As postagens desse blog são em caráter informal, de apego ao saber popular, com seu entusiasmo, exageros, ingenuidade, acertos e erros.

terça-feira, 20 de março de 2012

LENDAS DO AMAPÁ - A Cobra Sofia

Hoje é o "Dia Internacional do Contador de Histórias", data para homenagear todos que se dedicam à arte de levar fantasia e mistérios em forma de palavras e narrativas. Estas, muitas vezes, despertam o gosto ou curiosidade pela leitura e estão entre os primeiros textos conhecidos pela classe estudantil. A data foi criada na Suécia (1991) e recebeu a adesão de outros países (hoje são 25 segundo informações da web), que desenvolvem atividades culturais neste dia  e, em comum, a proposta de abordagem a um mesmo tema. Exemplo: 2004 (pássaros), 2005 (pontes), 2008 (sonhos), 2011 (água) e 2012 (árvores).
Homenagem à personagem "Dona Benta", uma das maiores contadoras de histórias na Literatura Brasileira e nos livros encantados de Monteiro Lobato. Aqui está representada por sua maior intérprete (Zilka Salaberry) na antológica série "Sítio do Pica-Pau-Amarelo".
Homenagem à meus avós maternos Apolinário e Ana Castelo (Branco Velho e Nikita), grandes contadores de histórias que me instigaram, com suas marcantes narrativas, a querer e procurar muito mais nos livros. (Foto de 1998). 

Como leitor tenho uma afeição por um segmento em especial, as lendas. São narrativas que me despertaram o apego pela leitura e transportam-me a uma terra nostálgica, onde imperam as lembranças de meus avós, o saudosimo de outros tempos e me desconectam deste mundo cheio de bites e modernidades onde o livro, para a grande maioria, já não é uma boa fonte de informação e entretenimento.
Não sou um grande contador de histórias, mas aprecio a leitura de vários. Entre eles, aqui nas terras do Amapá e neste segmento lendas, temos um escritor que tem feito um resgate de muitas estórias em suas publicações. Coisas destinadas ao esquecimento, sem um devido registro. 
Foto: joselidias.blogspot.com.br
Joseli Dias é escritor, contista, jornalista e poeta amapaense. As narrativas das lendas e dos “causos” desta região registradas por este autor, estão reunidas no livro "Mitos e Lendas do Amapá" que, atualmente, se constitue em um trabalho de suma importância para todos que valorizam os elementos mais puros e autênticos da cultura popular. É uma obra valiosa, está na 3ª edição e  representa uma importante fonte de pesquisas sobre a mitologia amapaense.
 LEITURA RECOMENDADA

Em homenagem ao escritor, à meus avós, a todos os contadores de histórias, aos cabeças nas nuvens (como eu), à amiga escritora maranhense (Camila Miranda), à prima recém-encontrada (Ana Caroline) e ao "Dia Internacional do Contador de Histórias", aí está a "Lenda da Cobra Sofia": 

Há muito tempo, em uma aldeia próxima à ilha de Santana, é que vivia Icorã, uma índia de olhos cor de mel e muito linda. A beleza da índia, incomparável entre todas as mulheres da tribo, transformava em suplício sua felicidade. É que pela formosura Icorã era cortejada pelos bravos, ao mesmo tempo em que estava destinada ao deus Tupã quando estivesse em idade apropriada. Prisioneira de sua beleza, a indiazinha vivia muito triste, raras vezes deixando a oca. Quando o fazia era para dirigir-se à beira de um grande lago, à noite, para contar à lua de seu sofrimento.
Certa noite, enquanto banhava-se ao luar, Icorã foi avistada pelo boto Tucuxi, que perdeu-se de amores por ela. Transformando-se em um cisne, Tucuxi aproximou-se da indizinha, possuindo-a através de um encantamento. Meses depois Icorã sentiu a prenhez em suas entranhas e só então descobriu que aquele cisne lindo com quem brincara no lago era na verdade um boto.
Mortificada de remorsos, Icorã embrenhou-se nas matas, permanecendo longe de tudo e de todos para ter a criança. Quando as dores vieram e a indiazinha teve seu rebento, deu-lhe o nome de Sofia e atirou a criança no lago, na esperança de que ela se afogasse e ninguém tomasse conhecimento de seu pecado. Depois retornou à aldeia, como se nada tivesse acontecido. O boto Tucuxi, arrependido do que fez, transformou a criança em uma cobra d’água, evitando assim a sua morte.
Muito tempo passou e certo dia, quando Icorã encontrava-se à beira do grande lago, sentiu as águas se revolverem e viu quando uma cobra imensa, de estranhos olhos cor de mel, deixou seu refúgio. Era a cobra Sofia, que procurava águas mais profundas para acomodar-se. Os sulcos deixados durante o trajeto, dizem as lendas, formaram o Rio Matapi.
Sofia, acreditam os mais antigos, parou para descansar onde hoje fica localizado o porto de Santana. Há alguns anos, uma grande parte da plataforma desabou. Dizem que foi a cobra Sofia que moveu-se durante o sono.

 Joseli Dias – Do livro "Mitos e Lendas do Amapá" – 3ª Edição)

Cobra Sofia
Ilustração: Honorato Júnior