Ilustração de Honorato Júnior |
A cabocla estava doente, muito doente. Desde as primeiras semanas de gravidez ela já sabia que a criança em seu ventre corria o risco de não conhecer o mundo. Já havia tentado de tudo medicou-se com ervas e chás, mandou benzer e puxar a barriga e até mesmo tomou a beberagem que a mãe de santo lhe deu, sem perceber qualquer resultado.
"É um caso perdido", diziam os moradores da Ilha de Santana, consternados com o sofrimento da mulher que se retorcia em dores terríveis. Mas sua dor maior estava na alma. Era a dor de estar perdendo a criança a cada dia que passava. A cabocla nem mesmo tinha certeza de que ocorrera a gravidez. Tudo parecia irreal, como um sonho. Ela lembrava da festa, da música romântica que subitamente a transportou ao trapiche, caminhando devagar, sonolenta, embriagada. A mulher lembrava que ali a esperava um homem alto, muito bonito e perfumado, trajando paletó branco e chapéu de carnaúba. Esquisito agora que pensava nisso, descobrir que em nenhum momento ele tirava o chapéu, nem mesmo para cumprimentá-la. Fizeram amor sob a luz do luar e dormiram araçados, ouvindo o barulho das ondas batendo no cais. Acordou com um imenso gosto de mar na boca e uma certeza: estava grávida.
Desde muito cedo ela também descobriu que seu filho não teria grandes chances de nascer. Era estranho, no entanto, que embora não tenha visto o pai da criança, lembrasse dele com perfeição, os olhos de um azul muito profundo, cada vez que olhava para o mar. Ela também percebeu que quando se aproximava das águas, a dor cessava quase que por encanto e uma paz muito profunda se apossava de sua alma. E era então que a cabocla sentia como se lhe afagassem o ventre, ninando a criança fazendo-lhe mil promessas de amor.
A gravidez contiuava. O ventre crescia e junto com ele a preocupação da cabocla. Já havia consultado um médico na capital e sido informada de um problema no útero, que não lhe permitiria ter o filho sem grandes riscos de vida. Foi só quando faltavam poucos dias para dar a luz que a mulher descobriu.
Boto Rosa (Na Amazônia chamado de boto vermelho)
Boto Tucuxi
A gravidez contiuava. O ventre crescia e junto com ele a preocupação da cabocla. Já havia consultado um médico na capital e sido informada de um problema no útero, que não lhe permitiria ter o filho sem grandes riscos de vida. Foi só quando faltavam poucos dias para dar a luz que a mulher descobriu.
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A cabocla não se assustou. Levantou-se da cama e foi ao encontro de seu amado. As dores, como que por encanto, desapareceram por completo. Uma estranha força, como um calor, penetrou em seu ventre, levando saúde ao bebê.
A cabocla continuou a caminhar até perceber que a maré tinha subido e lhe tocava os pés. E todos na casa viram quando a cabocla, carregando a criança no colo e acompanhada de um moço muito bonito e vestido de branco, atirou-se no rio.
O boto tucuxi voltou para buscar sua família
Texto do livro "Mitos e Lendas do Amapá" de Joseli Dias