Legal! Encontrei na Biblioteca SEMA-AP essa obra, em duas edições, com extraordinária expedição na Amazônia do século XVIII.
Relata, à Academia de Ciências da França, a expedição iniciada em
meados de 1743 em Jaén de Bracamoros e finalizada em Belém do Pará em
meados de 1744, para o levantamento da carta de curso do Rio Amazonas.
Objetiva mais instruir do que divertir dando ênfase aos aspectos da
geografia, da astronomia e da física.
Viagem pelo Amazonas, 1735-1745 (Charles-Marie de La Condamine)
Edição: Nova Fronteira/EDUSP - 1992
Nos primeiros contatos com os europeus, a Amazônia foi palco de
expedições extraordinárias. Inicialmente com desbravadores e
missionários, que deixaram relatos fantasiosos ou imprecisos,
entusiastas a um mundo de mistérios e instigantes descobertas.
Baseando-se neles, no segundo momento vieram aventureiros no encalço de
lendas e conquistas como o Eldorado ou a tribo das guerreiras amazonas.
Esse livro tem o registro de um terceiro momento, representado por
expedição científica, pioneira entre 1735 e 1745. O autor foi o francês
Charles-Marie de La Condamine, naturalista e um dos líderes dessa
expedição, que teve aval da Academia Científica de Paris. Interessante
que em paralelo, houve outra rumo à Lapônia para medições
geodésicas sobre o formato achatado da Terra nos polos. Ambas tinham em
comum a confirmação dessa teoria, ainda não comprovada, com comparativos
de medições nos polos e próximo ao equador (nem me arrisco a dizer mais
que isso, pois esse é um assunto que não entendo em seus
pareceres técnicos).
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Passagem pela Amazônia |
A expedição de La Condamine durou dez anos, entre a partida e retorno
para a Europa, e contou com diversos estudiosos (naturalistas, geólogos e
matemáticos). O registro é voltado principalmente para o
período na Amazônia, que se estabeleceu entre 1743 e 1745.
No trajeto,
desceram o rio Amazonas desde o Peru, chegaram à foz no Atlântico,
contornaram a costa amapaense, passaram pelas Guianas e retornaram à
Europa.
Os anos anteriores apresentaram a passagem por Martinica,
transposição para o Oceano Pacífico através da América Central e entrada
no continente sul-americano pelo Equador, onde começou a expedição do
relato (1743).
O livro traz também um relato sobre levante no Peru, em 1739,
em que ocorreram desavenças. Isso se estendeu também no retorno à
Europa, onde houve disputas pelo direito das informações. Não me
aprofundei nisso e apenas deixo o registro.
O formato é de um grande relato sem tópicos ou capítulos, em
estilo que já observei em outros livros antigos. Isso tende a ser chato
e, se não fosse a vontade de vislumbrar a Amazônia em parecer de outros
tempos, não me empolgava com a leitura em texto pouco didático
(comparativamente aos padrões atuais).
Uma crítica à edição da Nova Fronteira/EDUSP: não curti a opção de não deixar os
tópicos do sumário em destaque na parte do livro onde são citados (seria um cabeçalho).
A parte inicial é dominada por especificações técnicas, geodésicas,
coisa e tal e o texto, na minha leitura,
foi ficando interessante da metade em diante, com descrições da região,
da fauna, flora e populações nativas. Curioso que, mesmo sendo uma expedição científica, havia expectativas de encontrar coisas
extraordinárias relacionadas às lendas (Eldorado e amazonas guerreiras).
Bom, não podemos dizer que não encontraram coisas extraordinárias
também...
Imagina adentrar aquela floresta grandiosa, em um rio já considerado o
maior do mundo, com seres até então nunca descritos na Ciência, em suas
caracterizações distintas e únicas. Af! O povo de fora fica embasbacado
até hoje, imagina para aqueles gringos de outros tempos.
Há relatos de locais de difícil acesso, onde tiveram que enfrentar
corredeiras ou andar pelas florestas. Desta maneira foram descobrindo centenas de aspectos
novos. Senti entusiasmo dos naturalistas nas descrições
da anta, do poraquê, dos morcegos vampiros, dos jacarés (citados como
feras que atacavam as canoas), das sucuris, dos macacos, dos quatis, das
aves, entre outros.
A flora foi também contemplada e estudada. Esses cabras
devem ter sido os primeiros biopiratas nessas bandas, levando
sementes da seringueira para a Ásia. Vemos descrições da borracha, do
óleo de copaíba e do uso do quino em enfermidades.
Os expedicionários
teceram pareceres também sobre as populações indígenas encontradas,
obviamente dominados pela visão antropológica europeia. Relataram que
eram glutões, preguiçosos e tiveram pena das mulheres, descritas com
conotação de escravas.
Olha que legal! Passaram por minha cidade (Macapá) com rápidas
descrições, pois era só um entreposto, e conheceram o local onde seria
construída uma nova fortaleza (hoje, orgulho amapaense, bem aqui em
nossa orla).
