As postagens desse blog são em caráter informal, de apego ao saber popular, com seu entusiasmo, exageros, ingenuidade, acertos e erros.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

LENDAS DO AMAPÁ - A família do boto tucuxi

Ilustração de Honorato Júnior
A cabocla estava doente, muito doente. Desde as primeiras semanas de gravidez ela já sabia que a criança em seu ventre corria o risco de não conhecer o mundo. Já havia tentado de tudo medicou-se com ervas e chás, mandou benzer e puxar a barriga e até mesmo tomou a beberagem que a mãe de santo lhe deu, sem perceber qualquer resultado.
"É um caso perdido", diziam os moradores da Ilha de Santana, consternados com o sofrimento da mulher que se retorcia em dores terríveis. Mas sua dor maior estava na alma. Era a dor de estar perdendo a criança a cada dia que passava. A cabocla nem mesmo tinha certeza de que ocorrera a gravidez. Tudo parecia irreal, como um sonho. Ela lembrava da festa, da música romântica que subitamente a transportou ao trapiche, caminhando devagar, sonolenta, embriagada. A mulher lembrava que ali a esperava um homem alto, muito bonito e perfumado, trajando paletó branco e chapéu de carnaúba. Esquisito agora que pensava nisso, descobrir que em nenhum momento ele tirava o chapéu, nem mesmo para cumprimentá-la. Fizeram amor sob a luz do luar e dormiram araçados, ouvindo o barulho das ondas batendo no cais. Acordou com um imenso gosto de mar na boca e uma certeza: estava grávida.
Desde muito cedo ela também descobriu que seu filho não teria grandes chances de nascer. Era estranho, no entanto, que embora não tenha visto o pai da criança, lembrasse dele com perfeição, os olhos de um azul muito profundo, cada vez que olhava para o mar. Ela também percebeu que quando se aproximava das águas, a dor cessava quase que por encanto e uma paz muito profunda se apossava de sua alma. E era então que a cabocla sentia como se lhe afagassem o ventre, ninando a criança  fazendo-lhe mil promessas de amor.

Boto Rosa (Na Amazônia chamado de boto vermelho)
Boto Tucuxi
Um tema de muita influência na Amazônia, sendo encontrado em filmes, animações, teatro, escultura, desenho, pintura, livros, música e festividades, além de crendices miraculosas para se tornar um Dom Juan... Peraí, esta última não é digna de perpetuação, pois para isso há quem queira o @#%*# do coitado do boto! Pior que muita gente acredita...

A gravidez contiuava. O ventre crescia e junto com ele a preocupação da cabocla. Já havia consultado um médico na capital e sido informada de um problema no útero, que não lhe permitiria ter o filho sem grandes riscos de vida. Foi só quando faltavam poucos dias para dar a luz que a mulher descobriu.
Leitura Recomendada
Lembou-se das histórias de um moço muito bonito e muito louro que aparecia nos trapiches, conquistando moças virgens e deixando um filho no ventre delas. Mas a cabocla sabia que desta vez seria diferente. Quando sentia as dores do parto, alguma coisa a fez olhar pela janela. Foi quando viu o moço, envergando um fino paletó braco, de pé na cabeça do trapiche.
A cabocla não se assustou. Levantou-se da cama e foi ao encontro de seu amado. As dores, como que por encanto, desapareceram por completo. Uma estranha força, como um calor, penetrou em seu ventre, levando saúde ao bebê.
A cabocla continuou a caminhar até perceber que a maré tinha subido e lhe tocava os pés. E todos na casa viram quando a cabocla, carregando a criança no colo e acompanhada de um moço muito bonito e vestido de branco, atirou-se no rio.
O boto tucuxi voltou para buscar sua família
         
Texto do livro "Mitos e Lendas do Amapá" de Joseli Dias