotidiano do trabalhador da ICOMI dentro e fora do espaço fabril: como se efetivava o controle social
4) Ação e controle para uso do território

Em valorização da informação, registro o que a autora enunciou sobre cada um dos capítulos:

"No Capítulo 1 procurou-se contextualizar os processos de ocupação da Amazônia, bem como o início da produção regional nessa região, mais enfaticamente o Projeto ICOMI no Amapá e como se deu o processo de controle e uso do manganês. Neste momento, já se inicia uma breve análise, tratando de algumas questões consideradas mais atuais.
No Capítulo 2 foram feitas análises sobre o significado do processo de implantação do empreendimento produtivo mineral no Amapá e ainda tenta demonstrar como a hierarquização resultante da combinação destas diversas formas de controle social poderia corresponder a uma estratificação das condições de inserção dos trabalhadores no processo produtivo propriamente dito.
No Capítulo 3 buscou-se fazer uma exposição de como as formas de controle social efetivadas pela ICOMI foram utilizadas como estratégias de poder junto aos seus trabalhadores, subordinando-os às estratégias, normas e modelos de comportamento mais adequados aos interesses da Empresa, para garantir a apropriação do território. Procurando mostrar como as formas de controle efetivam-se materialmente pela constituição das vilas operárias, da estrada de ferro, dos usos do território, pela instalação do porto, bem como, simbolicamente por premiações, campeonatos, publicação de periódicos entre outros.
O Capítulo 4 busca analisar a forma como a ICOMI administrava a EFA, o Porto de Santana e as vilas operárias, bem como a região das minas. Ainda esclarece a relação que foi estabelecida com essa circunvizinhança."

LEITURA INDISPENSÁVEL PARA ESTUDIOSOS
SOBRE A ICOMI NO AMAPÁ.

NA ATUAL CIRCUNSTÂNCIA, O LIVRO PODE SER CONSULTADO NA BIBLIOTECA DA UNIFAP.