As postagens desse blog são em caráter informal, de apego ao saber popular, com seu entusiasmo, exageros, ingenuidade, acertos e erros.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

O Nome das Embarcações

Reportagem do Jornal O Farol, que circulou em Vigia (Pará) em fevereiro de 2012. Mostra uma realidade amazônida muito presente também no Amapá. O autor do texto é o geógrafo João Paulo Santos.

O Nome das Embarcações
Foto: João Pinho (2007)
Orla de Vigia de Nazaré e as embarcações características. 
Em cada nome uma história.
Desde muito tempo, quem chega na orla de Vigia, logo se depara com uma infinidade de embarcações ancoradas, formando um grande cinturão (que vai desde o  rio Tujal até o rio Açaí) marcando os dois extremos da cidade e se distanciando em mais de dois kilômetros. Essas embarcações se subdividem na pesca artesanal (de pequeno, médio e grande porte) e na pesca semi-industrial e industrial. São muitas embarcações, desde a canoa pequena movida à remo ou a vela da pesca de subsistência familiar, até a grande barca da pesca industrial. Mas o que nos chama a atenção dessas embarcações não é só os seus diversos tamanhos e níveis de tecnologias, mas as suas denominações, ou seja, o nome que elas trazem estampados em suas laterais. Esses nomes estão associados a história de vida dos donos dessas embarcações. cada nome possui um significado simbólico na trajetória de cada indivíduo. São nomes ligados à religiosidade: "ABENÇOADA POR DEUS", "DEUS É O SENHOR"; à família: "JEAN PATRIK", "FELIPE", "LUISA"; à superioridade: "DE AÇO", 'GAIVOTA", "LOBO DO MAR', etc.
É bastante comum os pescadores possuírem um apego a alguma religião ou doutrina cristã (seja o catolicismo ou o protestantismo) e encontrarmos, pintadas dentro das paredes internas, passagens bíblicas ou algumas máximas de temor a DEUS. Esse apego também está relacionado as nuances em auto-mar, ao desejo da boa pescaria e da preservação da vida ao retornarem sãos e salvos. No tempo das vigilengas movidas a vela esse apego era mais forte. Muitos pescadores contam que havia a separação de uma parte do pescado destinado para a paróquia da cidade em homenagem a N. S. das Neves em agosto e a N. S. de Nazaré pela festividade do Círio em setembro. Poucas embarcações ainda mantém esse ritual, outras pertencem a patrões evangélicos que não possuem os mesmos costumes cristãos. Embora sejam homens do mar o temor às intempéries da natureza são dirimidas pela presença de uma religiosidade ligada a sua história de vida.
Os nomes das embarcações ligados à família tem haver com a religião que apregoa que a família é a base de uma sociedade para que pai, mãe e filhos cresçam e vivam bem juntos. O nome de filhos, esposas e até do próprio dono (o pai e provedor da família) aparecem nessas denominações.
Já os nomes ligados a idéia de superioridade da embarcação trazem nomes de animais que são ágeis, ferozes ou superiores na natureza (Lobo do mar, Gaivota, etc). São encontrados também adjetivos que retratam a embarcação ser imbatível em alto mar, como "DE AÇO", que nos passa a idéia de algo resistente e que não quebra com facilidade, embora a embarcação seja feita de madeira.
Essas embarcações são chamadas pelos seus próprios nomes. seus donos, pescadores e outras pessoas as chamam assim; passam a ter uma identidade própria, pois são registradas nos órgãos competentes do setor pesqueiro. Em alguns casos, raramente são  mudadas de nome. Caso ocorra algum evento inusitado por venda da embarcação para outra pessoa, muitas vezes, o novo dono mantém o mesmo nome, pois fica a critério mudar ou não essa identidade.

Fonte: João Paulo Santos (Jornal O Farol - Ano 01 - Vigia-PA, feveriro de 2012)


No Amapá, ilustrando nome de embarcações, tivemos no Museu Sacaca o regatão "Índia do Brasil" sendo substituído por "Milagres de Nossa Senhora".
 Fotos: Altamiro Vilhena e Agência Amapá