Costeando o Amapá, citaram a ilha de Maracá e conheceram a
foz do Araguari, onde dedicaram interessantes observações para a
lendária pororoca (se a passagem fosse hoje, não veriam mas nada - acabaram com a pororoca do Araguari, devido o impacto
de três hidrelétricas e outras ações danosas ao meio ambiente). Citaram doenças tropicais (alguns morreram na expedição) e a obra, por essas e outras, teve impacto para o conhecimento científico da época.
Finalizando, curti o empolgante mergulho no
passado de minha região. Ainda hoje grandiosa em revelações, apesar de
alterações ocorrendo a passos assustadoramente rápidos e destrutivos.
Ah, lamentei que o livro não trouxesse o grafismo registrado na
expedição, coisa de praxe. Só mostrou dois mapas (do trajeto
completo e específico da passagem pela Amazônia).
Viagem na América Meridional (Charles-Marie de La Condamine)
Edição: Senado Federal - 2000
Relato da expedição
científica do naturalista francês La Condamine, no século
XVIII. A primeira a descer o rio Amazonas, do Peru à foz, fazendo
parte de um projeto da Academia Científica de Paris, que buscava
medições da Terra em comprovação do formato achatado nos polos, ainda
não comprovado cientificamente. A expedição se estendeu entre 1735 a
1745, contando os anos a partir de 1743 como específicos à navegação no
rio Amazonas (o relato valorizado nesse livro).
Li na edição da EDUSP, de 1992, por ter sido a primeira que me foi
oportunizada.
Ambas tem o relato na íntegra, com diferentes tradutores, mas a
principal diferenciação está na organização metodológica. A EDUSP
apresenta o relato sem interrupções, de forma inteiriça, com possíveis
tópicos mostrados apenas no sumário. Já nessa edição, o texto foi divido
em capítulos e sub-tópicos, em uma caracterização
mais interessante para a leitura e visão geral. Gostei dessa dinamização, pois a leitura torna-se muito mais interessante e favorável
ao entendimento. O leitor vai avançando no relato sempre alertado para o
que vai encontrar, o que permite redobrar a atenção. Convenhamos que é
bem melhor! Na primeira obra tive que voltar constantemente ao sumário e
isso tendia a ser desanimador e pouco instigante.
Outra diferença é o acréscimo de anexos na edição do Senado, que se
direcionam para dois assuntos: o levante ocorrido no Equador em 1739 e
breve relato de Godin de Odenais sobre a expedição de sua esposa.
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Visão geral da expedição de La Condamine |
No primeiro aspecto, o fato está nas duas edições, mas a segunda
desenvolve mais o ocorrido com outros textos. Em linhas gerais, um
médico da expedição foi assassinado em Cuenca no Equador e houve uma
incitação do povo contra os expedicionários. A história teve relações
com o envolvimento do médico com uma mulher e, apesar dos acréscimos,
não é uma parte interessante. Os textos adicionais são perfeitamente
dispensáveis, como fez a EDUSP. Essencialmente mostram depoimentos no
julgamento. Chatos!
Já o anexo mostrado como carta de Godin de Odonais à La Condamine (em
1773) é interessantíssimo e exclusivo à essa edição. Na carta, o tal
Godin relata o ocorrido à sua esposa, que após alguns anos da expedição
de La Condamine resolveu trilhá-la também. Porém, com total insucesso.
Mas também, olha só... Enquanto La Condamine era cercado por
especialistas em sua comitiva, a esposa de Godin parece que foi mais no
entusiasmo, cercando-se de parentes e perigos não calculados. Não deu outra. Perderam
suprimentos, alguns índios que a acompanhavam como guias e ajudantes
deram no pé, naufragaram em uma balsa e, do total de quase 50 pessoas
(contando com irmão e filho), só ela sobreviveu na mata, onde perambulou
perdida por vários dias. O relato é burocrático, pois o autor
privilegia mais as ações desenvolvidas por ele que a história da mulher
em si. Ele nem cita seu nome. O que!?
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Imagens ilustrativas encontradas na internet |
Ora, rapaz! Diante de tão
fantástica história pesquisei um pouco mais. Na internet encontramos relatos
mais detalhados. Isabel Godin de Odonais (registro no Wikipedia) foi
quase à loucura, permanecendo nos primeiros dias próxima aos corpos até
se aventurar na mata, perdida e exaurida, onde foi resgatada por índios
que a levaram para uma missão. De lá, conseguiu chegar à foz do
Amazonas, onde enfim reencontrou o esposo depois de um tempo longo
(anos). Gostaria de conhecer melhor essa história... Será que tem algum
livro? Merece e deve ter sim. O relato de Godin, apesar de instigar, é muito pobre em
informações para os mais ávidos. Péssimo contador de histórias...
Finalizando, a edição do Senado traz também um índice. Ninguém lê, nem é
para isso, mas quando você precisa faz uma diferença fundamental,
principalmente em textos longos, multifacetados e sem muitas divisões metodológicas.
É isso. As duas edições estão no acervo da Biblioteca da SEMA em Macapá. Uh, sumano! Foi mais uma leitura das
antigas muito paidégua, que você pode conferir também!